"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 2 de novembro de 2013

"NONSENSE"

Dilma Rousseff estava especialmente inspirada em 12 de outubro, na solenidade sobre mobilidade urbana em Porto Alegre. Fez curiosa análise sociológica do País.
 
 
Iniciou sua fala referindo à "visão dominante" sobre ser o metrô "coisa de país rico"; assim, por nos "sentirmos pobres", apenas investíamos em corredor de ônibus. Passou, então, a fazer digressão motivada por Nelson Rodrigues. "O Nelson Rodrigues seria um gênio se tivesse escrito em inglês. Agora, ele é um gênio para nós que falamos a língua portuguesa, o brasileiro, como eles dizem que a gente fala, no exterior. Porque falam assim: o brasileiro eu entendo, o português de Portugal eu não entendo, não. Então, nós que falamos e escrevemos em português, nós temos de saber que tem uma descrição sobre Copa do Mundo, do Nelson Rodrigues, que é brilhante: o complexo de vira-lata. O complexo de vira-lata que atingia o nosso país, quando a gente estava prestes a ganhar a Copa, uma porção de especialistas em futebol dizia que a gente ia perder. Esse é o complexo de vira-lata." Em face desse complexo, conclui nossa presidente, em estupenda forma lógica: "E naquela época não aceitaram que tinha de fazer metrô".
 
Se não bastasse esse nonsense, abalançou-se a fazer considerações sobre o Dia da Criança. A seu ver, não apenas da criança, pois "é dia da mãe, do pai e das professoras, mas também é o dia dos animais. Sempre que você olha uma criança, há sempre uma figura oculta, que é um cachorro atrás, o que é algo muito importante". Havia, portanto, um fio condutor na mente da presidente: da falta de metrô ao vira-latas de Nelson Rodrigues e deste ao cachorro oculto por detrás de cada criança, o que é, como salientou, "algo muito importante".
 
Mas, para ser justo, não foi apenas o Poder Executivo atingido pela onda de nonsense. O Poder Judiciário também o foi. Alguns alunos da USP decidiram que deveria o alunado determinar os destinos da universidade, não bastando ter representação no Conselho Universitário e indicar a este qual a preferência dos estudantes ante os candidatos a reitor. Impedidos de entrar em reunião do Conselho Universitário, alunos com notável "civilidade" invadiram o prédio da Reitoria, para com porretes quebrarem portas e dependências do prédio público. A USP, diante do ilícito manifesto, recorreu ao Judiciário solicitando reintegração de posse. Qual não foi a surpresa ao ver o juiz interpretar o legítimo direito de recorrer a ele, magistrado, como um ato de autoritarismo, por se pretender retirar à força (legítima, da lei) quem à força (ilegítima) invadira um próprio público e o estava a destruir.
 
O juiz abdicou de suas funções para fazer discurso ideológico, com digressões de ordem política, ao considerar que o reitor se recusou a "iniciar um debate democrático a respeito de diversos temas sensíveis à melhoria da qualidade da universidade" (eleição direta do reitor). Entendeu ser "de pequena monta" a depredação do patrimônio público, porque seria "próprio da luta social, para ter pressão, causar transtorno e alteração da normalidade".
 
Ao legitimar a violência dos invasores, em discurso anacrônico, na data em que se comemoravam 25 anos da Constituição Cidadã, considerou o juiz que a imprensa e a sociedade teriam sido "amalgamadas, por longos anos, na tradição de um pensamento autoritário". Foi além o magistrado, pois, a seu ver, a desocupação da Reitoria, com o uso da tropa de choque, ratificaria mais uma vez "a tradição marcadamente autoritária da sociedade brasileira e de suas instituições, que, não reconhecendo conflitos sociais, ao invés de resolvê-los pelo debate democrático, lançam mão da repressão".
 
Com esse discurso panfletário o juiz negou jurisdição, impedindo a aplicação da lei. Admitiu que a ordem de desocupação - evidentemente, a ser notificada por oficial de Justiça - seria desrespeitada, devendo recorrer à força policial. Presenteou, então, os invasores com a proposta de uma audiência de conciliação na qual o poder público deveria, sob a pressão de estar com sua sede tomada à força, ceder às pretensões de entregar a universidade aos estudantes e transformar os professores em seus subordinados.
 
Coerente foi o juiz em sua posição favorável ao assembleísmo e à proteção da "democrática" pressão por mudanças com recurso à violência. Incoerente, no entanto, foi a posição do desembargador ao apreciar o recurso da universidade, porque entendeu que "os ocupantes devem sair", mas não imediatamente, "pois provisoriamente a reitoria pode funcionar em outro local", razão pela qual fixou um prazo de 60 dias para o fazerem.
 
Contraditoriamente, reconheceu a ilicitude da ação dos ocupantes, porém legitimou a manutenção da situação ilegal e danosa por 60 dias, indiferente ao transtorno causado à administração e ao bem público. Por que o prazo de 60 dias para voltarem à legalidade? O Judiciário mostra medo de impor a lei, cuja eficácia não depende de ação da tropa de choque, a não ser excepcionalmente. Deu-se autorização judicial à violência dos alunos e se negou direito certo da universidade. No Natal os invasores devem caminhar para suas casas à espera do Papai Noel e em seguida gozar merecidas férias de verão.
 
No Dia do Professor, mestres, que devem ensinar o respeito à lei, deram apoio incondicional aos black blocs, mascarados cuja única forma de agir é a violência, posta como um fim em si mesmo. Como conciliar a posição de educadores da juventude com a passeata ao lado desses depredadores?
 
Para um desmemoriado Lula, José Sarney não levantou um único dedo para criar dificuldades aos trabalhos da Constituinte, quando é consabido ter conspirado continuamente contra a Assembleia Constituinte, para no final manobrar de todas as formas por cinco anos de mandato.
 
É, o nonsense tomou conta do País.

02 de novembro de 2013
Miguel Reale Júnior, O Estado de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário