"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A ANDORINHA SUIÇA E O DINHEIRO SUJO


 

Diz o dito popular que “uma andorinha só não faz verão”.
Na Suíça, na década de 70, a luta solitária de uma “andorinha parlamentar” provocaria mudança fundamental no cenário econômico mundial. Geraria realidade que atormentaria, no futuro, os corruptos e corruptores transnacionais, inclusive os brasileiros.

A “andorinha” era professor de sociologia da Universidade de Genebra. Em 1976, lançava o livro “A Suíça acima de qualquer suspeita”. Começava a largada para uma batalha que se prolongaria por décadas. Denunciava o poderoso, intocável e corrompido sistema bancário suíço.
O nome da “andorinha”: Jean Ziegler. A repercussão do livro no mundo acadêmico e na sociedade apontava a necessidade do combate ser travado no parlamento.
Eleito deputado, por alguns mandatos, na Confederação Helvética (a Câmara dos Deputados da Suíça), se transformaria no inimigo público nº 1 do “paraíso fiscal”, que tinha na Suíça um porto seguro.

O deputado Jean Ziegler, como um D.Quixote moderno, enxergava nos bancos suíços os “moinhos” que deveria guerrear. Ao contrário do personagem de Cervantes, não contava nem com Sancho Pança a ajudá-lo.
Era um homem só. Não tinha apoio, nem solidariedade, seja no parlamento ou na sociedade. Renovava o mandato parlamentar por ser um cantão liberal, Genebra.
As campanhas difamatórias patrocinadas pelos banqueiros buscavam intimidar a sua consciência crítica. Ao invés de amedrontado, destemido contra-atacava. Demonstrava que os seus compatriotas eram hipócritas e falsamente liberais frente aos problemas do mundo.

Estava ferindo de morte o segredo bancário que tinha “status” de sacralidade.
Sua origem vinha desde 1714, ratificado por lei específica em 1934. Os banqueiros de Berna, Lausanne, Zurique e Basiléia, sentindo-se atingidos acionaram a justiça: resolvem processá-lo.
Em seguida o parlamento submisso promove a “cassação” da sua imunidade parlamentar. Fora do legislativo, o contra ataque de Jean Ziegler, foi devastador ao lançar o livro “A Suíça Lava Mais Branco”, que se transformaria em “best-seller” mundial.
As suas idéias marcariam a sociedade moderna, onde a avassaladora supremacia financeira no mundo contemporâneo encontrou nele, um resistente irremovível.
Os seus opositores, políticos e banqueiros, diziam que eliminar o segredo bancário do “dinheiro sujo” seria uma catástrofe econômica.
Ele respondia: “O manejo do dinheiro na Suíça se reveste de um caráter sacramental. Guardar, recolher, contar, especular e ocultar o dinheiro, são todos atos que se revestem de uma majestade ontológica, que nenhuma palavra deve macular e se realizam em silêncio e recolhimento.”
Calculava em 27% a parte da Suíça, no conjunto dos mercados financeiros “offshore” do mundo, a frente do Caribe, Luxemburgo e extremo Oriente. Demonstrava que o dinheiro sem origem lícita, fruto do caixa 2, corrupção pública e privada, movimentavam US$ 6 trilhões. No seu livro seguinte, “Os senhores do Crime”, produziria uma obra irretocável sobre a delinquência dos poderosos do mundo.
Em 1989, estava em Genebra, em delegação parlamentar. O saudoso deputado federal Lisâneas Maciel, após a cassação do seu mandato, no governo Ernesto Geisel, se exilara em Genebra, trabalhando no Conselho Mundial de Igrejas.
Voltando ao Brasil, depois da anistia, pelo voto, era eleito pelo Rio de Janeiro, em 1982. Durante o exílio havia conhecido Jean Ziegler, casado com uma brasileira. Programou a reunião dos parlamentares brasileiros com o notável suíço. Infelizmente não realizada em função de inesperada viagem de Ziegler. Trabalhando nas Nações Unidas, coordenando o setor responsável para o Direito à Alimentação no mundo, precisara se deslocar em missão urgente para o continente africano.
Quando o Brasil e outros países do mundo podem recuperar partes das fortunas acumuladas pela corrupção depositadas na Suíça, sem a luta solitária de Jean Ziegler, teria sido impossível. Ainda agora, o repatriamento das fortunas acumuladas na “roubança” da Petrobrás, a Justiça e o Ministério Público da Suíça, com os seus homólogos brasileiros, estão atuando de maneira conjunta. Nos Estados Unidos, recentemente o executivo e o judiciário, obrigaram a União dos Bancos Suíços a fornecer os nomes de 52.000 clientes titulares de contas ilegais. Originadas de fraudes no fisco norte americano.
Nos EUA, o crime fiscal sempre foi considerado dos mais danosos à sociedade.
Sancionar e punir os “paraísos fiscais” vem sendo posição assumida por nações a exemplo da Inglaterra, França, Alemanha, Canadá, dentre outros.
Após processos legais, a justiça e os ministérios públicos, nesses países vêm colecionando êxitos no repatriamento dos bilhões de recursos aplicados em “contas secretas” pelos “ladrões engravatados”.
Em tempo: quando a Confederação Helvética cassou a imunidade parlamentar do deputado Ziegler, o governo suíço chegou a patrocinar emenda constitucional, preconizando que “o segredo bancário seja inscrito e garantido pela Constituição Federal”.
Com o livro “A Suíça Lava Mais Branco”, a iniciativa não teve êxito.
Neste ano de 2015, o governo da Suíça e sua estrutura jurídica tornaram-se aliados no combate à lavagem do “dinheiro sujo”.
A radical mudança da administração suíça teve como fato determinante a luta solitária de um parlamentar e intelectual talentoso, dono de coragem e destemor invulgar.
Processado pelos poderosos, cassado pelo parlamento, continuou a lutar em nova frente, travando o bom combate e, ao final, sendo o grande vitorioso.
Deveria servir de exemplo para muitos homens públicos brasileiros.

06 de fevereiro de 2015
Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

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