"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 27 de setembro de 2014

TERRORISMO: COMO DEFINIR?


 

O terrorismo é uma forma de propaganda armada. É definido pela natureza do ato praticado e não pela identidade de seus autores ou pela natureza de sua causa. Suas ações são realizadas de forma a alcançar publicidade máxima, pois têm como objetivo produzir efeitos além dos danos físicos imediatos. Em toda a sua existência, a ONU não conseguiu obter um consenso para uma definição do que é terrorismo.
Vilipendiado pela maioria das pessoas, defendido pelos seus instigadores, a verdade é que o terrorismo conseguiu prioridade na cobertura da mídia. Sua incidência mais que dobrou nos últimos 20 anos e se transformou em um dos mais prementes problemas políticos do último meio século. Suas características multifacetadas, suas letalidade e imprevisibilidade, que não custam caro, tornam a prevenção e controle difíceis, dispendiosos e não confiáveis.

As definições abaixo comprovam que não há uniformidade nem mesmo entre os órgãos de Inteligência e de Segurança de um mesmo país:

"O uso ilegal da força ou violência contra pessoas ou propriedades para intimidar ou coagir um governo, uma população civil, ou qualquer segmento dela, em apoio a objetivos políticos ou sociais" (FBI);

"O calculado uso da violência ou da ameaça de sua utilização para inculcar medo, com a intenção de coagir ou intimidar governos ou sociedades, a fim de conseguir objetivos, geralmente políticos, religiosos ou ideológicos"(Departamento de Defesa dos EUA);

"Violência premeditada e politicamente motivada perpetrada contra alvos não combatentes por grupos subnacionais ou agentes clandestinos, normalmente com a intenção de influenciar uma audiência" (Departamento de Estado dos EUA).
Nessa lista de definições, o ponto comum fica evidente mas há diferenças de ênfase. O FBI frisa a coerção, a ilegalidade e as agressões contra a propriedade em apoio a objetivos sociais bem como políticos. O Departamento de Estado coloca a ênfase na premeditação, frisa a potencial motivação política de grupos subnacionais, mas não faz referência à violência espontânea ou à significação psicológica da ação ameaçada. O Departamento de Defesa, com mais abrangência, dá igual destaque à violência real ou ameaçada, cita uma faixa mais ampla de objetivos e inclui entre os possíveis alvos não só governos como também sociedades inteiras.

As definições de terrorismo conhecidas provocam interrogações. Uma delas: por quais critérios os terroristas devem ser considerados por executarem atos ilegais ou ilegítimos? Essa é uma questão que desperta a atenção dos cientistas políticos. Há concordância generalizada de que é importante examinar o contexto em que o terrorismo e os terroristas operam. Ou seja, os fatores históricos, sociais, econômicos, étnicos e até psicológicos que têm alguma influência sobre o pensamento, o comportamento e a ação.

Segundo o entendimento do escritor Bruce Hoffman, em 1998, que, usado pejorativamente, o termo terrorista é com freqüência confundido com a guerra de guerrilhas ou com a criminalidade comum até por presidentes de Estados. [*]
Ele, assim como a maioria das pessoas, ouviu falar, tem uma vaga idéia ou impressão do que é terrorismo. Essas pessoas, no entanto, carecem de uma definição mais precisa do termo, uma definição que seja concreta e verdadeiramente exploratória. Tal imprecisão deriva, em parte, da mídia moderna, que no afã de comunicar uma mensagem, quase sempre complexa, incompleta e intrincada, no menor período de tempo ou no menor espaço de impressão possíveis, conduziu à promíscua rotulação de terrorismo a uma gama diversificada de atos violentos.

Observa-se nas páginas dos jornais que qualquer ato de violência ignóbil percebido como direcionado contra a sociedade - envolva ele as atividades de dissidentes anti-governo, do chamado crime organizado ou de criminosos comuns, de manifestações tumultuadas ou de pessoas engajadas no protesto militante, de psicopatas individuais ou extorsionários isolados - é com freqüência rotulado de terrorismo.

O terrorismo, todavia, no mais amplamente aceito uso contemporâneo do termo, é fundamental e inerentemente político. E está vinculado de forma inextricável ao poder: a busca, a conquista e o uso do poder para conseguir mudanças políticas. O terrorismo é, assim, violência - ou ameaça de violência - usada e direcionada na perseguição do objetivo político ou a seu serviço. Com esse ponto vital claramente iluminado, pode-se apreciar o significado da definição de terrorista dada pelo Oxford English Dictionary:"Quem quer que tente impor suas opiniões por um sistema de intimidação coercitiva". Essa definição salienta claramente a outra característica fundamental do terrorismo: é um ato planejado, calculado e sistemático.

Qual a dificuldade então, para definir o que seja terrorismo? A dificuldade talvez resida no fato de o significado ter mudado demais ao longo dos últimos 200 anos. Depois da Segunda Guerra Mundial, o termo terrorismo assumiu as conotações revolucionárias com as quais é hoje associado. O termo foi principalmente usado como referência às revoltas violentas levadas a efeito pelos nacionalistas nativos/grupos anticoloniais que emergiram na Ásia, África e Oriente Médio, em oposição ao mando europeu. Também países tão diversos como Israel, Quênia, Chipre e Argélia, por exemplo, devem suas independências, pelo menos em parte, aos movimentos políticos nacionalistas que empregaram o terrorismo contra as potências colonizadoras.

Foi também durante esse período que o apelo "politicamente correto" aos "combatentes da liberdade" entrou na moda como conseqüência da legitimidade política que a comunidade internacional conferiu às lutas pela libertação e autodeterminação. Muitos países recém-independentes do Terceiro Mundo - e Estados do bloco comunista em particular - adotaram a expressão, argumentando que qualquer pessoa ou qualquer movimento que lutasse contra a "opressão" colonial ou a dominação ocidental não deveria ser descrito como terrorista, e sim considerados "combatentes da liberdade". Foi essa a expressão que o presidente Ronald Reagan utilizou para classificar os "contras" que na década de 80 lutavam, na Nicarágua, contra a Frente Sandinista de Libertação Nacional.

A explanação mais famosa sobre o assunto foi dada por Yasser Arafat, num discurso em novembro de 1974, na Assembléia Geral da ONU: "A diferença entre revolucionário e terrorista está no motivo pelo qual um deles luta. Isso porque quem quer que assuma posição por uma causa justa e batalhe pela liberdade e pela libertação de sua terra do jugo de invasores, assentadores e colonizadores, não pode de modo algum ser chamado de terrorista".

No início dos anos 60 do século passado, o terrorismo passou a ser associado a um tipo de guerra encoberta, pela qual Estados mais fracos podiam confrontar rivais mais poderosos sem o risco de retaliação. Não surpreende, então, que com essas mudanças através dos tempos tenha se tornado mais difícil a construção de uma definição consistente para o termo terrorismo. As organizações terroristas, quase sem exceção, selecionam agora denominações que evitam conscientemente o termo terrorismo em qualquer de suas formas. 

Em vez disso procuram imagens de liberdade e libertação (Frente de Libertação Nacional, Frente Popular para a Libertação da Palestina); de estruturas de exércitos (Organização Militar Nacional, Exército Popular de Libertação); movimentos de autodefesa (Movimento Afrikaner de Resistência, Organização para a Defesa do Povo Livre, Organização Judaica de Defesa); vingança justificada (Organização para os Oprimidos da Terra, Comando dos Justiceiros do Genocídio Armênio, Organização da Vingança Palestina); ou escolhem propositalmente denominações decididamente neutras (Sendero Luminoso, Al-Dawwa, Alfaro Vive, Carajo!, Al-Gamar al-Islamyiia).

Também não há como tratar o terrorismo como sinônimo de guerra de guerrilhas, embora as guerrilhas muitas vezes empreguem as mesmas táticas: assassinatos, seqüestros, explosões em locais públicos, captura de reféns, etc. Além do mais, embora tanto terroristas quanto guerrilheiros não usem uniformes e nem distintivos de identificação e, também, na maior parte das vezes, não sejam distinguíveis dos não-combatentes, não obstante, existem diferenças fundamentais entre guerrilheiros e terroristas.

A guerrilha envolve um grupo numericamente maior de indivíduos armados, que operam à semelhança de uma unidade militar, atacam forças militares inimigas, conquistam e mantêm territórios - mesmo que temporariamente - e, ao mesmo tempo, exercem algum tipo de soberania ou controle sobre uma área geograficamente definida e sobre sua população. Já os terroristas não operam em terreno aberto como unidades armadas, não tentam conquistar ou manter territórios, evitam deliberadamente o engajamento em combates com forças militares inimigas e raramente exercitam qualquer tipo de controle ou soberania sobre territórios e populações.

É importante também diferenciar os terroristas dos criminosos comuns. Estes últimos, como os terroristas, usam a violência com o objetivo de atingir um fim específico. Contudo, embora o ato violento possa ser similar - seqüestro, assassinato, incêndio provocado, por exemplo -, o propósito e a motivação claramente não o são. Quando o criminoso comum utiliza a violência para conseguir dinheiro, apossar-se de bens materiais, matar ou ferir pessoas em troca de pagamento, ele age, primordialmente, impulsionado por motivos pessoais e interesseiros.

Além disso, diferentemente do terrorismo, o ato violento criminoso não objetiva conseqüências ou repercussão psicológica além do ato em si. Ao contrário, o propósito fundamental da violência terrorista é, no final, mudar o "sistema", a respeito do qual o criminoso comum, é óbvio, não tem a mínima preocupação.

Finalmente, deve ser enfatizado que, diferentemente do criminoso vulgar ou do assassino lunático, o terrorista não persegue objetivos puramente egocêntricos, não é induzido pela vontade de satisfazer alguma necessidade financeira ou resolver algum problema pessoal. Ele se julga fundamentalmente um altruísta, pois acredita que serve a uma boa causa, concebida para obter um bem maior para uma comunidade mais ampla, quer real, quer imaginária, que o terrorista ou a sua organização supõem representar. Em comparação, o criminoso comum não serve a causa alguma. Só visa um ganho pessoal.

Devemos admitir, finalmente, que definir terrorismo não é uma tarefa simples. Até mesmo as melhores intenções acadêmicas não resistem à diferenciação do terrorismo em relação ao protesto, à guerra de guerrilhas, à guerrilha urbana, à subversão, à violência criminosa, ao paramilitarismo ou ao banditismo.

Uma razão para o poder do terrorismo como rótulo político, e daí para a controvérsia que suscita, não é apenas a sua utilidade mas também seu apelo simbólico. O terrorismo adquiriu um valor político que pode sobreviver aos fracassos de curto prazo e persistir, malgrado os resultados negativos. Projeta imagens, comunica mensagens e cria mitos que transcendem as circunstâncias históricas e motiva gerações futuras. É fácil ao terrorismo gerar admiração pública pela ousadia e repúdio pela crueldade e, segundo Martha Crenshaw (catedrática para assuntos globais e pensamento democrático da universidade estadunidense de Wesleyan), em Terrorism in Context, ele, inegavelmente, detém uma aura de glamour trágico.

Nesse sentido, deve ser registrado que um dos fatores de força do terrorismo- talvez o principal - é a falta de determinação dos governos para combatê-lo e a carência de prevenção adequada por parte da polícia e dos serviços de Inteligência, o que permite o alastramento das conspirações. Isso ocorre porque, no início, as organizações terroristas são pequenas e clandestinas. Nos Estados liberais modernos, o afã de proteger as liberdades civis, restringe as medidas de segurança.

O terrorismo, no entanto, é um sinal positivo de uma sociedade estável e não um sintoma de fragilidade e colapso iminente. É o recurso de uma elite, quando as chamadas condições objetivas não são revolucionárias.

A matéria acima é um resumo das páginas 18 a 39 do livro Terrorismo, um Retrato, de David J. Whittaker, Biblioteca do Exército, 2005.
27 de setembro de 2014
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário