"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 25 de agosto de 2018

OS PARADOXOS DA DEMOCRACIA E DA SOBERANIA, NA VISÃO CRÍTICA DE KARL POPPER

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A propósito do excelente artigo de Henrique Fróes e Gabriele Cornellie, como também de muitas indagações acerca da situação de nossas instituições, importante a perspectiva de Popper (1902-1994), a qual revisita criticamente as teorias políticas platônica, aristotélica e subsequentes, ancoradas nos paradoxos da soberania, da liberdade, da tolerância etc. O saudoso prof. Carlos Chagas afirmou diversas vezes que nossas instituições estavam “em frangalhos”… Atualmente, na mesma linha, o nobre editor Carlos Newton e diversos comentaristas (e. g. Fallavena).
Abaixo, recortes que demonstram a desconfiança popperiana nos “dons”, “qualidades” e “benevolência” dos “governantes”. Para Popper, os “políticos” são, em regra, despreparados e, mais cedo ou mais tarde, farão estragos.
Como proposição para enfrentar a questão da “classe política” (que pode descambar em farsantes, larápios e tiranos), Popper conjectura o controle institucional dos governantes.
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OS PARADOXOS DA SOBERANIA
Karl Raimund Popper
Os sábios hão de conduzir e governar, e os ignorantes hão de segui-los. (Platão)
A ideia platônica de justiça exige, fundamentalmente, que os governantes naturais governem e os escravos naturais sejam escravizados. Faz parte da exigência historicista que o Estado, para impedir mudanças, seja uma cópia de sua Ideia, ou de sua verdadeira “natureza”. Essa teoria da justiça indica com muita clareza que Platão resumia em uma pergunta – quem deve governar o Estado? – o problema fundamental da política. […]
Pois até mesmo os que compartilham dessa suposição platônica reconhecem que os governantes nem sempre são suficientemente “bons” ou “sábios” (não precisamos nos preocupar com o significado exato desses termos) e que não é fácil obter um governo em cuja bondade e sabedoria se possa confiar de maneira irrestrita. Feita essa admissão, cabe indagar se o pensamento político não deve enfrentar desde o começo a possibilidade de um mau governo. Ou seja, devemos torcer para que os melhores cheguem ao governo, mas nos preparar para ter os piores dirigentes. Isso altera o problema da política, pois nos força a substituir a pergunta “quem deve governar?” por outra: Como podemos organizar as instituições políticas de modo que os governantes maus ou incompetentes possam ser impedidos de fazer demasiados estragos? […]
Para enfrentar a questão do controle institucional dos governantes só precisamos presumir a ideia de que os governos nem sempre são bons ou sábios. Mas, como eu disse algo sobre fatos históricos, devo confessar-me inclinado a ir um pouco além dessa suposição. Inclino-me a pensar que os governantes raramente ficam acima da média, seja em termos morais ou intelectuais, e amiúde ficam abaixo dela. Creio que, na política, é sensato adotar o princípio de que devemos nos preparar ao máximo para o pior, embora, é claro, devamos tentar obter o melhor. Parece-me loucura basear nossos esforços políticos na tênue esperança de que logremos conseguir governantes excelentes ou sequer competentes. […]
É possível desenvolver uma teoria do controle democrático que esteja livre do paradoxo da soberania. O que tenho em mente é uma teoria que não provém, digamos, de uma doutrina da bondade ou honradez intrínsecas de um governo majoritário, mas da vileza da tirania; para sermos mais precisos, é uma teoria que se apoia na decisão ou na adoção da proposta de evitar a tirania e resistir a ela.
Podemos distinguir dois tipos principais de governo. O primeiro consiste em governos dos quais podemos nos livrar sem derramamento de sangue – por exemplo, por meio de eleições gerais; nesse caso, em outras palavras, as instituições proporcionam meios pelos quais os governantes podem ser destituídos pelos governados, e as tradições sociais garantem que tais instituições não sejam facilmente destruídas pelos ocupantes do poder. O segundo tipo consiste em governos dos quais os governados só podem livrar-se por meio de uma revolução bem-sucedida – ou seja, na maioria dos casos, não tem como se livrar.
(POPPER, Karl Raimund. Os paradoxos da soberania. In: Idem. Textos escolhidos. Org. e int. David Miller. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2010, p. 311-316 ) [destaques em itálico no original; em negrito, nossos].

25 de agosto de 2018
Christian Cardoso

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