O debate acadêmico sobre polarização está polarizado. Há duas explicações rivais.
A primeira sustenta que ela ocorre apenas na elite política, e não no eleitorado. Seu ponto de partida são as evidências que a diferença de preferências no eleitorado entre republicanos e democratas em relação às questões da política pública permanece inalterada, mas a mesma diferença entre congressistas revela um fosso partidário crescente.
Seth Hill chegou a essa conclusão usando uma base de dados com todas a pesquisas eleitorais (ANES) entre 1956 e 2012 (quase um milhão de observações), e todas as votações no Senado americano no período.
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Para Morris Fiorina e Frances Lee a polarização interpartido seria subproduto do fim da era de maiorias estáveis (1933 e 1981) quando os democratas controlaram o Congresso (salvo 1947-48 e 1953-54) e a Presidência durante 67% do tempo.
O arauto da nova era é Newt Gingerich, eleito em 1995 como o primeiro presidente republicano da Câmara dos Deputados em 40 anos.
O novo padrão tem sido governo dividido e margens de vitória apertadas, o que impele as elites partidárias em estabelecer uma linha divisória “entre nós e eles” e a atacar o adversário ideologicamente e/ou através de escândalos. O que acaba produzindo nos partidos o êxito de moderados, que são a maioria no eleitorado.
A explicação alternativa é que a polarização é subproduto da autosseleção partidária de grupos sociais, levando a uma sobreposição crescente de clivagens sociais (étnicas, gênero, religião etc.) e identidade partidária (evangélicos crescentemente republicanos etc.).
Ela seria assim de natureza afetiva e independente de posições ideológicas; ela se manifesta em termos emotivos. Como demonstrou Matthew Levenduski, a polarização afetiva pode aumentar mesmo quando as divisões ideológicas estão diminuindo.
A polarização afetiva pode ser aferida de várias formas. Com base em pesquisas de opinião através da diferença entre os escores atribuídos ao partido do (a) respondente e o de seu principal adversário.
Nos EUA, ela dobra entre 1980 e 2016. A polarização, no entanto, não reflete maior afeição pelo próprio partido, mas crescente animosidade quanto ao do adversário: o escore do partido do respondente mantem-se estável enquanto o do adversário cai de 0.40 para 0.22.
Há ainda métricas relacionadas à distância social: elas apontam crescente rejeição social a pessoas que tem identidade partidária rival.
Se a polarização é de fato maior entre as elites partidárias, temos uma patologia na representação política. Se ela reflete o eleitorado, não há déficit democrático, mas aumenta o desafio.
22 de novembro de 2019
Marcus André Melo
Fonte: “Folha de São Paulo”, 18/11/2019
A primeira sustenta que ela ocorre apenas na elite política, e não no eleitorado. Seu ponto de partida são as evidências que a diferença de preferências no eleitorado entre republicanos e democratas em relação às questões da política pública permanece inalterada, mas a mesma diferença entre congressistas revela um fosso partidário crescente.
Seth Hill chegou a essa conclusão usando uma base de dados com todas a pesquisas eleitorais (ANES) entre 1956 e 2012 (quase um milhão de observações), e todas as votações no Senado americano no período.
Mais de Marcus André Melo
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Por que a prosperidade gera protestos?
Para Morris Fiorina e Frances Lee a polarização interpartido seria subproduto do fim da era de maiorias estáveis (1933 e 1981) quando os democratas controlaram o Congresso (salvo 1947-48 e 1953-54) e a Presidência durante 67% do tempo.
O arauto da nova era é Newt Gingerich, eleito em 1995 como o primeiro presidente republicano da Câmara dos Deputados em 40 anos.
O novo padrão tem sido governo dividido e margens de vitória apertadas, o que impele as elites partidárias em estabelecer uma linha divisória “entre nós e eles” e a atacar o adversário ideologicamente e/ou através de escândalos. O que acaba produzindo nos partidos o êxito de moderados, que são a maioria no eleitorado.
A explicação alternativa é que a polarização é subproduto da autosseleção partidária de grupos sociais, levando a uma sobreposição crescente de clivagens sociais (étnicas, gênero, religião etc.) e identidade partidária (evangélicos crescentemente republicanos etc.).
Ela seria assim de natureza afetiva e independente de posições ideológicas; ela se manifesta em termos emotivos. Como demonstrou Matthew Levenduski, a polarização afetiva pode aumentar mesmo quando as divisões ideológicas estão diminuindo.
A polarização afetiva pode ser aferida de várias formas. Com base em pesquisas de opinião através da diferença entre os escores atribuídos ao partido do (a) respondente e o de seu principal adversário.
Nos EUA, ela dobra entre 1980 e 2016. A polarização, no entanto, não reflete maior afeição pelo próprio partido, mas crescente animosidade quanto ao do adversário: o escore do partido do respondente mantem-se estável enquanto o do adversário cai de 0.40 para 0.22.
Há ainda métricas relacionadas à distância social: elas apontam crescente rejeição social a pessoas que tem identidade partidária rival.
Se a polarização é de fato maior entre as elites partidárias, temos uma patologia na representação política. Se ela reflete o eleitorado, não há déficit democrático, mas aumenta o desafio.
22 de novembro de 2019
Marcus André Melo
Fonte: “Folha de São Paulo”, 18/11/2019
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