"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 14 de junho de 2014

NOVAS E FORTES EVIDÊNCIAS DE CORRUPÇÃO NA PETROBRAS

A descoberta de milhões de dólares escondidos na Suíça pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa reforça a certeza de que negócios escusos foram fechados na estatal

Entre o depoimento à CPI chapa-branca da Petrobras, no Senado, do ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa e a sua segunda prisão passaram-se apenas algumas horas. Serviu como mensagem ao governo de que talvez seja em vão todo o esforço para montar a farsa dessa CPI e travar os trabalhos da comissão mista, formada com representantes do Senado e Câmara.

Paulo Roberto teve sua primeira prisão preventiva decretada pela Justiça do Paraná na sequência das investigações da Polícia Federal na Operação Lava-Jato, sobre um esquema bilionário de lavagem de dinheiro comandado pelo doleiro Alberto Youssef. Ao mesmo tempo, estourou o escândalo da compra da refinaria de Pasadena, no Texas, com a declaração pública da presidente Dilma de que, se soubesse de cláusulas do negócio que lhe foram omitidas quando estava à frente do Conselho Administrativo da Petrobras, não o aprovaria.

Com o andamento das investigações e a evolução do noticiário, soube-se que o ex-diretor de Abastecimento fez parte de um comitê na refinaria. Não contribuiu para a imagem de lisura que o governo tentou passar para o negócio, depois da reprovação da compra por Dilma e, mais à frente, pela própria presidente da estatal, Graça Foster.

Tendo a prisão sido relaxada pelo ministro do Supremo Teori Zavaski, Paulo Roberto retorna ao presídio paranaense porque a Suíça descobriu em seu nome, no de parentes e de um funcionário de Youssef, aproximadamente US$ 28 milhões. Não surpreende. Afinal, ao ser preso pela primeira vez, foi encontrado em sua casa, no Rio, mais de R$ 1 milhão em dinheiro vivo.

Relacionar esta dinheirama à atuação de Paulo Roberto Costa na Petrobras é simples. E principalmente à obra da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, na qual o diretor teve participação direta. Resultado da aproximação entre o Brasil lulopetista e a Venezuela chavista, e fruto do relacionamento pessoal entre Lula e Chávez, Abreu e Lima tem pelo menos dois números escandalosos: foi orçada em US$ 1,8 bilhão e já custa US$ 18 bilhões, dez vezes mais. Mais que evidências, o TCU tem provas de superfaturamento no projeto, a única explicação plausível para tamanho estouro de orçamento.

Ao sair da prisão, Paulo Roberto Costa disse à “Folha de S.Paulo”, para justificar a superação das estimativas, que se definiu o projeto numa “conta de padeiro”. Assim, agrediu os milhares de donos de padaria, que não tratam seus negócios como alguns projetos têm sido tocados na estatal.

Ganham importância ainda maior as investigação da PF. É preciso descobrir, com provas, a origem do dinheiro e seu destino. As ligações político-partidárias do ex-diretor estimulam especulações.

Também se reforça a ideia de que o aparelhamento da estatal por esquemas de petistas e aliados tem relação com todos esses desmandos. A Copa do Mundo e o recesso parlamentar não devem conseguir congelar a evolução dos fatos.

 
14 de junho de 2014
Editorial O Globo
Sem consulta ao Congresso, e contrariando o que prega na deliberação, o Executivo determina, à revelia da própria base política, que terá sua gestão orientada também por uma Política Nacional de Participação Social (PNPS) e um Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). São denominações pomposas para uma tentativa de cooptar e empoderar entidades que passariam a ter o direito de interferir nas políticas oficiais.

O decreto foi, compreensivelmente, rejeitado inclusive pelos governistas, porque começa afrontando o Legislativo. Há limites para a participação direta em decisões do setor público, desde que expressem de fato posições da população, e não de grupos políticos.

Iniciativas que subvertam essa premissa devem ser rechaçadas, principalmente se estiverem sob a suspeita de que buscam apenas o fortalecimento de quem está no poder. É compreensível que parlamentares, juristas e analistas políticos tenham manifestado estranhamento com o decreto. Trata-se de um gesto ofensivo ao Congresso, questionável sob o ponto de vista constitucional e politicamente desastroso.

O Brasil não precisa de instrumentos a serviço de partidos e à margem das instituições para que a gestão pública se aperfeiçoe. O Congresso é, pela representatividade do voto, o espaço institucional para a formulação de leis, para a apreciação de iniciativas do governo e para a fiscalização de atos do Executivo. Um decreto não é a melhor forma de defender um ponto de vista com o alegado desejo de fortalecer a diversidade de pontos de vista e os movimentos sociais. Mas a iniciativa é mais do que uma contradição em relação ao que prega. É, desde a forma escolhida, uma atitude autoritária, com um conteúdo também antidemocrático.


Não há exagero na definição do decreto como uma medida de inspiração bolivariana. Incluir, via conselhos, representantes de movimentos sociais nos órgãos diretivos de instituições públicas é menos a busca de qualificação da administração e mais uma forma de controle das decisões pelo que também se prenuncia como ume espécie de sovietização do governo.

São muitos os exemplos latino-americanos de aparelhamento do Estado por amigos de quem eventualmente está no poder, com resultados danosos para o próprio governo, para a economia e para a sociedade. O decreto é mais do que eleitoreiro, é parte de um projeto de longo prazo de partilha do setor público. Rechaçar a iniciativa no Congresso fará bem à democracia.
 
14 de junho de 2014
Editorial Zero Hora

14 de junho de 2014
Editorial O Estadão
A boa vitória do Brasil sobre a Croácia por 3 x 1 no jogo de estreia da Copa pode ser o começo de uma caminhada vitoriosa da famosa Seleção Canarinho rumo ao inédito hexacampeonato mundial de futebol. É o que a maioria dos brasileiros deseja e merece. O Brasil tem a vantagem de jogar em casa, com o apoio de dezenas de milhões de torcedores que mantêm inabalável paixão pelo futebol e, mais ainda, pela Seleção.
Mas que ninguém se engane. O Brasil que vai para os estádios ou acompanha tudo com os olhos pregados na tevê e ouvidos colados no rádio não é mais o mesmo de copas atrás. Nem de longe lembra o país ingênuo e desinformado de 1970. A paixão é a mesma, mas é outra a consciência: o futebol não é tudo e nem mesmo o sonhado título mundial é capaz de amainar o inconformismo com a manutenção de velhas mazelas sociais sempre postergadas.

De fato, a sociedade brasileira é outra. Nos mais de 30 anos de democracia, apesar da escassez de políticos à altura dessa passagem histórica, o Brasil avançou. Se foram mais rápidas e eficientes as conquistas econômicas ,como a estabilização da moeda e a colocação entre as 10 maiores economias do mundo, não foi menos importante o processo de disseminação da informação e de formação de uma consciência cidadã, desconhecida antes do golpe de 1964 e sufocada nos anos de ditadura que a ele se seguiram.

A voz das ruas, que se fez ouvir em junho de 2013, não deixa dúvida de que o paraíso que se pretendeu vender ao povo nos últimos anos não passou de um produto de marketing em que, a não ser os ingênuos de sempre, não se acredita mais. Cegos pela arrogância do poder e pela porosa maioria parlamentar cooptada mediante cargos e verbas, muitos do governo não perceberam que o velho truque do pão e do circo do tempo dos romanos não cola mais no Brasil. Ou seja, sediar a Copa do Mundo é bom, mas não perdoa o abandono da saúde pública, a baixa qualidade da educação, o perigo da falta de segurança e a precariedade das estradas e do transporte coletivo.

Foi por isso que milhares foram às ruas. É por isso que muitos deles estão voltando para investir, não contra a Copa, mas contra os R$ 26,7 bilhões gastos para erguer mais estádios luxuosos do que seria necessário, enquanto as reais demandas da sociedade foram de novo adiadas. A diferença é que, desta vez, isso não ficará impune. E é por isso que, como nunca antes na história das Copas, as autoridades anfitriãs não podem se expor ante a certeza das vaias.

Portanto, mesmo que não levantemos a taça, já temos o que comemorar. Afinal, tamanho amadurecimento é certeza de que vamos expurgar os bárbaros violentos, aprimorar a manifestação pacífica e ordeira e caminhar para mudanças na qualidade da política. Assim como a conquista do hexa impõe a nossos craques superar obstáculos, a construção de uma nação mais justa e menos desigual nos pede esforço e concentração. Temos tudo para vencer as duas batalhas.

14 de junho de 2014
Editorial Correio Braziliense
A CPI ridicularizada

Para blindar a presidente da Petrobras, o petista Marco Maia gastou horas em um interrogatório inócuo



O depoimento da presidente da Petrobras, Graça Foster, à CPI mista que deveria investigar as denúncias envolvendo a estatal e a desastrosa gestão que demoliu o valor de mercado da empresa foi o exemplo acabado de como o PT e a base aliada estão dispostos a melar qualquer possibilidade de conhecer a verdade sobre os bastidores da Petrobras. Na quarta-feira, Graça falou por cerca de oito horas, mas sua presença diante da CPI pouco ou nada ajudou a esclarecer os meandros de negociações desastrosas, como as da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.

A base aliada já tinha garantido que a CPI seria chapa-branca ao deixar à oposição apenas oito cadeiras, em um comissão de 32 membros. Também estão do lado do governo tanto o presidente da CPI, o senador Vital do Rego (PMDB-PB), quanto o relator, deputado Marco Maia (PT-RS). E foi Maia o protagonista do ridículo que caracterizou o depoimento de Graça. Enquanto os demais membros da CPI têm apenas cinco minutos para fazer considerações e perguntas, o relator tem a prerrogativa de fazer quantas questões quiser, pelo tempo que achar necessário. E, na quarta-feira, Maia usou e abusou do privilégio: ele passou de duas a três horas soterrando a presidente da Petrobras com 139 perguntas, todas completamente inofensivas, com o objetivo único de blindar a gestora – e, por tabela, a presidente Dilma Rousseff – e vencer pelo cansaço.

É difícil saber de que modo questões como “quais são as principais diretrizes que orientam a estratégia na política de negócios da Petrobras?”, “a Petrobras está preparada para enfrentar os desafios no setor?”, ou perguntar a data de inauguração da última refinaria construída pela Petrobras, podem ajudar a esclarecer qualquer coisa a respeito dos escândalos que envolvem a estatal. Não foi à toa que parlamentares da oposição, como os paranaenses Alvaro Dias e Fernando Francischini, se manifestaram contra o teatrinho de Maia – Francischini chegou a levar uma “pizza sabor petróleo” à sessão da CPI.

Desperdiçar tempo precioso com um interrogatório de mentirinha parece loucura, mas, como na tragédia shakespeariana, trata-se de uma loucura com método. “Esse é o método de fazer inquirição. Até porque o depoente pode cair em contradição e fazer afirmações que possam ser questionadas”, argumentou Maia, embora o seu método, na verdade, fosse outro: o de representar uma farsa que reduzisse a zero a possibilidade de colocar Graça Foster em apuros. Um método inofensivo para a depoente, mas daninho para o país.

A intenção de transformar as CPIs da Petrobras – tanto a mista quanto a do Senado – em piada não podia ficar mais clara. Apesar de Graça Foster ter admitido a possibilidade de “erros” em relação à Refinaria Abreu e Lima, cujo preço foi às alturas e na qual o Brasil levou um grande calote de Hugo Chávez; e mesmo com outros depoentes dizendo que as cláusulas polêmicas que levaram ao prejuízo da Petrobras em Pasadena eram de conhecimento de toda a diretoria, parece improvável que o trabalho da comissão efetivamente resulte em uma responsabilização daqueles que trataram com leviandade o patrimônio do país.
 
14 de junho de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR
 
14 de junho de 2014
Editorial Folha de SP
“Nunca vi algo assim antes numa CPI”
Fernando Francischini, sobre a estratégia do governo de fazer 8h de perguntas na CPI da BR

PT ACUSA PMDB DE FAZER CORPO MOLE SOBRE ALSTOM

O PT acusa o PMDB de fazer “corpo mole” para instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito que investigaria denúncias de pagamento de propina feito pela Alstom para ser favorecida em licitações no setor metroferroviário nos governos do PSDB em São Paulo e do DEM no DF. Segundo dirigentes petistas, o PMDB – que também é citado nas denúncias – adotou a postura do “quanto menos investigar, melhor”.

NA FILA

O PMDB e o PSDB até agora não indicaram nomes para compor a CPI da Alstom, que aguarda instalação pelo presidente Renan Calheiros.

BRIGA ELEITORAL

O PT trabalha pela criação da CPI da Alstom, que atinge o coração do PSDB, desde que foi criada a CPI mista para investigar a Petrobras.

DE VOLTA

Ex-vice-presidente da Câmara e amigão do doleiro Youssef, André Vargas perdeu a vergonha e já viaja de avião comercial no Paraná.

GREVE E COPA

Professores municipais em greve ocupam, desde dia 10, a Câmara de Goiânia. Prometeram assistir à estreia da Copa e não arredar mais o pé.

‘DEMISSÃO VOLUNTÁRIA’ DEVE FRACASSAR

O plano de demissão voluntária virou piada de corredor, nos Correios. São tantas as exigências, como o mínimo de dez anos de contrato e 50 de idade, e poucos incentivos, de R$ 30 mil a R$ 150 mil, que a maioria não se interessa. Para piorar, não haverá pagamento da multa de 40% do FGTS, pois a demissão é “a pedido”. Só vai aderir ao plano quem realmente não aguenta mais a situação caótica vivida na estatal.

SONHO LONGÍNQUO

O memorando 844 prevê adesão de 7.200 funcionários dos Correios à demissão voluntária, para reduzir a massa salarial e a idade média.

LIMITE

O plano dos Correios prevê gastos de R$ 490 milhões, divididos entre incentivos (R$ 397 milhões) e verbas rescisórias (R$ 93 milhões).

SEM COMPARAÇÃO

Plano da Petrobras teve mais de 8 mil adesões e pagará indenizações entre R$ 180 mil e R$ 600 mil, durante os três anos de desligamentos.

PALHAÇADA

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou a irrelevante instituição do Dia Nacional do Palhaço. Mas a intenção, com certeza, não é homenagear o contribuinte, o otário que banca todo este circo.

PEC NA GAVETA

A PEC 300, que fixa piso salarial nacional para PMs, está engavetada a pedido de governadores que alegam não ter dinheiro para isso. A proposta está na gaveta do presidente da Câmara desde 2011.

SAÚDE PRIVADA

O secretário executivo do Ministério da Previdência, Carlos Gabas, não parece confiar no plano de saúde do governo: ganhou de “brinde” da Confederação Nacional do Comércio (CNC) o caríssimo plano da Amil.

FIASCO

Terminou frustrada a tentativa de greve dos aeroviários do Rio de Janeiro em plena Copa. Além da Justiça ter considerado a ação ilegal, a baixa adesão foi um caminhão de água fria nos planos do sindicato.

MOBILIZAÇÃO
Com a participação da ministra aposentada do STJ Eliana Calmon, candidata ao Senado, o PSB-BA espera mil pessoas na convenção que acontecerá neste sábado (14). Eduardo e Marina Silva também vão.

PAÍS DE PINÓQUIO

O prometido submarino nuclear brasileiro chegará no propalado trem-bala para inaugurar a interminável transposição do São Francisco, protegido por dez caças suecos Gripen, que jamais voaram.

CONTENÇÃO DE GASTOS

Às vésperas do início da Copa no Brasil, o Senado (que vai estar em recesso) cancelou a compra de 57 aparelhos de TV para os gabinetes dos parlamentares. Renan Calheiros não achou a compra boa ideia.

ENTUSIASMO

Num momento de descontração, o administrador da Candangolândia (DF), João Hermeto, enviou mensagens de admiração a José Roberto Arruda (PR). O ex-governador brincou, exibindo-as a amigos: “(o vice-governador do DF, Tadeu) Filippelli não segura os meninos dele!”.

SEXTA-FEIRA, 13

Foi numa sexta-feira, 13, em 2007, monumental vaia ao ex-presidente Lula, no Maracanã. A data é a mesma, mas nesta Copa os políticos não se arriscam.


PODER SEM PUDOR

O FUSCA É O MESMO

Remexendo uns papéis há alguns anos, em 2007, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) encontrou o recorte de uma coluna de Danuza Leão, de 1993, noticiando uma visita de Lula a Brasília, tendo sido recebido no aeroporto por ele, ex-reitor da UnB, que depois o levou a compromissos em seu Fusquinha. O ex-ministro da Educação, que ainda tinha o carro, acha que o ex-operário mudou muito:

- Lula já não aceita carona em fusquinhas...

 
14 de junho de 2014
Claudio Humberto

14 de junho de 2014
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo

Recessão "técnica", vida real e voto

Cresce o risco de que país saiba, um mês antes de votar, que o PIB encolheu por um semestre


AUMENTOU O RISCO de que a economia brasileira encolha no primeiro semestre. As prévias da atividade econômica indicam que se torna mais provável uma baixa da produção no segundo trimestre e uma revisão do crescimento do início do ano.

O resultado do crescimento do PIB da primeira metade do ano será divulgado no dia 29 de agosto, quase um mês antes do primeiro turno da eleição (5 de outubro). Qual pode ser o efeito político de um Pibinho mais do que minguante?

Era razoável imaginar, desde o início do ano, que as desmelhoras econômicas cada vez mais intensas e o efeito acumulado de quase um semestre de tumulto nas ruas tenderiam a se realimentar, o que deveria afetar o prestígio e a votação de Dilma Rousseff.

Foi o que aconteceu. As desmelhoras e primeiro sinais de pioras na economia realimentaram o mau humor social e político, o que ajudou a degradar ainda mais a confiança na economia. A alta da insegurança econômica, bem maior que a deterioração da economia, está associada à baixa da popularidade da presidente e candidata Dilma Rousseff, que voltou a níveis semelhantes ao do colapso provocado por junho de 2013.

Em si mesma, a notícia de encolhimento da economia, do PIB, quase um mês antes da eleição deve ter algum impacto de imagem direto, mas nem tanto assim: o grosso do eleitorado não sabe nem quer saber o que é PIB.

A palavra "recessão" não vai pegar bem, ao menos entre a minoria que acompanha tais coisas. Caso se confirme o encolhimento semestral, muito vai se ouvir a expressão "recessão técnica", o que não quer dizer quase nada (o adjetivo "técnico" parece conferir seriedade a um substantivo, mas não tem lá grande substância além de significar dois trimestres consecutivos de produção econômica menor).

Mais importante é saber quando desse encolhimento será reflexo da deterioração econômica mais perceptível no cotidiano do grosso do eleitorado.

Indicadores antecedentes (prévias indiretas) de pesquisas da FGV passaram a captar um risco de aumento de desemprego (nas grandes cidades, o emprego já não cresce faz uns seis meses; não há desemprego maior, pois menos gente procura trabalho).

A indústria teve um maio ruim e está em regime de férias coletivas (ameaça de demissão, pois). Mas ninguém prevê explosão nem alta relevante do desemprego neste ano.

No entanto, por ora prevê-se também que o PIB do segundo semestre vai compensar parte das perdas do primeiro. Ainda assim, as previsões vão baixando. Na mediana, a centena de previsões privadas do PIB compiladas pelo Banco Central está em 1,4% para o ano (ante 2,5% de 2013) e com cara de baixar.

Ontem, os economistas do Itaú, que não são descabelados, baixaram a deles para 1%, com encolhimento no segundo trimestre.

Na ausência de novidades, a tendência é de o esfriamento se disseminar paulatinamente pela economia "real" (isto é, a da percepção cotidiana), como tem ocorrido desde o final do ano passado, clima mal temperado ainda por notícias pontualmente ruins de recessão "técnica", demissões em setores muito notórios e inflação estourando a meta por alguns meses.
 
14 de junho de 2014
Vinicius Torres Freire, Folha de SP

Hora de reajustar o modelo
Inquieto com as pesquisas eleitorais, o ex-presidente Lula, patrono do atual governo, questionou publicamente o secretário do Tesouro a respeito da razão pela qual o governo aperta o crédito oficial "se a gente não tem inflação de demanda". Arno Augustin não respondeu, mas alguém deveria explicar a Lula que, se a inflação anual de serviços está rodando próxima de 9% ao ano quando a meta oficial é de 4,5%, é óbvio que existe inflação de demanda. Com a variação dos preços administrados próxima de zero, e dados os preços externos e a taxa de câmbio, a inflação só cairá no curto prazo se cortarmos a demanda por serviços. Sem ajuste fiscal, sobram elevação dos juros e contenção do crédito público.

Num prazo mais longo, é preciso criar condições para os investimentos privados em serviços não apenas serem ampliados, como terem como foco maior produtividade, inclusive porque o governo não para de expandir o gasto corrente. O ponto é: além do elevado peso no PIB, por sua natureza o setor de serviços é atendido basicamente pela oferta interna. Assim, se esta não cresce adequadamente, os estímulos de um modelo econômico como o nosso, puxado pelo rápido crescimento do consumo, produzem uma forte pressão sobre os preços de serviços, por conta dos aumentos salariais que são parte do mesmo processo. Não adianta forçar uma baixa artificial, como se fez com os preços administrados, a exemplo da energia elétrica, ou nos quais se interfere fortemente, como os pedágios e as tarifas de ônibus. Quando a hora da verdade chegar, os preços terão de ser realinhados e ocorrerá a velha "inflação corretiva". Ou seja, é preciso ampliar investimentos com redução de custos a médio e a longo prazos.

A princípio, na fase pós-2003, diante do elevado grau de capacidade ociosa existente, foi possível ao ramo industrial, onde os preços da maior parte dos produtos são dados externamente, pagar durante algum tempo os salários mais elevados que se originavam no setor de serviços, sem maiores demissões e outros ajustes.

Como a indústria compete com importados, uma hora tenderia a ceder espaço para a expansão dos demais segmentos, a não ser que conseguisse produzir mais com menos gente, o que não é fácil. Dito de outra forma, a maior demanda pelos majoritários serviços só pode ser atendida mediante ampliação da oferta interna, enquanto na indústria há a opção de importar do exterior. Daí a tendência natural, desde 2004, à apreciação real da taxa de câmbio, mecanismo pelo qual a reorientação setorial da economia se materializa. Trata-se da outra face de um mesmo fenômeno, ou seja, da mudança de preços relativos em favor de serviços e contra a indústria, acentuada posteriormente pelo tsunami de dólares que inundou os mercados brasileiros nos últimos anos. Só assim ingressam mais capitais externos para complementar a combalida poupança interna, corroída pelo modelo pró-consumo.

Até bem pouco a apreciação cambial vinha atenuando as pressões inflacionárias oriundas de serviços, mantendo o crescimento dos preços industriais em reais bem abaixo daqueles. Só que, inconformado com as perdas da indústria, o governo Dilma resolveu compensar seus azares forçando o Banco Central a subir a taxa de câmbio artificialmente em alguns momentos da fase mais recente, causando inflação. Além disso, criou políticas específicas de proteção à produção doméstica, desonerou tributos e ampliou maciçamente o crédito oficial, outra fonte de inflação e ineficiência. Finalmente segurou ainda mais os preços administrados, o que implica, portanto, remar contra a maré natural decorrente do modelo pró-consumo. O pior é que a indústria ficou e continua estagnada há meses, e a taxa de investimento (valor do investimento global dividido pelo PIB) não cresce mais há bastante tempo. Ou seja, em vez de brigar contra a contenção do crédito, Lula deveria dizer a Dilma que o modelo atual está esgotado.
 
14 de junho de 2014
Raul Velloso, O Estado de S.Paulo

A "brincadeira" de Lula com Arno
O governo Dilma fez o menor esforço fiscal em 15 anos
 
Na sexta-feira da semana passada, durante palestra promovida pelo jornal "El País", em Porto Alegre, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez críticas ao secretário do Tesouro, Arno Augustin, que estava na plateia. Lula disse que "se depender do pensamento do Arno você não faz nada". Ele lembrou que os tesoureiros de sindicatos e as donas de casas também são assim. "Eles não querem gastar, só querem guardar, mas tem que gastar um pouco também", afirmou, de acordo com relato dos jornais. O ex-presidente disse ainda não entender porque o governo está "barrando o crédito, se não tem inflação de demanda".

Anteontem, Lula afirmou que tudo não passou de "uma brincadeira" com Arno, pois não tem divergências com o governo. "Eu brinquei com ele e ele nem ficou bravo'", disse, segundo relato da imprensa. Ainda bem que era apenas uma "brincadeira", pois se estivesse falando sério, o presidente estaria cometendo uma grande injustiça. O governo nunca gastou tanto como nos últimos dois anos, quando a política fiscal comandada por Arno pressionou fortemente a demanda agregada da economia.

Ele assumiu a chefia do Tesouro em junho de 2007, ou seja, está lá desde o segundo mandato do ex-presidente. Em seu primeiro ano de governo, a presidente Dilma Rousseff ainda acreditava ser necessário que a política fiscal desse uma ajuda ao Banco Central no combate à inflação. Por isso, o secretário do Tesouro executou uma política contracionista em 2011, quando o superávit primário de todo o setor público ficou em 3,11% do Produto Interno Bruto (PIB) - resultado que não era obtido desde 2008. O resultado fiscal de 2010 precisa ser visto com reserva, pois o governo vendeu petróleo do pré-sal para a Petrobras e, com o dinheiro capitalizou a empresa e utilizou R$ 31,9 bilhões para fazer o superávit primário daquele ano.

No segundo ano de governo Dilma, no entanto, as amarras foram soltas. Em 2012, o governo federal gastou R$ 40,5 bilhões a mais do que no ano anterior, a preços de dezembro de 2013, ou 5% a mais, em termos reais. O governo só cumpriu a meta fiscal prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) porque lançou mão de uma poupança de R$ 12,4 bilhões que estava guardada, desde 2008, no Fundo Soberano do Brasil (FSB). Mesmo assim, o superávit primário do governo central (Tesouro, Previdência Social e Banco Central) ficou em 1,96% do PIB, contra 2,25% do PIB do ano anterior, de acordo com o BC.

Não foram apenas as despesas do governo federal que explodiram. Os gastos dos Estados e municípios também apresentaram expansão considerável. Em grande parte porque Dilma autorizou novos limites de empréstimos para os governos estaduais e prefeituras, com o objetivo de que eles ampliassem os seus investimentos. Com isso, o superávit primário de Estados e municípios caiu para 0,49% do PIB, contra 0,80% do PIB no ano anterior.

Essa estratégia de política fiscal expansionista foi mantida no ano passado, quando o crescimento da despesa total (inclui os benefícios da Previdência Social) foi maior ainda, de R$ 61,5 bilhões, também a preços de dezembro de 2013 (veja tabela abaixo) ou 7,2% a mais, em termos reais. Com isso, o superávit primário do setor público consolidado caiu para 1,9% do PIB - o mais baixo desde 1998, quando teve início o programa de ajuste fiscal brasileiro, negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Por causa dos empréstimos, o superávit primário dos Estados e municípios continuou caindo, tendo ficado em 0,34% do PIB.

O governo Dilma Rousseff foi o que fez o menor esforço fiscal nos últimos 15 anos. Com Arno Augustin no comando das contas pública. Isso não decorreu de queda das receitas. Ao contrário, a receita líquida da União (excluídas as transferências para Estados e municípios) cresceu muito nos últimos anos. Em 2012, ela cresceu 1,75% em termos reais na comparação com o ano anterior. Em 2013, o aumento real foi ainda maior, de 6,2%. O que chama a atenção é que a despesa cresceu em ritmo mais acelerado que a receita e isso só foi possível porque o governo reduziu o superávit primário.

Na gestão Dilma, o Tesouro ampliou consideravelmente os empréstimos ao BNDES, com taxa de juro subsidiada e feitos com emissão de títulos públicos. Em abril deste ano, o estoque desses créditos já estava em R$ 414,7 bilhões ou 8,4% do PIB. Esse volume recorde de recursos foi utilizado pelo BNDES em operações com o setor privado, com taxas de juros negativas, para sustentar o investimento.

Dizer que o secretário Arno Augustin "não gosta de gastar" só pode ser mesmo uma "brincadeira" do ex-presidente Lula. A crítica que se faz ao secretário do Tesouro e à sua equipe é de outra natureza. Ela se refere a uma "contabilidade criativa" usada para alcançar as metas fiscais anuais e, com isso, acomodar gastos tão elevados.
 
14 de junho de 2014
Ribamar Oliveira, Valor Econômico
 
14 de junho de 2014
Celso Ming, O Estadão

Entrando em campo

O Brasil vai entrar em campo. Duplamente: como país-sede, e a seleção no seu primeiro jogo. Em 1950, 91,7% dos brasileiros vivos, hoje, não tinham nascido. Para 185,9 milhões dos 202 milhões, esta é a primeira competição no país. Das copas, cada um mistura suas lembranças. As minhas vão da alegria de sair correndo da escola para ouvir pelo rádio, em casa, à que vi dividida entre o amor ao time e o ódio ao regime militar.

Éramos muitos lá em casa e, em 1962, havia apenas um rádio. Perto dele disputávamos espaço. Eu era do time dos menores, com pouca chance de chegar perto do aparelho e nenhum entendimento dos dribles e jogadas. Mas o “gol do Brasil” eu sabia o que era. Desentendia os que o Brasil levava, porque, afinal, achava que éramos invencíveis. E fomos.

Em 1966, foi uma tristeza melancólica. Como acontecer tal fiasco e justo para inglês ver? Em 1970, foi a divisão radical entre sentimentos polares: torcer pela seleção amada ou rejeitar a propaganda maciça que misturava o regime ao time? Quem viveu aquela partição não se esquece. Hoje, sabemos que a tortura aumentava nas prisões em dias de jogos. A sensação que tenho até hoje é que quando saí, num fusquinha conversível, de um amigo alemão, para comemorar na Afonso Pena, em Belo Horizonte, eu vibrava e chorava na mesma intensidade. Eram os dois sentimentos presentes. Eu odiava aquele governo e amava aquela seleção. Como não amar?

A democracia garante a separação entre seleção e governo. Isso é civilizatório como a separação entre Igreja e Estado. Todos os desgostosos com qualquer coisa não precisam torcer hoje pela Croácia, mas, como é democracia, cada um é livre para fazer o que quiser. Ninguém dirá “ame-o ou deixe-o”. Que alívio.

Como demorou, depois de 1970, para erguemos novamente a taça! No caminho houve tristezas mais dolorosas que outras. Em 1982, meu filho Matheus não aceitou o resultado do jogo Brasil x Itália, e, numa demonstração precoce do amor que ainda tem pelo futebol, continuou a narração do jogo. Na sua versão, o Brasil marcava mais três gols contra a Azurra, depois do apito final. Até hoje prefiro aversão do Matheus para aquele jogo que terminava em 5, para nós, e 3, para a turma de Paolo Rossi.

Em 1994, o país estava vivendo vastas emoções. O luto por Ayrton Senna, a esperança numa nova moeda, a segunda eleição presidencial da democracia; a primeira terminara em impeachment. Tempo de definições e escolhas. Taffarel foi na bola. Era dele.

Em 2002, ao final do último jogo, eu quis escrever sobre a Copa. Era domingo, não tenho coluna às segundas. Liguei para Luiz Paulo Horta. Saudade daquele dia e do amigo querido. Disse que queria escrever sobre futebol. Luiz Paulo era de aceitar o inesperado com alegria juvenil. E, assim, me deixou sair do campo econômico e me escalou para o time dos articulistas que escreveriam sobre a inebriante vitória sobre a Alemanha. “E o título, Miriam?” Fiz uma escolha musical: Tão bonita manhã.

E assim chegamos no ano da graça de 2014. A Copa será aqui e há muita gente brava com os atrasos, os gastos, as escolhas dos governantes. Com a inflação alta, o baixo crescimento, o trânsito. As promessas não cumpridas. Difícil dizer que os descontentes não têm razão. Mas, hoje, vou vestir a camisa que meu filho Vladimir me deu e torcer com meus netos. Pela festa e pelo time. Para o exoesqueleto e os nossos jogadores. Ficarei ao lado da menina que saía da escola em disparada, subia voando a Rua João Pinheiro, cruzava a Rua Princesa Isabel até o número 100 e, uniformizada, entrava em campo sonhando com a vitória.

14 de junho de 2014
Miriam Leitão, O Globo
A Copa do Mundo de futebol começa hoje em São Paulo sem que dois personagens centrais de sua organização possam sequer aparecer no telão do Itaquerão, ou terem suas presenças no estádio anunciadas, justamente os que pensavam em retirar do evento dividendos políticos, cada qual à sua maneira: a presidente Dilma, candidata petista à reeleição, e o presidente da Fifa, Joseph Blatter, também almejando mais uma recondução ao cargo.

Outro grande ausente da cerimônia de abertura será o ex-presidente Lula, responsável pela construção do novo estádio e torcedor fanático de futebol, mas sem condições de se expor ao público sem correr o risco de uma vaia. Aliás, é de se notar que nenhum candidato à Presidência da República pretende dar as caras no estádio.

Situação distinta da que passou o então governador de Alagoas, Fernando Collor, que escolheu o desfile de escolas de samba de 1988 para testar sua popularidade, e foi amplamente vitorioso na ocasião, pavimentando o caminho para sua eleição à Presidência da República no ano seguinte.

Aconselhados pela vaia que levaram na abertura da Copa das Confederações, Blatter e Dilma preferiram o anonimato, ambos utilizando-se de cerimônias em recinto fechado para fazerem seus pronunciamentos oficiais. A presidente Dilma usou a prerrogativa do cargo para se defender das críticas em cadeia nacional de televisão, sem possibilidade de reação da plateia.

Blatter enfrentou a oposição europeia à sua permanência no cargo ao comandar a cerimônia oficial da assembleia da Fifa, e não contou com a solidariedade da presidente Dilma, que pretextou uma providencial gripe para não comparecer à reunião como prometera a ele.

O fato é que as acusações de corrupção contra a direção da Fifa vêm aumentando de tom à medida que se descobrem indícios fortes de que a escolha do Qatar para sede da Copa de 2022 teve interferências indevidas e subornos dos delegados. O que deveria ser a apoteose do projeto iniciado há sete anos, quando a Fifa escolheu o país do futebol para sediar a Copa do Mundo, transformou-se em um pesadelo para o governo e para a Fifa, e mostrou que o povo brasileiro não é exatamente o que pensavam que era: acrítico diante da possibilidade de ver os principais craques do mundo da bola ao vivo em suntuosos estádios.

A confirmação da intenção eleitoreira do governo brasileiro está na escolha de 12 sedes para a Copa, em vez das tradicionais oito. E na tentativa, revelada recentemente, de termos nada menos que 17 sedes, para que a miríade de partidos da coalizão governamental pudesse tirar proveito político do campeonato.

O povo brasileiro vai dando um exemplo de como é possível separar o joio do trigo sem perder a naturalidade.

Adora futebol, está apoiando a seleção brasileira, mas não está com ânimo de esquecer seus problemas apenas por causa do futebol.

Fora os vândalos, que se perderam na ameaça de "não vai ter Copa", e os aproveitadores sindicais, que se utilizam do momento para chamarem a atenção para suas reivindicações sem pensar no coletivo, não há quem não saiba separar os jogos das jogadas políticas como a da presidente Dilma - que utilizou um instrumento de comunicação do Estado para defender seu governo das críticas, como se a maioria que vê abusos e desarranjos na organização da Copa possa ser classificada apenas de "pessimistas".

A tentativa de "transformar em motivo de orgulho nacional obras inacabadas, gastos superfaturados e a absoluta falta de capacidade de gestão deste governo", como disse em nota oficial o PSDB, deve ter se transformado em um tiro no próprio pé, pois é difícil acreditar que a "bronca" da presidente nos "pessimistas" os faça mudar de opinião.

Da mesma maneira que Joseph Blatter tentou calar as vaias no estádio de Brasília na Copa das Confederações dando uma lição de educação aos torcedores, a presidente na noite de terça-feira tentou convencer a população de que não há motivos para desencantos.

Não entenderam até agora que, em vez do folclórico e dócil povo brasileiro que se encantaria com a magia da Copa do Mundo, há uma sociedade inquieta em busca de um futuro que não se resuma a pão e circo.
 
14 de junho de 2014
Merval Pereira, O Globo
 
14 de junho de 2014
Dora Kramer, O Estadão

Governo apaga uma má ideia e copia uma boa

O governo federal anunciou, com a retumbância com que habitualmente se apropria do que não lhe pertence, a regulamentação da Lei Antifumo. Nunca foi tão verdadeira a frase segundo a qual as gestões petistas têm ideias boas e novas. Só que as novas não são boas e as boas não são novas. A proibição da publicidade (enganosa) de cigarros foi feita há 14 anos, no governo FHC, ao lado da proibição do fumo em aviões e de alertas sobre os perigos para a saúde estampados nos maços do produto.

Mais ainda, no Estado de São Paulo, há muitos anos enviei à Assembleia Legislativa um projeto banindo o fumo dos locais fechados de uso coletivo, públicos ou privados, e proibindo os famigerados "fumódromos".

Na vida pública travamos certas batalhas que são apenas necessárias porque constituintes mesmo da tarefa: organizar a administração, dinamizar a burocracia, lidar com a escassez de recursos em face de demandas sempre crescentes, encurtar as atividade-meio para que a gestão possa dedicar-se a seus fins. E há as batalhas volitivas, que são escolhas, as quis têm o potencial de mudar para sempre a realidade, instituindo-se, então, uma nova cultura. Na minha trajetória política, orgulho-me, em particular, de três opções - contrariando, muitas vezes, algumas vozes até sensatas, movidas pela prudência, que me alertaram de que poderia estava mexendo em vespeiro. E estava mesmo.

A estruturação de uma política nacional de combate à aids custou-me, sim, muitas dores de cabeça. A quase unanimidade das pessoas reconhecia que era preciso dar uma resposta de Estado à epidemia, mas havia um grande mal-estar porque a campanha educativa sobre o assunto mexia com certos tabus comportamentais envolvendo a sexualidade. Passados tantos anos, não nos damos conta das barreiras que foram quebradas.

A distribuição gratuita de remédio para as pessoas contaminadas também se afigurava custosa e complicada, de logística difícil. Mas insistimos. E o País teve reconhecido pela ONU seu papel de vanguarda na luta contra esse terrível mal. Em razão dos preços exorbitantes dos medicamentos contra a aids, protegidos por patentes, que tornavam inviável nosso programa, intimamos os fornecedores: ou reduziam os preços ou imporíamos a licença compulsória para sua fabricação. Ganhamos essa batalha aqui, em nosso país, e na Organização Mundial do Comércio, que, por nossa iniciativa, aprovou o direito de o Brasil e outros países em desenvolvimento adotarem tal medida.

Outra luta difícil foi a implementação dos medicamentos genéricos. Uma leitura torta - que nem direi "fundamentalista" porque, parece-me, era mais burra que de princípio - via na sua produção uma afronta à Lei de Patentes, apesar de os genéricos serem clones mais baratos de medicamentos com patentes vencidas. Desde o começo do bom combate deixei claro que não se tratava de opor uma suposta luta humanista a dogmas de mercado. Era essa uma falsa oposição. E se era de lei de mercado que se falava, o que vi foi o florescimento da indústria farmacêutica no País.

Nos governos petistas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi loteada entre partidos e facções de partidos, voltando-se à prática de criar dificuldades para vender facilidades. Quando deixamos o Ministério da Saúde, um remédio genérico era aprovado em quatro ou cinco meses. No governo petista chega-se, em média, a 30!

A terceira escolha que nem sempre me rendeu simpatias e da qual poderia ter declinado foi o combate ao cigarro. Erra feio quem imagina que decidi transformar em política pública uma intolerância pessoal. Era preciso dar início a um trabalho de educação que implicasse a redução da aceitação social do cigarro, desestimulasse os jovens a experimentá-lo, dificultasse o acesso ao produto, rompesse a bolha de glamourização de uma prática nefasta e preservasse a saúde dos fumantes passivos.

A Lei Federal 10.167, de dezembro de 2000, baniu a propaganda de cigarro de TVs, rádios, jornais e eventos esportivos. A pressão foi gigantesca. Se a questão dos genéricos mexia com um dogma, a proibição da propaganda de cigarro tocava em outro: muitos chegaram a ver uma agressão explícita a direitos individuais, como se estivéssemos tentando fazer escolhas em lugar dos cidadãos. Em fevereiro de 2002 os maços de cigarro passaram a ostentar fotos que alertam para os males do tabaco.

Compreendo, sim, as críticas de que não há Estado autoritário o bastante que proíba o suicídio - afinal, as pessoas podem alegar que têm o direito de se matar. É verdade. Mas também desconheço Estado que seja tão liberal a ponto de permitir que se crie e institua uma verdadeira indústria da morte. Há documentos em penca demonstrando que a indústria tabagista, em passado nem tão distante, se concentrava na conquista da adesão dos jovens - os adultos são clientes cativos, pois dificilmente conseguem largar o vício. E o caminho era exatamente a propaganda enganosa, ligando o cigarro à beleza, à vida saudável e à virilidade. Chegou-se mesmo a estampar no produto advertência como "consuma com moderação", sugerindo que pudesse haver níveis seguros de consumo de tabaco.

Diga-se que o sucesso das medidas antitabagistas foi espetacular: o consumo per capita de cigarros no Brasil caiu cerca de 33% entre a década de 1990 e a passada. Só entre 2006 e 2012 o número de fumantes caiu 20%. Hoje, 87% dos fumantes dizem que se arrependeram de ter adquirido o hábito!

A lei federal que vai entrar em vigor em seis meses há muito está em curso no Brasil; uma parte dela, em São Paulo e alguns outros Estados. Não é nova, mas é boa. Aliás, quando o petismo se limita a repetir experiências bem-sucedidas, deve ser aplaudido. O problema é que essa turma prefere errar sempre de modo muito original - a total falta de iniciativa nessa área há 11 anos e a demora em regulamentar a lei, aprovada há dois anos, são parte desses erros.

De todo modo, cabe-me dar boas-vindas aos neoantitabagistas. Aplaudo o PT quando apaga uma má ideia e copia uma boa.
 
14 de junho de 2014
José Serra, O Estado de S.Paulo

Brasil mostra a sua cara. Está feia

O orgulho 'patrioteiro' com que foi recebida a indicação à Copa transforma-se em uma razoável dor de cabeça


No dia de 2007 em que o Brasil foi oficialmente escolhido para sediar a Copa do Mundo, a comitiva brasileira exalava orgulho patriótico por todos os poros, sob o comando de um certo Luiz Inácio Lula da Silva.

Era tanto "patrioteirismo" que, no discurso em que comemorou a designação, Lula tirou o terno de presidente e vestiu o verde e amarelo de torcedor fanático, com direito a uma cutucada no presidente da Associação de Futebol Argentino, Julio Grondona, sentado nas primeiras fileiras do auditório: "O Brasil orgulhosamente organizará uma Copa do Mundo pra argentino nenhum colocar defeito".

O ambiente de exaltação patriótica (coisa que me horroriza sempre) era explicável: a escolha para agasalhar a Copa era a grande chance de o Brasil mostrar a sua cara. Era um Brasil que estava na moda no mundo e parecia destinado a uma escalada definitiva rumo ao topo do planeta, o que, de resto, a revista "The Economist" sacramentaria com sua famosa capa de 2009 em que o Cristo Redentor do Rio virava foguete em plena decolagem.

Outro parêntesis: se tivesse algum parentesco com o Taleban, a "Economist" teria queimado os exemplares com aquela capa.

Sete anos depois, no entanto, não são apenas (nem principalmente) os argentinos que estão botando um e mil defeitos no país da Copa.

São alguns brasileiros como Marcello Serpa, sócio da agência de publicidade AlmapBBDO, para quem a Copa trouxe um holofote para as deficiências de infraestrutura e para a desigualdade social no país, a ponto de acentuar o mau humor e de prejudicar a marca Brasil, como afirmou durante evento promovido por esta Folhana terça-feira (10).

São também estrangeiros dos mais diferentes quadrantes, como Shannon Sims, que fez pesquisas no Brasil durante dois anos para o Instituto para Assuntos Mundiais Atuais: "Organizar o maior evento esportivo do mundo era, supunha-se, uma oportunidade para o Brasil demonstrar sua organização, desenvolvimento e competência. Mas, com corrupção abundante, infraestrutura cambaleante e constantes crimes nas ruas, muitos brasileiros sentem que essa oportunidade oferece mais coisas más que boas".

Sims compara o Brasil que aguarda a Copa com um estudante que espera uma prova para a qual não se preparou.

De todo modo, vai ter Copa, ao contrário do que se cantava no ano passado e em alguns momentos deste ano, mas não será a Copa das Copas, como pretende a propaganda.

Afinal, se um dos jornalistas escalados para a Copa, caso de Brian Winter (da agência de notícias Reuters), sofre por cinco horas e vinte minutos para sair do aeroporto de Cumbica e chegar ao seu hotel, não dá para ser a Copa das Copas.

A questão seguinte, proposta por José Sámano (do jornal espanhol "El País"), um dos melhores jornalistas esportivos da Espanha, é se, "com tantos problemas de fundo, convém medir se, nestes tempos, a bola ainda servirá como sedativo ou, ao contrário, chegou a hora de revisar profundamente o modelo".

Respostas a partir de hoje, com o veredito final em outubro.
 
14 de junho de 2014
Clóvis Rossi, Folha de SP

"Tire o seu sorriso

do caminho, que eu quero

passar com a minha dor"
Guilherme de Brito

Alguém bem que poderia avisar ao governo federal que país rico é país sem miséria da informação e sem pobreza vocabular. O resto é paliativo. É pobreza de espírito. O resto é demagogia.

Na sexta-feira passada a presidente da República, Dilma Rousseff, enunciou o seu juízo acerca da antipatia com que muitos brasileiros vêm recebendo o torneio internacional de futebol que começa hoje em São Paulo, com uma partida entre o time de atletas de nacionalidade brasileira e o time dos croatas. Na opinião da mais alta autoridade do País, estaria em marcha uma "campanha sistemática contra a Copa", que, na verdade, teria alvos nem tão desportivos assim. Na sua oratória inconfundível, a presidente exprimiu seu pensamento sobre a tal "campanha": "Mas ela, de fato, não é contra a Copa do Mundo, é uma campanha sistemática contra nós".

Tais vocábulos assim justapostos nos autorizam a deduzir que, à sombra do presidencial raciocínio, quem não se fantasia de Bandeira Nacional dando pinotes e berros no meio da rua faz oposição ao Palácio do Planalto. Isso numa interpretação otimista: a de que o pronome "nós" queira dizer "nós, o governo". Aos olhos da chefe de Estado, todo aquele que vê algo de ridículo e de ostentatório no circo das obras tão faraônicas quanto inacabadas é um adversário não do técnico Felipão, não da CBF, não da Fifa, mas desse "nós" aí que, por boa-fé, presumimos tratar-se dos que agora se acham instalados nos cargos do Poder Executivo federal. Quem não gosta de ver os garotos correndo nos instáveis gramados dos estádios bilionários comete a heresia de confundir futebol com política. Onde já se viu? "Nem na ditadura nós confundíamos Copa com política", explanou pacientemente a candidata à reeleição. "Estava eu lá presa no Tiradentes e começou a Copa. Ninguém torceu contra o Brasil" (Estado, edição de sábado, página A4).

Pelo tom da fala, não é difícil observar que a mandatária se mostra indignada. Se nem na ditadura os presos políticos tiveram a desfaçatez de torcer contra o Brasil, como é que, agora, esses abusados ousam não se deleitar com cabeceadas em plena grama, quer dizer, em plena democracia? Que história é essa? Só pode ser mesmo coisa de gente conspiratória querendo derrubar o governo, conclui a presidente. Cidadão que é cidadão torce diligentemente para o time da CBF - time ao qual vulgarmente se chama de "o Brasil". Brasileiro que é brasileiro, sempre de acordo com a lógica do Planalto, não confunde Copa com política.

Parece não ocorrer à inteligência presidencial a hipótese de que, com a máxima vênia, talvez quem mistura Copa com futebol não sejam os que hoje não se empolgam com esses supostos "canarinhos" que descem do ônibus com o fone de ouvido no pescoço e um boné de trás para a frente, mas justamente ela mesma. É ela, a presidente, quem vê intenções eleitorais (políticas, portanto) nos que não aderem à futebolística torcida varonil. Portanto, quem embola as duas coisas é ela.

Há dois dias, a torcedora-mor foi ainda mais longe em vilanizar os que desprezam a Copa. Num discurso que recitou em cadeia nacional de rádio e TV, permitiu-se proclamar o seguinte: "Treino é treino e jogo é jogo. No jogo, que começa agora, os pessimistas já entram perdendo. Foram derrotados pela capacidade de trabalho e a determinação do povo brasileiro, que não desiste nunca".

Haja autoridade.

Sigamos um pouco mais com a hermenêutica da política futebolizante da chefe de Estado. Para ela, os "pessimistas", os tais que "já entram perdendo", foram "derrotados" pelo "povo brasileiro". Logo, a seu juízo, os pessimistas não pertencem à categoria assim designada "povo brasileiro". Não apenas não pertencem a essa categoria, como são inimigos dela e por ela foram exemplarmente derrotados. Em suma, os "pessimistas" não são brasileiros, na visão da presidente da República. Ninguém neste solo tem direito ao pessimismo. Quem incorrer no crime do pessimismo contra a Copa (ou "contra nós", como ela diz) será devidamente varrido e derrotado pelo "povo brasileiro, que não desiste nunca". (Não nos espantemos se, no frêmito de portarias que vem marcando a temporada da bola solta, em mais de um sentido, o governo encaminhar ao Congresso um projeto de emenda constitucional mudando o nome do país para República Otimista do Brasil. Os "pessimistas" serão automaticamente exilados.)

Aliás, do que mesmo não desistem nunca os "brasileiros"? De obedecer? De dizer amém aos que mandam? De dizer amém e agradecer? Talvez. Em seu discurso em cadeia, Dilma Rousseff deu motivos para que a torcida nacional dedique sua melhor gratidão ao governo federal. Eis o que ela anunciou: "Reduzimos a desigualdade em níveis impressionantes, levando, em uma década, 42 milhões de pessoas à classe média". É como se dissesse: "Brasileiros, não desistam nunca de agradecer".

Aqui chegamos ao ápice do ufanismo do "país sem pobreza". Note bem o improvável leitor: o "nós", o mesmo "nós" contra o qual se levantam os ingratos que não aderem ao futebolístico sorriso oficial, é sujeito dessa oração deveras impressionante, que anuncia a também "impressionante" redução da desigualdade. Nessa sintaxe, o povo entra como objeto direto, nunca, jamais como sujeito. Nenhum brasileiro, nem mesmo os que "não desistem nunca", alcançou o paraíso da "classe média" - seja lá o que isso for - por seus méritos próprios. Os 42 milhões de pessoas que lá chegaram foram "levados" pelas mãos gentis do governo. Foram transportados, como carga na carroceria de caminhões, na viagem que os conduziu de um ponto a outro, bem ali pertinho, na planilha dos tecnocratas do bem, na viagem estatística que os tirou da penúria para instalá-los na bonança - a bonança da Copa do Mundo.

Fala verdade: e ainda querem torcer contra?
 
14 de junho de 2014
Eugênio Bucci, O Estado de S.Paulo

Tristes espetáculos

BRASÍLIA - Bem que nós, brasileiros, poderíamos passar sem os tristes espetáculos do Senado da República e do Supremo Tribunal Federal bem na semana da Copa.

Na terça (10), o cinismo do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa ao depor na CPI de mentirinha, com o beneplácito de um punhado de senadores governistas.

Entre outras barbaridades, ele disse: 1) os R$ 762 mil em dinheiro vivo encontrados pela polícia na sua casa eram para "pagamento de consultorias"; 2) os US$ 180 mil (R$ 400 mil) eram só "por garantia"; 3) sua filha e seu genro não foram à sua casa para sumir com papéis comprometedores, mas para reunir documentos de suas próprias empresas.

Acredite quem quiser, e não é que os senadores governistas acreditaram?! Não dá para entender. Por que a base aliada ao Planalto tem de proteger um réu que foi preso sob suspeita de desviar recursos da minha, sua, nossa Petrobras? O que Paulo Roberto tem a ver com o governo?

Segundo o líder do PT, Humberto Costa, o depoimento dele foi "satisfatório". Para quem, cara pálida? Menos de 24 horas depois veio a notícia de que a Suíça bloqueou a bagatela de US$ 23 milhões (R$ 51,3 milhões) que seriam do mesmo Paulo Roberto.

Seriam para "pagamento de consultorias"? Ou só "por garantia"? Ele reuniu tudo isso com o suor do próprio rosto, ou com o petróleo da Petrobras e com o suor da nação?

O fato é que Paulo Roberto Costa, preso em 17 de março, foi solto pelo ministro do STF Teori Zavascki dois meses depois e voltou para a cadeia nesta quarta (11), um dia depois de fazer os senadores parecerem bobos e o Senado, uma Casa pouco séria.

O Judiciário não ficou atrás. Enquanto o ex-diretor da Petrobras voltava para a cadeia, o já quase ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa, aos gritos, expulsava o advogado de Genoino da corte. Inacreditável.

Por favor, Felipão, Neymar, Hulk, Fred e Júlio César, mostrem ao mundo um espetáculo bem melhor.
 
14 de junho de 2014
Eliane Cantanhede, Folha de SP

Já se foi o tempo em que a vitória ou derrota da seleção era vivenciada como derrota ou vitória de projetos de nação brasileira

Um espectro parece rondar o país: o silêncio em relação à Copa. Qual a razão deste silêncio? Por que os brasileiros não parecem motivados com o evento? Por que as ruas não estão enfeitadas como em outros Mundiais?

Primeiro, temos que entender que já se foi o tempo em que a vitória ou derrota da seleção em Copa era vivenciada como derrota ou vitória de projetos de nação brasileira, como ocorreu em 1950 e 1970, por exemplo. Isto é positivo e pode ser entendido como o resultado da consolidação da democracia e de uma maior organização da sociedade civil. Os resultados da seleção em Copas do Mundo não mais transcendem o universo esportivo. Hoje, ficamos tristes quando perdemos e celebramos quando vencemos, mas sabemos que o país não vai ficar pior, ou melhor, por conta disso.

Segundo, se refletirmos um pouco, observaremos que o interesse do brasileiro pela seleção vem declinando nas últimas décadas. Não é de agora. Por conta de uma série de fatores como a globalização, o declínio dos estados-nações no mundo, o êxodo dos nossos melhores jogadores para a Europa e, com isso, a desterritorialização do ídolo, a pátria de chuteiras já não contém mais o mesmo sentido que tinha na época em que o dramaturgo e cronista esportivo Nelson Rodrigues dessa forma alcunhou nossa seleção. O torcedor de hoje torce mais para seu time de coração do que para a seleção. A vitória do seu time no Brasileirão tende a ser mais importante e celebrada do que uma conquista de Copa pela seleção. Isto pode ser bom ou ruim, dependendo do ponto de vista e de onde se esteja analisando. Pode ser ruim para a Fifa, mas pode ser bom para os campeonatos locais.

Terceiro, algo ocorreu durante a Copa das Confederações que está afetando este momento. As diversas manifestações que tomaram as ruas do país demonstraram a insatisfação da população com a política do país e resultaram, de imediato, na prisão de um deputado, na transformação da corrupção em crime hediondo e na retirada de uma proposta de emenda constitucional — a PEC 37 —, que ficou conhecida, justa ou injustamente, como a PEC da impunidade.


Além disso, elas geraram também alguns questionamentos sobre a relação do brasileiro com a seleção e a política. Um deles dava a entender que quem gosta de futebol e torce pela seleção seria um alienado político, um sujeito contra as manifestações. Ora, este é um raciocínio frágil, simplista e maniqueísta, que não se sustenta após uma análise mais criteriosa. Uma coisa não exclui a outra. Pode-se gostar de futebol e também da seleção e ainda assim protestar democraticamente contra a corrupção, o excesso de gastos públicos com a organização da Copa e coisas do gênero.

No entanto, este raciocínio parece ter inibido uma maioria que não se percebe como tal e, portanto, se sente envergonhada de externar seu interesse pela seleção e pela Copa no país. O sujeito quer dar um basta na corrupção, critica os excessos de gastos para a construção de estádios, reclama da situação da saúde e da educação pública no país, mas ao mesmo tempo quer torcer pela seleção e colocar a bandeira do Brasil na janela. Não o faz porque receia a crítica do vizinho.

No momento em que a maioria silenciosa se perceber como maioria, o entusiasmo deve voltar. Apesar de que não será mais com o ufanismo de antigamente. Neste sentido, o Brasil mudou, e para melhor. Os quase 30 anos de regime democrático proporcionaram certo amadurecimento político da população. A seleção ainda pode ser vista como a pátria de chuteiras em períodos de Copa do Mundo, mas o sentido simbólico deste epíteto não tem mais a força que tinha no passado.
 
14 de junho de 2014
Ronaldo Helal, O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário