"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

DESEMPREGO E PENSAMENTO MÁGICO

O pensamento heterodoxo brasileiro acredita que o crescimento tudo resolve.
A partir de leitura muito extremada de Keynes, a heterodoxia supõe um mundo em que, na prática, não há restrição de recursos. A suposição de desemprego permanente de recursos produtivos permite, se as políticas de estímulo à demanda forem adotadas, que a economia cresça sem limites.

Para essa tradição de pensamento, o sucesso do leste asiático não é fruto das elevadíssimas taxas de poupança, sempre acima de 35% do PIB, das prolongadíssimas jornadas de trabalho e dos melhores sistemas educacionais do mundo.


Para a heterodoxia brasileira, o sucesso do leste asiático deve-se ao BNDES deles e à capacidade que esse tipo de intervenção teria de alocar a poupança financeira aos setores "portadores de futuro", seja lá o que isso signifique. 
O escândalo do JBS, longe de ser caso isolado, sugere que mesmo nossos heterodoxos não sabem bem o que isso significa.

Reza a lógica heterodoxa: pau na máquina que o crescimento tudo resolve. Evidentemente, a heterodoxia brasileira não entende os motivos de os juros reais serem elevados, apesar de a inflação ser muito alta.

O pensamento mágico da heterodoxia brasileira tem sido particularmente alimentado pelo recente período de queda do desemprego, anterior à recessão. Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, de 2003 até 2014 o desemprego recuou de 12,5% para 5%, expressiva queda de 7,5 pontos percentuais.

A política de pau na máquina teria sido responsável pela queda do desemprego.

A PME, pesquisa que foi descontinuada há pouco mais de um ano, cobre as seis principais regiões metropolitanas —Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e Recife—, ou 25% do mercado de trabalho nacional.

Desde 2012, temos a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), de abrangência nacional, que é trimestral e substitui a PME.

Adicionalmente temos, desde 1981, a Pnad anual, que apresenta fotografia do mercado de trabalho nacional para meses de setembro.

Meus colegas do Ibre Bruno Ottoni Vaz e Tiago Barreira, cruzando os dados da PME, da Pnad anual e da PNADC, construíram uma série da taxa de desemprego a partir de setembro de 1992 para todo o território nacional, harmonizada com a metodologia da PNADC.

O resultado é muito menos animador. Em vez da redução de 7,5 pontos percentuais, houve, entre 2003 e 2014, queda bem menos expressiva, de 3,2 pontos percentuais (de 10,0% para 6,8%).

Além disso, metade da queda, ou 1,6 ponto percentual, ocorreu no primeiro mandato da presidente Dilma (de 8,4% em 2010 para 6,8% em 2014). O problema é que o regime de política econômica de Dilma foi claramente não sustentável: juros artificialmente baixos, tarifas represadas, deficit público e externo elevados, inflação crescente etc.

Nos oito anos do presidente Lula, com toda a ajuda da economia mundial, a taxa de desemprego reduziu-se em 1,6 ponto percentual (de 10,0% em 2003 para 8,4% em 2010) e, na média, foi ligeiramente pior do que o período FHC (9,2% em Lula ante 8,9% com FHC).

Desde a estabilização econômica, em 1995, a taxa de desemprego cresceu muito e só caiu para níveis relativamente baixos, como o de 6,8% em 2014, quando comprometemos o futuro com políticas populistas.

Urge aprovar a reforma trabalhista para conseguirmos, de forma sustentável, reduzir o desemprego.


31 de maio de 2017
Samuel Pessoa, Folha de SP

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