"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 22 de abril de 2018

A LAVA JATO E O TRANSTORNO BIPOLAR DO NEW YORK TIMES, EM EDITORIAL


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O sociólogo francês Pierre Bourdieu, citado por Edmund White em “O Flâneur – Um Passeio pelos Paradoxos de Paris”, indica que “a opinião dos estrangeiros é um pouco como o julgamento da posteridade”. 
A ideia aqui é que apenas o distanciamento —marca de quem observa o desenrolar dos fatos de um mirante longínquo— possibilita uma perspectiva realmente objetiva.
Aos participantes de uma mesma trama nacional tal intervalo espacial não existe, e, portanto, apenas o tempo pode contribuir para delineamentos históricos mais apurados. Essa suposta avaliação objetiva e a dimensão global de um veículo jornalístico em língua inglesa de grande tradição projetam o enorme alcance do jornal The New York Times. Tais atributos apenas aumentam a responsabilidade da direção do jornal, sobretudo no momento em que expressam a posição da casa por meio de editoriais.
EDITORIAL CONFUSO – Se esse é o caso, então os milhões de leitores do diário nova-iorquino foram brindados na última quinta-feira (12) com uma desagradável constatação.
Num editorial intitulado “Lula está preso, e a democracia do Brasil, em perigo”, o NYT oferece exemplo marcante do que uma opinião de jornal não deve ser: contraditória, superficial, confusa.
O texto, claro, trata da ascensão e da queda do ex-presidente Lula, faz alguns elogios à Operação Lava Jato e ao juiz Sergio Moro e busca examinar o caminho do Brasil até as eleições presidenciais de outubro. 
Nessa avaliação, o editorial do NYT comete uma série de equívocos imperdoáveis. Alguns exageram o quão sensível é o quadro político-institucional brasileiro e confundem causa e efeito das atribulações por que atravessa o país.
BARROSO E MORO – É certo que as falas do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso e de Moro, em seminário na Escola de Direito de Harvard na última segunda (16) —ambos ressaltando a pujança da democracia no Brasil—, tiveram como pano de fundo esse editorial do NYT.
Não é para menos. O título já é redondamente errado. Ele permite supor uma conexão imediata entre Lula atrás das grades e riscos à democracia brasileira. Ora, é bem o inverso. Com a prisão de poderosos, a democracia sai fortalecida.
Logo no primeiro parágrafo, o editorial declara que “quando uma onda anticorrupção varre o político mais popular do país, a justiça é servida, mas a democracia é testada”.
É O OPOSTO – Talvez seja o oposto. Dado o longo histórico de morosidade e manobras protelatórias das instâncias jurídicas no Brasil, é no julgamento e na prisão de poderosos culpados que a Justiça é testada, e a democracia, servida.
Num período adiante, a opinião do New York Times estabelece que a Lava Jato “desferiu um duro golpe na corrupção, mas também desestabilizou o sistema político brasileiro e ajudou a empurrar o país à recessão e deixou milhares de desempregados”.
Bem, chacoalhar o sistema político no Brasil, tradicionalmente alimentado por favoritismo, clientelismo e compadrio, é um movimento que deve ser saudado— na medida em que fortalece as instituições e o mérito, e consolida o Estado de Direito.
DOENÇA E CURA – Além disso, atribuir à Lava Jato coautoria na dramática recessão e elevado desemprego a que o país foi arremessado representa uma tremenda confusão entre doença e cura, origem e consequência. Não foi a Operação que contribuiu para levar o Brasil à pior recessão de sua história, mas muitos dos males que ela combate.
O editorial também aponta, deve-se notar, várias observações corretas, como “o Congresso brasileiro, por si só, não apoia a luta anticorrupção”.
Ou ainda: “o Brasil de fato dispõe das instituições e meios para enfrentar até os mais poderosos —e populares— malfeitores”.
Mais confusão – Numa outra passagem, porém, o NYT outra vez se presta à confusão. O editorial sugere: “em que pese todo o sucesso da Lava Jato, nada foi feito para concertar o sistema jurídico. O perigo de uma guinada ao populismo e à radicalização política é óbvio”.
Nesse aspecto, é claro que uma reforma do Judiciário seria bem-vinda. Aqui, contudo, o NYT parece endossar a exótica tese de que um dos efeitos colaterais da Lava Jato é conduzir o país a um maior risco do populismo e intolerância política. Ora, não é justamente o contrário?
Conclusão: mesmo as mais veneráveis instituições do jornalismo internacional podem ter seus dias de transtorno bipolar.

22 de abril de 2018
Marcos Troyj
Folha

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