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Artigo para O Estado de S. Paulo de 20/12/2016
Tem sido um linchamento. Cada vez que estremece e esboça uma reação cai com mais fúria a chuva de pauladas sobre o corpo moído da nação.
No país sem voz é a guerra; 60 mil mortos por ano; 12 milhões de famílias não sabem se comem amanhã. Daí para cima, ou é prostração, ou um mal contido pânico travestido de “fervor cívico” sem propósito definido nem pontaria certa. Nesse segmento “mobilizado” a ordem cronológica está subvertida. Posto diante das entranhas daquilo a que sempre esteve acomodado, esse Brasil não se admite mais como o que é. Projeta como realidade vivida aquilo que deveria ter sido. Todos cobram “dos outros” o que cada um se recusa a entregar de seu. Ninguém se assume como parte constitutiva de um organismo doente e isso tira de cena a idéia de buscarmos juntos uma cura. A conflagração ocupa todos os espaços. O passado transformou-se em arma de destruição do futuro.
Quem “ganha”, quem “perde” com cada golpe desferido? O dano infligido ao país nunca entra em consideração. O interessado em reformas “é o governo”, não o país. A imprensa não cobre o Brasil; a imprensa cobre a disputa de Brasília pela carniça do Brasil. Lá, sim, são “impopulares” as medidas de salvação nacional. Não ha desempregados discutindo a crise na televisão. Tudo é filtrado pela ótica do poder e é isso que alimenta esse pandemônio.
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Não tem nada a ver com jornalismo trombetear aquilo a que facções em luta "lhe dão acesso" na hora e no lugar que elas escolherem. Isso não é informar, é tornar-se parte. A garantia de sigilo para alardear “furos” que não são “furos” contrata os próximos atentados contra a nação. De prático ela só fica com a retaliação da retaliação da retaliação. O Judiciário ataca Renan porque Renan desafiou os privilégios do Judiciário. E Renan só desafia os privilégios do Judiciário porque o Judiciário atacou Renan. Não tem nada a ver com justiça nem com zelo pela austeridade.
Essa briga só acaba se for "narrada" como o que é. Nesse filme a sequência é que é o fato, não cada factóide tomado isoladamente. A quebra da impunidade dos corruptos arrombou a porta mas a luta pelo poder montou nas costas dela. Doze milhões de empregos morreram quase ignorados. Mas então a gangrena da arrecadação cessante tomou o Rio Grande do Sul e subiu para o Rio de Janeiro. Agora é em Minas Gerais que o sangue deixou de circular. Não vai parar por aí.
Com o naufrágio do Estado seguindo o da nação com três anos de atraso e a súbita virada dos ventos do sacrificio, a luta tornou-se, de repente, feroz.
Exumam-se velhos cadáveres e cobram-se dívidas ha muito acochambradas numa sequência frenética mas não ha rigorosamente nada que já não se soubesse ou que não tivesse sido extensamente publicado.
É impossível ignorar em boa fé a relação de causa e efeito entre esses requentamentos e cada tentativa esboçada de impor limites ou recuos aos privilégios de corporações poderosas.
Prender e soltar pessoas de forma seletiva e arbitrária sob o pretexto de crimes de todos conhecidos mas sempre relevados não são vitórias da justiça, são só expedientes para impedir que o ajuste das contas publicas avance pelo único caminho pelo qual ele pode de fato se dar.
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Nesse lado do problema os dados são claríssimos. Não ha preço, na arena global, que comporte os privilégios das corporações que se nutrem de quem produz no Brasil.
Essa referência é inamovível. Não ha liminar, falcatrua regimental, “acordão”, “movimento social” ou estelionato inflacionário suicida que consiga tira-la de onde está. As coisas terão obrigatoriamente de ser arrumadas desse marco para trás ou permaneceremos expulsos do mundo.
A PEC do teto de gastos (que está na constituição mas ninguém cumpre), a reforma da Previdência e os ajustes microeconômicos, todos imprescindíveis, só põem dinheiro no caixa lá adiante mas o país está falido aqui e agora. Não ha como escapar. Vai ser preciso mexer no “imexível”. Carros, frotas de jatos, mordomias e “auxílios” obscenos, isenções, acumulações, viagens, super-salários, super-aposentadorias, tudo isso vai ter de sair da conta para que possam voltar a caber nela os salários e aposentadorias sem mais adjetivos dos funcionários que não entraram no serviço público pela janela e mais a saúde e a segurança pública que se requer. O mínimo fora do qual é o caos.
A PEC do teto de gastos (que está na constituição mas ninguém cumpre), a reforma da Previdência e os ajustes microeconômicos, todos imprescindíveis, só põem dinheiro no caixa lá adiante mas o país está falido aqui e agora. Não ha como escapar. Vai ser preciso mexer no “imexível”. Carros, frotas de jatos, mordomias e “auxílios” obscenos, isenções, acumulações, viagens, super-salários, super-aposentadorias, tudo isso vai ter de sair da conta para que possam voltar a caber nela os salários e aposentadorias sem mais adjetivos dos funcionários que não entraram no serviço público pela janela e mais a saúde e a segurança pública que se requer. O mínimo fora do qual é o caos.
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Parece impossível hoje mas as prerrogativas medievais dessa casta são biodegradáveis. Dissolvem-se no escândalo das proporções indecentes que tomaram assim que forem expostas ao sol. Eis aí um bom papel para a imprensa. Apressar o inevitável é um meio certo e seguro de evitar o desperdício de mais uma geração e salvar milhões de famílias das tragédias que vêm vindo a galope. Mas mesmo que ela persevere na omissão de fazer da denuncia desses privilégios a sua obsessão, a agonia do funcionalismo desadjetivado vai produzir o milagre. E logo. Só que aí o preço sairá dobrado...
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O Brasil precisa estar vivo para chegar ao fim desta travessia. E é com os políticos que temos que teremos de faze-la. Seguir olhando só para trás é mergulhar inevitavelmente na conflagração. O Brasil não tem conserto dentro do que é hoje. O remédio para a doença que nos aflige é conhecido desde 1776. Chama-se igualdade perante a lei. Não existe outro. Consiste em reestruturar o Estado e a nação segundo o princípio de que tudo que não vale para todo mundo tem de deixar de valer para quem quer que seja. E sendo os operadores da Republica no Judiciário e no Legislativo os principais beneficiários da situação que exige reforma, estender os direitos dos eleitores para depois das eleições com a instituição do “recall” dos representantes e do “referendo” das leis dos legislativos por inciativa popular tem sido, historicamente, o instrumento que, ao transferir o poder de decisão final das mãos dos "contribuídos" para as dos contribuintes, inicia esse tipo de revolução pacífica e a torna irreversível.
20 de dezembro de 2016
vespeiro
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