"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

DESPERTE PARA O REAL SIGNIFICADO DA LIBERDADE



Quando pressionados por uma declaração de suas crenças, conservadores dão respostas evasivas ou irônicas: crenças são o que os outros têm, aqueles que, como socialistas e anarquistas, confundiram política com religião. Isto é lamentável, porque o conservadorismo é uma filosofia genuína, ainda que não sistemática, e ela merece ser afirmada especialmente em tempos como o atual, quando o futuro de nossa nação está ameaçado.

Conservadores acreditam que nossas identidades e valores são formados através de nossas relações com outras pessoas, e não através de nossas relações com o estado. O estado não é um fim, mas um meio. A sociedade civil é a finalidade última, e o estado é o meio de protegê-la. O mundo social emerge através da livre associação, enraizada nas relações de amizade e na vida em comunidade. E os costumes e instituições que estimamos têm crescido de baixo, pela mão invisível da cooperação. Elas raramente têm sido impostas de cima pelo trabalho de políticos, cujo papel, para um conservador, é reconciliar nossos propósitos, não ditá-los ou controlá-los.
Apenas nos países de língua inglesa os partidos políticos se descrevem como “conservadores”. Por que isto? Isto se dá claramente porque os falantes da língua inglesa são herdeiros de um sistema político que tem sido construído de baixo, pela livre associação de indivíduos e pelas operações da common law. Consequentemente, concebemos a política como um meio para conservar a sociedade e não um meio para impô-la ou criá-la. Da Revolução Francesa à União Europeia o governo continental tem se concebido em termos de “cima para baixo”, como uma associação de sábios, figuras poderosas ou “experts”, que estão no negócio de criação de ordem social através de regulação e lei imposta. A lei comum não impõe ordem, ela emerge da ordem. Se o governo é necessário, do ponto de vista conservador, é a fim de resolver os conflitos que surgem quando as coisas estão, por qualquer razão, desestabilizadas.

Se você vê as coisas deste modo, então você está propenso a conservar a sociedade civil pela acomodação da mudança necessária. O Partido Trabalhista visou enfraquecer nossa sociedade externamente e dividi-la internamente. Externamente por sua inquestionável aceitação da primazia da autoridade internacional da União Europeia, internamente pela imigração indiscriminada, conflito de classes e “reformas”, que usualmente significa a politização de nossas consagradas instituições. Os conservadores, por contraste, aspiram por uma sociedade governada de forma coerente com as instituições que surgiram através dos tempos em resposta às necessidades de mudança e circunstâncias.

Tal sociedade depende de uma lealdade comum e uma lei territorial, e estas não podem ser alcançadas sem fronteiras. Mas nos encontramos obrigados por um tratado concebido por internacionalistas utópicos em circunstâncias que desapareceram já há muito tempo. O tratado da União Europeia obriga os estados membros a permitir “livre movimentação de pessoas”, independentemente de seus desejos ou seu interesse nacional. Com seu sistema de assistência social aberto, sua língua universal, sua riqueza relativa, suas liberdades cuidadosamente defendidas, nosso país é o destino preferido da onda de imigrantes europeus. Entretanto, no topo de qualquer agenda conservadora está a questão da imigração. Como limitá-la, e como assegurar que os recém-chegados se integrarão numa sociedade em que a livre associação, liberdade de opinião, e o respeito pela lei são axiomáticos.

Os conservadores reconhecem que o direito de eleger nossos legisladores e mudar a lei é uma premissa de políticas democráticas. Sempre que possível, eles acreditam, nossas leis devem ser elaboradas em Westminster, ou nas côrtes da commom law de nosso reino, não por burocratas não eleitos em Bruxelas ou por côrtes de juízes Europeus.

Até recentemente os conservadores enfatizavam a sociedade civil tendo igual ênfase na família em seu cerne. Esta ênfase tem sido distorcida em confusão pela revolução sexual, pela difusão do divórcio e nascimentos fora do casamento, e pelos movimentos recentes para acomodar o estilo de vida homossexual. E estas mudanças tiveram que ser absorvidas e normalizadas. Nossa sociedade é tolerante, na qual a liberdade é estendida a uma variedade de religiões, visões de mundo, e formas de vida doméstica. Mas a liberdade é ameaçada pela licenciosidade: a liberdade é fundada em responsabilidade e respeito pelos outros, enquanto que a licenciosidade é um modo de explorar outros por puro ganho pessoal. A liberdade entretanto precisa de valores que protegem os indivíduos de uma vida pessoal caótica e que cuidam da integridade do lar em face de muitas ameaças.

O conservadorismo é uma filosofia de legado e administração, não dissipa recursos, empenha-se em aumentá-los e passá-los adiante. Para os conservadores, a política ambiental precisa ser resgatada da expertise embusteira dos alarmistas. Mas deve também ser resgatada da religião do Progresso, que nos instiga a perseguir crescimento a qualquer custo e a transformar nosso amado país em um conjunto de plataformas de concreto, por ferrovias de alta velocidade numa paisagem em que cada topo de montanha é coberto por sinistras fazendas de vento.

É difícil que estas convicções surtam efeito agora. Através de quangos (comitês) e corpos oficiais, o estado tem sido ampliado pelo Partido Trabalhista até o ponto de engolir a iniciativa privada e distorcer o longamente estabelecido instinto de caridade de nossos cidadãos. As regulações dificultam a associação de pessoas, e as decisões nonsense das côrtes Europeias constantemente nos dizem que, vivendo de acordo com nossas luzes, estamos atropelando os direitos humanos de alguém. Os conservadores acreditam em direitos, mas em direitos que são pagos por deveres, e que antes reconciliam pessoas ao invés de dividi-las.

Os pensadores de esquerda quase sempre ridicularizam a posição conservadora como defensora do livre mercado a qualquer custo, introduzindo a competição e a motivação do lucro mesmo nos arredores sagrados da vida comunal. Adam Smith e David Hume deixaram claro, entretanto, que o mercado, que é a única solução conhecida para o problema da coordenação econômica, depende ele próprio do tipo de ordem moral que emerge de baixo, quando as pessoas se responsabilizam por suas vidas, aprendem a honrar seus acordos e vivem em justiça e caridade com seus vizinhos. Nossos direitos são também liberdades, e liberdade faz sentido apenas entre pessoas que sejam responsabilizáveis por seus vizinhos em caso de mau uso.

Isto significa que, para os conservadores, o esforço de recuperar a sociedade civil do estado deve continuar incessantemente. Uma por uma nossas liberdades estão sendo erodidas: a liberdade de expressão pelos muçulmanos, a livre associação pela Côrte Europeia de Direitos Humanos, a liberdade de fazermos nossas próprias leis e controlar nossas fronteiras pela União Europeia. Nós conservadores valorizamos nossa liberdade não porque ela seja uma posse abstrata de uma pessoa abstrata, mas porque é uma conquista concreta e histórica, o resultado da disciplina civil exercida por séculos, e o símbolo de nosso reservado respeito pela lei do país.
02 de abril de 2015
Roger Scruton, inglês, é filósofo e escritor - http://www.roger-scruton.com

Originalmente publicado em The Spectator.

Nenhum comentário:

Postar um comentário