"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

RENAN E O FORO PRIVILEGIADO

Dessa lambança destemperada e de baixo calão protagonizada por Renan Calheiros, que chamou o juiz de primeira instância de “juizeco” e o Ministro da Justiça de “chefete de polícia”, uma coisa positiva resultou: a entrada na pauta da discussão do famigerado instituto do foro privilegiado, que, segundo o ex-ministro do Supremo Carlos Velloso, “é uma anormalidade, uma excrescência”. O Correio Braziliense acrescenta que o tal de foro privilegiado “torna políticos corruptos praticamente intocáveis”. E parece que são mesmo. Segundo pesquisa feita em 2015 pela revista Exame, 500 parlamentares foram alvo de investigação ou ação penal no STF nos últimos 27 anos. Destes, apenas 16 foram condenados e somente 8 foram presos.

Levantamento da rádio CBN informa que existem mais de 30 mil brasileiros acobertados por este execrável diploma legal parido pela Constituição Cidadã de 1998 para proteger políticos e “autoridades” detentoras de altos cargos.

Muitos disseram, entre eles eu, que a Constituição de 1988 tornaria o país ingovernável. Quase tudo de transformou em matéria constitucional, sobrecarregando os tribunais superiores, que acabam por julgar desde fatos graves, como homicídios, até fatos banais. O nosso Supremo recebeu 86.977 processos em 2015. Só no primeiro semestre deste ano, julgou 1.501 enquanto, por exemplo, a Suprema Corte dos Estados Unidos, onde não existe foro privilegiado, julgou 100 no ano passado.

Mas com foro privilegiado ou não, o nosso conhecido Presidente do Senado não vai escapar da espada da justiça. E vai ter que arrefecer um pouco o seu ânimo pela conquista do poder: o STF deverá julgar esta semana se um réu pode estar na linha de sucessão. E ele ainda está.

Renan não é réu ainda. É “apenas” investigado em 12 ações diferentes, entre elas aquela que já lhe custou um primeiro processo no Conselho de Ética, que resultou no seu afastamento da presidência da casa. Para os que não estão lembrados, em 2011 o Ministério Público Federal abriu inquérito para apurar o pagamento de pensão para a filha que Renan teve com a jornalista Monica Veloso, pagamento feito pelo lobista Claudio Gontijo, representando uma empreiteira. De acordo com o parecer, Renan apresentou, em 2017, notas fiscais frias relacionadas à venda de bois, os bois mais valiosos do Brasil.

Apesar de tudo isso, em fevereiro de 2013 Renan foi alçado por seus pares à presidência do Senado. Isso é Brasil. Ainda.

Assim como a lentidão da nossa justiça é um caso trágico, dizem que ela tarda mas não falha.

Esperamos que não falhe no caso desta indigitada figura pública, que agora se insurge feroz e abertamente contra a Lava Jato. O rápido ressurgimento do seu projeto contra crimes de abuso de autoridade, que estava dormindo desde 2009, é uma comprovação disso. Além desse projeto, o Congresso discute outras tantas propostas legislativas que, se aprovadas, podem dificultar a investigação policial de políticos e outros envolvidos em crimes de colarinho branco, tais como: minirreforma política com emenda que anistia o crime de caixa dois, proibição de que delatores possam complementar informações, proibição de presos fazerem acordos de delação premiada, proibição de advogados acumularem delações, alteração dos acordos de leniência, proibição de prisão até o fim dos recursos (contrariando decisão do Supremo que permite prisão de réus condenados em segunda instância), etc. e etc.

Estas barbaridades tem um só objetivo: amordaçar a Policia Federal, o Ministério público, o juiz Sérgio Moro e preservar o reino da impunidade. E quem sabe até mesmo constranger o Ministro Teori Zavascki, cujas rápidas e corajosas decisões relativas à Lava Jato nos enchem de esperança.

A politicalha nacional que tem culpa no cartório e está com a consciência pesada, está se virando mais do que bolacha em boca de velho para fazer aqui o mesmo que os seus colegas italianos fizeram com a Operação Mãos Limpas: transformar tudo em pizza.

Só que agora o buraco é mais embaixo. Naquela época, 1992, não havia internet nem redes sociais. Hoje há. E é justamente através desses modernos recursos tecnológicos que a sociedade vai continuar mobilizada contra quaisquer tentativas de lesa pátria, como estas que estão na ordem do dia.

A verdade é que os doleiros, operadores, diretores de estatais e funcionários públicos desonestos, empresários e políticos corruptos estão morrendo de medo de ir para a cadeia.

Que é exatamente para onde irão, mais cedo ou mais tarde.


31 de outubro de 2016
Faveco Corrêa é jornalista e consultor.

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