"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 12 de novembro de 2017

BRASIL, UM PAÍS DE LUISLINDAS

O artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal estabelece um teto salarial para o funcionalismo: "O subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal".

Apesar disso, a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, foi manchete de vários jornais em razão de seu requerimento à Casa Civil, pedindo que fosse somado à sua aposentadoria como desembargadora (R$ 30,5 mil/mês) também o salário integral de ministra (R$ 30,9 mil/mês), o que traria seu ganho mensal para R$ 61,4 mil/mês, ultrapassando, em muito, os vencimentos dos ministros do STF (R$ 33,7 mil/mês).

O "argumento" da ministra (entre outros de validade tão duvidosa quanto se "vestir com dignidade") é que, devido ao teto, seu trabalho no ministério acrescenta "apenas" R$ 3.300/mês a seu rendimento, o que, no seu imparcial entendimento, configuraria trabalho análogo à escravidão, pois "todo o mundo sabe que quem trabalha sem receber é escravo".

Noto somente que o rendimento adicional da ministra supera, com folga, a média de todos os trabalhadores brasileiros, R$ 2.100/mês, e equivale à média da categoria com maior rendimento, o funcionalismo.

Da mesma forma, não podemos deixar passar que ninguém a forçou a assumir um ministério; nesse sentido, sua decisão se equipara à de milhares de pessoas que se dedicam ao trabalho voluntário, sem receber nada, e que, certamente, não se consideram escravas.

Não é esse, porém, o ponto central da coluna, por mais escandalosa que seja sua atitude. Em parte porque o fiasco de seu pedido —consequência da exposição à mídia— é a exceção, não a regra, em casos como esses.

Em agosto deste ano, houve também notícias sobre juízes cujos vencimentos superavam o teto constitucional, por força de vantagens eventuais, indenizações e demais penduricalhos que, por entendimento, vejam só, da própria Justiça, não estariam sujeitos a limitação do teto. E, diga-se de passagem, uma breve busca pelo Google nota casos similares em 2016, 2015, 2014...

Mais relevante ainda é que tais casos ainda não correspondem, nem de longe, à totalidade dos privilégios que tipicamente são conferidos pelo setor público a grupos próximos ao poder.

A triste verdade é que a sociedade brasileira se tornou, e não de hoje, prisioneira de um círculo vicioso de caça à renda (a melhor tradução que vi para rent-seeking).

"Renda", no sentido econômico do termo, representa a remuneração a algum insumo acima do valor que seria necessário para mantê-lo empregado nas condições atuais. Parece abstrato, mas os exemplos abundam: de licenças para táxis (um caso bastante atual, a propósito) à proteção contra concorrência internacional, passando por subsídios e toda sorte de privilégios.

A caça à renda representa um imenso jogo de rouba-monte, com o agravante de que sua prática contribui para reduzir o tamanho do monte, pois recursos reais da sociedade são utilizados para esse fim, e não para a produção, além de tipicamente favorecer setores menos produtivos. Embora possa enriquecer alguns de seus participantes, esse jogo empobrece as sociedades que o praticam.

Curioso mesmo, porém, é como economistas autodenominados "progressistas" se engajam facilmente na defesa da caça à renda. Eu já passei da idade de achar que se trata apenas de ingenuidade.


12 de novembro de 2017
Alexandre Schwartsman, Folha de SP

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