"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

MICHEL TEMER ENTENDEU O ESPÍRITO DO TEMPO

Michel Temer acerta em seu primeiro ato de governo, mesmo que ainda fora do governo

Ao desistir do nome de Mariz de Oliveira para a Justiça, vice deixa claro que entendeu o espírito do tempo


O general Charles de Gaulle, que presidiu a França entre 1959 e 1969, disse certa feita que o primeiro dever do estadista é a ingratidão. 
É claro que não se tratava da apologia dos hábitos viciosos, da traição ou do mau-caratismo. 
Ele chamava a atenção para o fato de que, à frente dos negócios do Estado, as questões pessoais perdem relevância. Um governante se vê obrigado, muitas vezes, a fazer coisas que não são do seu gosto pessoal, mas que acabam se impondo em razão das injunções políticas.

Fez muito bem Michel Temer ao desistir do nome de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira para o Ministério da Justiça. 
Já escrevi aqui nesta manhã: é um homem capaz, inteligente e honrado. E por que alguém assim não pode ser ministro? Porque existe o espírito do tempo.

Mariz é um crítico ácido da Operação Lava Jato e das delações premiadas. Deixo claro que concordo com alguns aspectos de sua crítica. Mas é preciso reconhecer o óbvio: se as pedaladas dadas por Dilma são a face jurídica da sua derrocada, o inconformismo com o mar de lama é a face política. 
Se Mariz, com as opiniões que tem, seria um incômodo, hoje, em qualquer área do governo, tanto mais seria no Ministério da Justiça, Pasta à qual está subordinada a Polícia Federal.

Se ministro, o que ele poderia fazer contra a operação? Resposta: nada! Mas aí volta a máxima, à qual já apelei nesta manhã, da mulher de César. Além de ser honesta, tem de parecer honesta. A depender do tempo, “parecer” é ainda mais importante do que “ser”. Também as aparências contam em política. Elas expressam valores e noções de decoro.

Temer, assim, abriu mão de nomear um homem capaz e honrado, seu amigo pessoal, em razão de injunções políticas. A decisão ilumina a fala de De Gaulle.

FHC
Isso me lembra um episódio. Em 1999, FHC demitiu um dos homens mais decentes que já passaram pela vida pública no Brasil. Refiro-me a Clóvis Carvalho, ministro da Casa Civil do primeiro mandato e da Indústria e Comércio no segundo, por um breve tempo, entre 19 de julho a 8 de setembro de 1999.

Saiu por quê? Carvalho fez uma crítica pública à condução da economia, então a cargo de Pedro Malan. 
Na apresentação do Plano Plurianual, numa reverência explícita às opções de Malan, discursou: 
“Ajustes não podem ser entendidos como camisa-de-força para iniciativas voltadas ao desenvolvimento. Dá, sim, para ousar mais, arriscar mais. E o excesso de cautela, a essas alturas, será o outro nome para covardia”.

Querem saber? Naquele embate, Carvalho, de quem tenho a honra de ser amigo, estava certo. Mas uma escolha se impunha a FHC, convenham. Ou ficava com o ministro da Indústria e Comércio, que tinha sido seu braço direito quando ministro da Fazenda e na sua primeira gestão, ou com seu ministro da Fazenda. 
Dadas as circunstâncias, Carvalho saiu. FHC demitiu aquele que era e segue sendo seu amigo pessoal — amizade que não chegou nem a ser arranhada.

Homens de Estado têm amigos pessoais, como todo mundo. Mas, já resumiu Max Weber com absoluta propriedade, a ética dominante de quem faz política é a da responsabilidade — com toda a carga que tem essa palavra — não a da convicção, ainda que aquela sem esta degenere em mero formalismo sem substância. Mas é certo que a convicção que ignora as circunstâncias é o caminho certo para a crise.

Temer acerta no seu primeiro ato de governo, mesmo que ainda fora do governo.

27 de abril de 2016
Reinaldo Azevedo, Veja



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