"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

CASO HSBC: O JOIO E O TRIGO

O joio é um vegetal parecidíssimo com o trigo, que nasce nos mesmos lugares. Só que, em vez de benéfico, é daninho. Quem planta trigo precisa separar o joio, para não estragar a colheita. Quem faz jornalismo, também – embora um intelectual e político americano, Adlai Stevenson, duas vezes candidato à Presidência (e duas vezes derrotado), costumasse dizer que a função de um editor é separar o joio do trigo, e publicar o joio.


No fundo, esta é a questão por trás do SwissLeaks, os vazamentos suíços de contas bancárias do HSBC. Há 8.667 brasileiros na lista, cujas contas na Suíça alcançam algo como US$ 8 bilhões. A lista, apurada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), já é conhecida; no Brasil, está em poder de um integrante do ICIJ, o repórter Fernando Rodrigues (http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/). Por que não é divulgada?

A questão, como tudo atualmente na política brasileira, já se transformou em teoria conspiratória: ou o governo quer usar os nomes da lista para abafar a repercussão das denúncias de políticos no caso do petrolão, que atingiriam em cheio a base de apoio da presidente Dilma Rousseff; ou o PSDB, preocupado com seus aliados e financiadores que estão na lista, tenta abafá-la, para protegê-los, para isso usando seus contatos na imprensa.

Ambas as versões são ofensivas para Rodrigues; ambas são falsas. O problema é que, na lista dos que aplicaram no HSBC suíço, há brasileiros que fizeram depósitos regulares, declarados, plenamente legais; e a eles provavelmente se misturam os que usaram os serviços do banco para ocultar rendimentos, fugir de impostos, lavar dinheiro e sabe-se lá mais o que. Divulgar a lista inteira significa não apenas injustiçar, mas também causar prejuízos financeiros, comerciais e morais a todos os citados que estejam dentro da lei. Fernando Rodrigues adotou o caminho mais técnico: submeteu os nomes às autoridades financeiras, para que cruzem as informações e informem que está na legalidade e quem apenas oculta rendimentos. Receita Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), autoridades monetárias em geral têm bom material para trabalhar. Que se manifestem, pois, o mais rapidamente possível.

E, enquanto isso, a demagogia come solta. Um repórter anunciou amplamente que está deixando o ICIJ pela demora na divulgação da lista dos SwissLeaks. Só que ele havia deixado o ICIJ há muitos anos. Outros jornalistas publicam nomes que eventualmente até possam estar no SwissLeaks, mas que na verdade apareceram em um vazamento anterior, há alguns anos.

Enfim, se há demora na divulgação correta dos nomes de pessoas que utilizaram os bons serviços e a perícia do banco para cometer atos ilegais, isso não se deve ao repórter: quem deve se manifestar, já que são as únicas em condições de cruzar os dados, são as autoridades brasileiras.

Mãos à obra!

E, sem dúvida, a imprensa só teria a ganhar esquecendo o clima de partidarização que parece contaminar praticamente tudo neste país.



Prestígio x dinheiro

Há poucos dias, Pierre Bergé, um dos investidores que salvaram o francês Le Monde da falência, protestou contra o auxílio do jornal aos jornalistas do ICIJ que levantaram os SwissLeaks. E disse que não havia investido tanto dinheiro no Monde para fins de alcaguetagem. A redação do Le Monde reagiu duro, dizendo que o papel dos acionistas é cuidar da empresa, e não interferir nos critérios jornalísticos.

Em seguida, outro caso explosivo na Inglaterra: Peter Osborne, principal colunista político do Telegraph, pediu demissão por considerar que o jornal, por aceitar imposições da área comercial, frauda seus leitores. Um dos temas abordados por Osborne é o caso SwissLeaks: segundo diz, o jornal não quis investigar o caso de dinheiro oculto na Suíça por temor de que o HSBC, o maior banco britânico e um dos maiores do mundo, retirasse a publicidade do jornal. Diz Osborne: “Segundo me disse um alto executivo da empresa, o HSBC era um anunciante que não se podia ofender”.

Denuncia casos: o Telegraph chegou a investigar o caso durante três meses, mas a direção de jornalismo recebeu ordens superiores para destruir todo o material apurado. E o principal executivo da empresa, Murdoch McLennan, comandante do Telegraph Media Group, passou a analisar pessoalmente todas as notícias a respeito do HSBC e aos depositantes que constavam na lista SwissLeaks.

Osborne é respeitadíssimo, é conservador, pertencente à mesma linha política doTelegraph,sempre considerou o jornal o lugar ideal para trabalhar, especialmente pela coincidência de ideias. A ruptura sem dúvida atinge a reputação do jornal sério de maior circulação do Reino Unido.

Em jornalismo, a separação entre publicidade e noticiário já foi mais nítida. Em tempos idos, O Estado de S.Paulo aplicava seu dinheiro num fundo cego, dirigido pelo banqueiro Gastão Vidigal; Vidigal apenas prestava contas dos resultados ao jornal, não sendo autorizado a revelar aos clientes em que empresas e setores estava investindo. Podia acontecer de o jornal atacar pesadamente uma empresa e, sem o saber, ser seu acionista. Em todos os jornais sérios havia também uma norma rígida separando publicidade e noticiário: a publicidade sempre estaria cercada de fios, e jamais ficaria solta no meio de uma página de noticiário. Hoje as normas já são bem diferentes, bem mais flexíveis. Até na primeira página. É pena.



Um caso exemplar

Preta Gil fez o maior sucesso no Carnaval. Seu bloco juntou muitos milhares de pessoas. Também fez sucesso, e valeu ampla cobertura dos meios de comunicação, outra iniciativa de Preta: o “Maior Beijaço do Mundo pra começar o Carnaval”.

Beleza! Só faltou, para ficar certinho, esclarecer que o tal beijaço era patrocinado por uma fabricante de pasta de dentes. Matéria é matéria, propaganda é propaganda.



Mistério do jornalismo

A profissão parece misteriosa: filólogo, especialista em idiomas. No caso, o brilhante Deonísio da Silva, além de um dos maiores especialistas brasileiros no idioma português, é também excelente escritor, com notável faro jornalístico. Pois Deonísio se interessou por um personagem dos mais importantes na História da imprensa: um aviador britânico de combate que fundou uma das mais conhecidas revistas dos Estados Unidos, Newsweek, que circulou em mais de cem países, com tiragem que ultrapassou os três milhões de exemplares. Foi a grande concorrente do Time.

Deonísio da Silva se interessou por Thomas John Cardell Martyn, o criador da Newsweek, ao descobrir que ele tinha vivido muitos anos no Brasil, onde se casou, onde está enterrado (em Agrolândia, Santa Catarina). E que é que fazia no Brasil? Deonísio apurou que Martyn conheceu Irmgard Stahnke no Rio, onde trabalhava como doméstica. Apaixonaram-se e se casaram em São Paulo, em 1961. Mais tarde foram para a cidade natal de Irmgarde, Agrolândia, onde ela morreu de câncer em 1973. Ele também morreu de câncer, seis anos mais tarde.

Uma curiosidade: a maior parte dos documentos de Martyn e do casal foi queimada. Por quê? Não se sabe exatamente. Mas Deonísio da Silva acaba de descobrir, depois de publicar um belo artigo a respeito do tema em O Globo, uma coisa que desconhecia: Thomas John Caldwell Martyn era também agente da CIA.

O assunto está crescendo: e há boas possibilidades de que o caso, com todos os seus mistérios, seja transformado em filme nos Estados Unidos.



Por falar em mistérios

1. Um grande jornal, noticiando o Campeonato Italiano, conta que o Juventus de Turim empatou por 2x2, embora tendo tido chance de ganhar. “O mais doloroso é que a Juve teve um pênalti a seu favor aos 37 minutos do segundo tempo, quando o placar mostrava 2x2. Depois de muitos protestos dos jogadores do time da casa, o chileno foi para a cobrança. E mandou para fora”.

Quem era o tal chileno que perdeu o pênalti? Mistério!

2. Um grande jornal de TV se referiu várias vezes à ponte onde o Galo da Madrugada, do Recife, deu a largada em seu desfile. Qual o nome da ponte? Mistério!



Matías Molina R., El Grande

A pesquisa é monumental, o autor é um dos grandes jornalistas deste país. Os livros (que este colunista ainda não leu) só podem ser bons, tendo a origem que têm: em três volumes, Matías Molina conta a história da imprensa no Brasil, desde os tempos de D. João 6º. O primeiro volume, que está saindo agora, chega à Regência; o segundo, que ainda demora um pouco, aborda os jornais do Rio; o terceiro, os de São Paulo.

Bela iniciativa – e um livro de referência, que ainda não existe, sobre os jornais que tiveram maior importância na nossa História.



O grande evento

O evento é importante, o livro é importantíssimo: na terça-feira (24/2), a revista eletrônica Consultor Jurídico lança oAnuário da Justiça – São Paulo, 2015. O evento acontece no Salão dos Passos Perdidos, Tribunal de Justiça de São Paulo, na Praça da Sé – e a ele costumam comparecer os nomes mais importantes da atividade jurídica do Estado. Vale pelo evento, e vale ainda mais pelo excelente livro de referência.



Hem?

Quando Winston Churchill tinha sete anos, seu professor de Latim quis ensinar-lhe a declinação de “mensa” – mesa. Parou no vocativo, quando Churchill quis saber o que aquilo significava. O professor explicou: “É a forma que você deve usar quando falar com uma mesa”. O garoto garantiu ao professor que jamais conversaria com uma mesa. O professor se ofendeu e suspendeu-o. E Churchill, numa frase que deve ser lembrada, disse que nunca mais se interessaria por grego, latim ou outras línguas: queria aprender inglês. Queria ser o melhor em sua própria língua.

Pois é. Nos nossos meios de comunicação, o profissional que fale várias línguas é valorizado (o que é ótimo). Mas parece que houve um certo esquecimento: é ótimo falar alemão, chinês, inglês, francês e espanhol, desde que o conhecimento do português também seja obrigatório. E não está sendo: em grandes jornais, que já prezaram a qualidade do texto, diz-se que o carro “o pertencia”, coisas do tipo. Um cavalheiro se apresenta como “acessor parlamentar e acessor (...)” da Prefeitura de uma grande cidade (ou talvez “sidade”).

Também num grande jornal, o temor ao cacófato, o vício de linguagem que transforma o encontro de duas palavras numa terceira, cujo significado nem sempre é o desejado, simplesmente desapareceu:

** “Serginho Chulapa critica Ganso”

Ele poderia ter criticado o meia Ganso, o jogador Ganso, poderia ter feito críticas a Ganso. Mas “critica Ganso” fica mesmo meio esquisito.

O recorde, entretanto, vem numa grande matéria sobre a morte de uma grande artista, Tomie Ohtake. Dizia-se que a Tomie era acompanhada por um “secto”. Deu trabalho, mas enfim foi possível chegar a uma solução: o que deveria estar escrito, provavelmente, seria “séquito”.



O pai do primo do avô

Um antigo (e excelente) livro, Introdução ao Jornalismo, de Frazer Bond, que o notável Woile Guimarães mandou este foca estudar, já ensinava há mais de 50 anos que parentesco só é notícia se tiver algo a ver com os acontecimentos. Em “Filho do ministro vende facilidades”, o parentesco provavelmente tem a ver com os fatos. Mas em “Filho do ministro é preso em roda de crack” é provável que o parentesco nada tenha a ver com o evento. O responsável que responda sozinho por seus atos, poupando o parente.

O livro já ensinava isso há mais de 50 anos. Mas quem disse que todos aprenderam? Frases apanhadas em jornais, a esmo, nos últimos dias:

** “Parentes de filha de (...) brigam em hotel e polícia aparta”

** “Primo de (...) foi preso em flagrante na Operação Lava Jato”

** “Filho de (...) beija moreno em camarote na Bahia”

Nos três casos, o parentesco não tem nada a ver com os fatos. Entra apena para atrair o leitor incauto. Num deles, o terceiro, se o rapaz beija o moreno ou o loiro num camarote de Carnaval o problema é dele. No caso, nem há o que noticiar, a não ser a busca de um factoide sensacionalista.



Como...

O atentado da Dinamarca foi tão importante que um grande jornal impresso, de circulação nacional, optou por noticiá-lo duas vezes. Numa delas, o suspeito “teria sido” preso. Na outra, “foi preso”.

A precisão do noticiário está garantida: uma das duas notícias está certa.



...é...

Num grande jornal impresso, de importância reconhecida, famoso por sua dedicação ao noticiário internacional, colocam-se tropas americanas no conflito da Ucrânia. Um dia até pode ser que a notícia seja verdadeira. Mas, por enquanto, é no mínimo precoce.



...mesmo?

Legenda publicada num caderno especializado em automobilismo:

** “Audi R8 teria sido destruído por mulher enfurecida após descobrir que, supostamente, havia sido traída pelo marido”

Não deixa de ser uma novidade: a descoberta de uma suposição.



Frases

>> Do jornalista Xico Sá: “Existem dois tipos de repórteres: o que corre atrás da notícia e o que corre atrás de referendar a tese patronal. Quem sobe na vida é este último.”

>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Até o fim do ano Dilma vai anunciar a recuperação da Petrobras em cadeia nacional.”

>> Do jornalista Palmério Dória: “Só um computador quântico para calcular as chances que os narradores e comentaristas dos desfiles carnavalescos perderam de não dizer nada.”

>> Da internauta Rita Xavier: “Ninguém pode dizer que o ditador da Guiné Equatorial não investe em escola.”



E eu com isso?

Não, o mundo não está muito complicado. Como nas histórias de Asterix, há uma pequena região que resiste à onda dominante e onde reina a alegria. É aqui!

** “Paulo Vilhena afirma que está solteiro e é flagrado flertando com loira”

** “Nicki Minaj ousa com vestido transparente”

** “Passista coloca tapa-sexo e mostra demais”

** “Rihanna e Leonardo DiCaprio curtem balada”

** “Carol Dantas, mãe do filho de Neymar, exibe pernão em camarote no Sambódromo”

** “Iggy Azalea sai do Twitter após críticas íntimas”

** “Ex-mulher, Vanessa Giácomo encontra Daniel de Oliveira com Sophie Charlotte”

** “Candice Swanepoel aparece como veio ao mundo em ensaio na praia”

** “De sunga, Thammy Miranda curte passeio”

** “Toby Maguire coloca mansão à venda em Los Angeles”

** “Aos 81 anos, Francisco Cuoco revela que não toma remédio para fazer sexo”

** “Supostas fotos não retocadas de Beyoncé são divulgadas na internet”

** “Lilia Cabral passeia com a filha”

** “Chace Crawford curte o Carnaval”

** “Wanessa se deixa fotografar com filho caçula”

** “Tiger Woods assiste a jogo com a mulher após traí-la com 120”

E ainda teve fôlego para ir ao jogo?



O grande título

Uma bela colheita, nesta semana. Há manchetes para todos os gostos: das enigmáticas...

** “Tamires corta alface em silêncio”

...às de duplo sentido:

** “De olho no folião, ambulantes inflacionam ‘pau de selfie’ em SP”

Há uma frase notável da presidente Dilma, que mais uma vez diz exatamente o contrário do que pretendia:

** “Nunca deixamos de esconder que era 4,5%”

Uma manchete notável:

** “Mutirão propõe salvar Sistema Cantareira com cultivo e produção de água”

Quanto mais se vive, mais se aprende: quem é que sabia que a água pode ser cultivada?

E o grande título:

** “Metrô de NY tem bactérias nojentas, mas ninguém morreria por lambê-lo”

Quem será o depravado que quer lamber o metrô de Nova York?

24 de fevereiro de 2015

Carlos Brickmann

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