"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

O INOFENSIVO BOLSONARO



O editor Carlos Andreazza faz o primeiro retrato do suposto representante dos conservadores na política, Jair Bolsonaro: "da mesma forma que o PSDB é a direita falsificada pelo establishment, a que faz o contraponto ao PT, a esquerda que disputa o poder, Bolsonaro é a direita consentida, a extrema, o radical desejado, necessário ao status quo, o ultrainofensivo, que interdita o surgimento de uma direita democrática e que legitima a persistência da esquerda que ainda ousa associar socialismo e liberdade". Segue o artigo completo, publicado no Globo:

Jair Bolsonaro é candidato a presidente, tem cerca de 15% nas pesquisas e vem de alugar um partido para concorrer. Nunca, porém, geriu algo que não a vida dos filhos. Precisa, pois, ser tratado seriamente. Cabe ao jornalismo tirá-lo da bolha tuiteira em que alguém como ele pode ser considerado solução para o Brasil e lhe franquear microfones para que fale o que pensa sobre o país.

Urge ouvi-lo sobre o tamanho do Estado, sobre reformas, sobre economia em geral — suas opiniões conhecidas a respeito precisam de decodificação antes de poderem ser tidas por alarmantes. Urge ouvi-lo sobre segurança pública, assunto que — com razão — define (é o único a fazê-lo) como prioridade e que seu militarismo sugere ser sua especialidade. Será?

É hora de investigar suas aptidões — excluída a capacidade, comprovada, de se autopromover como zelador dos costumes conservadores do brasileiro médio.

Deputado federal desde 1991, mas que já defendeu o fechamento do Congresso, quer ser presidente (já postulou o fuzilamento de um, FHC, por ter privatizado a Vale) empunhando as mesmas bandeiras — de natureza legislativa — que agita há décadas, o que de prático só resultou em fama para o agitador. Ou a agenda progressista não terá avançado livremente na Câmara justo no período mais histérico de Bolsonaro?

Não tendo, pois, conseguido defender a tradicional família brasileira no Parlamento, o lugar apropriado (onde, no entanto, acabou ingenuamente emboscado pelo vitimismo de Maria do Rosário), ele agora pretende levar sua causa ao Executivo, lá onde nada poderia fazer a respeito — senão por meio de uma ditadura. Como não lembrar, a propósito, que já elogiou Fujimori por intervir militarmente no Judiciário e no Legislativo peruanos?

Que eu escreva o óbvio: houvesse uma direita no Brasil, e Bolsonaro seria nota de rodapé exótica na história. Ele é produto da doença política brasileira, indivíduo cujo protagonismo é tão decorrente da miséria cultural em que se constitui a vida pública entre nós quanto simbólico de um país que se deixou cuspir aos extremos sem haver cevado o equilíbrio, o dissenso, a própria matéria com a qual se esculpe uma nação.

Que o militarista estatista Bolsonaro seja confundido com um conservador é prova de que a esquerda venceu. Que alguém com o histórico de indisciplina — de desafio à hierarquia — militar de Bolsonaro, um oficial de carreira sofrível, seja tomado por voz das Forças Armadas é simbólico das três décadas de sucateamento a que Exército, Marinha e Aeronáutica foram impostos desde o fim do regime militar.

O autocrata Bolsonaro é obra-prima do plano de hegemonia esquerdista, aquele que, ao ocupar todos os espaços de produção-divulgação do pensamento, empastelou a chance de que aqui houvesse um partido conservador ao menos. O fato de o PSDB ser considerado de direita é autoexplicativo do modo como as ideias liberais e conservadoras foram excluídas do debate público brasileiro, deformadas a uma única existência — aceitável porque útil: a do extremo.

Bolsonaro é útil. Mas não inocente. Depende da inexistência da direita no Brasil tanto quanto da demonização da política. Construiu a própria mitologia nesse vácuo democrático. Num país desprovido de representação conservadora, aceitou a ponta que seria dada a qualquer um que não se constrangesse em encenar o papel de extremista escrito pela narrativa da esquerda. Ele topou; intuiu que, sobretudo a partir da ascensão do PT, haveria cristãos dispostos a embarcar na conversa do político que incorporasse o antipetismo. Ele cresceu — cresce — com Lula. Lula torce para tê-lo como adversário. Um olhar de Geisel para a nação, aliás, une-os.

Da mesma forma que o PSDB é a direita falsificada pelo establishment, a que faz o contraponto ao PT, a esquerda que disputa o poder, Bolsonaro é a direita consentida, a extrema, o radical desejado, necessário ao status quo, o ultrainofensivo, que interdita o surgimento de uma direita democrática e que legitima a persistência da esquerda que ainda ousa associar socialismo e liberdade.

Na última quarta, ele votou pela aceitação da denúncia contra Temer. Sintomaticamente, votou como Jandira Feghali e Jean Wyllys. Não houve cusparada dessa vez. Nem discurso. Bolsonaro não homenageou o torturador Ustra nem o ex-deputado Cunha — como quando da votação do impeachment de Dilma. Naquela ocasião, ele também se manifestara pelo afastamento de um presidente.

Bolsonaro é assim. Não tem bandido de estimação, embora tenha permanecido por dez anos no mensaleiro PP. Ele é plano, direto: contra a corrupção; tipo intolerante a nuances, como só possível a um ser desprovido de lastro intelectual, incapaz de compreender sequer rudimentarmente o momento histórico.

Como todos aqueles erigidos no barro do personalismo, é refém da vontade sanguínea dos que o idolatram, daí porque ora atado à camisa de força do jacobinismo em curso — que a todos iguala com método, como se entre os políticos criminosos não houvesse aqueles, maiores, que assaltaram o Estado em prol de um projeto autoritário de poder.

Como todo inflexível em causa própria, ele só transige — pulando de PP em PSC, de PSC em PEN — se para cultivar a mitologia sobre si. O partido sou eu — dirá. O honesto sou eu — diz. Logo: e daí que seu voto seja presente aos esquerdistas que propagandeia combater? É o preço que paga todo arrivista. E ele sempre poderá se escudar na canalhice segundo a qual votou como Jandira e Jean, mas por motivos diversos.

É assim, com pureza, com distinção, que um mito presta serviço ao PT.

08 de agosto de 2017
in blog do orlando tambosi



comentário:

danir disse...

Qualquer garoto de dez anos sabe que o Bolsonaro não é o ideal para assumir a Presidência da República. Entretanto, considerando que temos um eleitor fraco, desinteressado e indolente, talvez seja o que faltava para dar uma sacudida geral. Pelo menos ele tem uma ficha corrida limpa, e mesmo sua insubordinação não é "revolucionária" como seria a de uma Marina, um Lula ou outro bonitinho da esquerda em qualquer partido. Creio que seria um tratamento de choque neste pessoal que hoje está no poder, e que seja de que partido for, são esquerda de vários matizes. Ou alguem acredita que Doria é a solução por ser um bom "gestor". É só acompanhar os seus movimentos. O Bolsonaro pelo menos é claro nas colocações, sem subterfúgios e tem uma proposta, confusa mas ainda assim definida. Não sou eleitor do Bolsonaro, mas assim como votei no Aécio por absoluta falta de opão, neste momento meu candidato seria o bolsonaro, tembem por absoluta falta de opção. Ou alguem pensa que qualquer das outras tranqueiras disponíveis é melhor?

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