"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 5 de março de 2018

SEIS POR MEIA DÚZIA

Uma boa parcela do Poder Judiciário, incluindo algumas de suas mais altas autoridades, parece alheia aos ventos de mudança que passaram a soprar no País, com as atenções desviadas do clamor por moralidade em todas as esferas do poder público. Como não se está a falar de pessoas com problemas cognitivos, trata-se de um alheamento deliberado.

Não pode ser interpretada de outra forma a proposta do ministro Ives Gandra Martins Filho, que, ao se despedir da presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), na segunda-feira passada, sugeriu que os “penduricalhos” pagos à magistratura e aos membros do Ministério Público fossem aglutinados a título de adicional por tempo de serviço.

A ideia não é nova. Em 2013, o então senador Gim Argello (PTB-DF), hoje implicado na Operação Lava Jato, apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para estabelecer a remuneração por tempo de serviço dos integrantes do Ministério Público e da magistratura da União e dos Estados, calculada à razão de 5% do salário do respectivo cargo a cada quinquênio de efetivo exercício. A PEC 63/2013 ainda não foi votada.

Em defesa da substituição dos “penduricalhos” pelo adicional por tempo de serviço, o ministro Ives Gandra Martins Filho sustenta que, caso seja aprovada, a medida “acabaria com a polêmica sobre o auxílio-moradia e incentivaria a carreira no Judiciário”. O ministro acrescenta que o adicional seria considerado parte do salário e, portanto, aumentaria a arrecadação do Imposto de Renda e da contribuição previdenciária. Tal argumento pode servir para dar um verniz social à manutenção dos privilégios, mas não se sustenta. O eventual aumento da arrecadação nem de longe corrigiria as muitas distorções do sistema previdenciário do funcionalismo público, anacrônico e profundamente desigual.

“Tenho encontrado respaldo das associações (de magistrados), que concordam em trocar o auxílio-moradia pelo adicional por tempo de serviço. Também tenho conversado com ministros do Supremo e nomes do Legislativo e do Executivo”, disse Ives Gandra em entrevista ao Estado.

Não é difícil imaginar o apoio entusiasmado que o ministro esteja recebendo de entidades como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), já que tais clubes de juízes vêm se notabilizando pelas táticas sindicais de defesa de seus interesses de classe – como a recente ameaça de greve ilegal feita pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) –, em detrimento do interesse público.

A manifestação da Anamatra é particularmente curiosa. A associação de juízes do trabalho foi uma ferrenha opositora à gestão de Ives Gandra Martins Filho na presidência do TST. Entretanto, quando se trata de defender os privilégios da categoria, impera a concórdia. “Esse é um dos poucos temas de concordância. Essa é realmente uma solução plausível (o adicional por tempo de serviço) para reorganizar a remuneração da magistratura nacionalmente”, disse Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra.

Cabe indagar que tipo de “reorganização” salarial seria essa. Não raro, a “defasagem” dos subsídios pagos à magistratura tem sido um argumento em defesa dos “penduricalhos”. Em um país onde a maioria da população não recebe sequer o valor do auxílio-moradia – R$ 4.378,00 – como salário mensal, falar em “defasagem” para quem pode receber até o teto constitucional de R$ 33.700,00 chega a ser ofensivo.

Ives Gandra Martins Filho afirmou que sua proposta “é uma solução para acabar com os penduricalhos”. Não é. O nome que se dê aos benefícios extravagantes não importa. Travestir um conjunto de privilégios em direitos apenas reforçaria a ideia que a sociedade tem de que membros do Poder Judiciário e do Ministério Público formam uma categoria distinta de cidadãos, aos quais são garantidos privilégios e tratamentos especiais tão somente por terem sido aprovados em um concurso público.


05 de março de 2018
Editorial Estadão

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