Muito já foi escrito sobre a Revolução de 1964, seus antecedentes e suas realizações, mas foram poucos os que conseguiram vislumbrar o universo de interesses internacionais ocultos nas entrelinhas da História.
Esta matéria, baseada no noticiário de jornais, revistas e demais publicações da época, objetiva resgatar a memória histórica a respeito da deposição do presidente João Goulart em 31 de março de 1964. A responsabilidade do Partido Comunista Brasileiro, ao que se saiba, ainda não foi contada da forma com que será aqui apresentada às novas gerações que não viveram aqueles dias de fúria.
Em agosto de 1950, a direção do PCB aprovou o chamado Manifesto de Agosto, consolidando uma virada à esquerda. Foi uma espécie de autocrítica à ilegalidade em que o partido fora colocado pela Justiça Eleitoral – e não pelo presidente Dutra, como muitos acreditam e propalam – em maio de 1947. O Manifesto de Agosto propôs a constituição de uma Frente Democrática de Libertação Nacional.
Embora o PCB mantivesse sua postura de oposição em relação à candidatura de Getulio Vargas, eleito em 1950 e, posteriormente ao seu governo, uma mudança fundamental se faria presente com o suicídio de Vargas em agosto de 1954. Da noite para o dia, sem necessidade de qualquer Manifesto ou Resolução Política da direção do partido, o PCB, atônito com a reação das massas, modificou a sua posição política, abandonando as acusações contra Vargas e passando a buscar alianças com o Partido Trabalhista Brasileiro.
No Manifesto de Agosto, o partido declarava: “Estamos em face de um governo de traição nacional (...) Precisamos libertar o país do jugo imperialista e pôr abaixo a ditadura dos latifundiários e grandes capitalistas, substituir o governo de traição, da guerra e do terror contra o povo por um governo efetivamente democrático e popular”. Com esse Manifesto, Prestes lançou a Frente Democrática de Libertação Nacional, que redundou em um fracasso, tendo os comunistas se contentado com a infiltração nos partidos políticos e com a eleição de aliados e criptocomunistas no Parlamento.
Considerando o conceito marxista ortodoxo de que “os reacionários não cederão sem luta”, a palavra de ordem de preparação para a luta armada constava em todas as declarações do partido. “Sem destruir as bases do atual regime” – disse Prestes no IV Congresso do PCB, em novembro de 1954, apenas dois meses após o suicídio de Vargas – “não é possível libertar o Brasil do jugo imperialista”. Todavia, “esse regime” ao qual ele se referia era o regime de Vargas, que não mais existia, pois as teses para o Congresso haviam sido aprovadas antes de sua morte...
Dois anos depois, quando em fevereiro de 1956 Nikita Kruschev lançou a doutrina da coexistência pacífica, o PCB sofreu um violento impacto, perdeu o rumo e ficou sem saber como interpretar o que seria coexistência pacífica.
Em uma Declaração, publicada dois anos depois, em 1958, o PCB assinalou que “os documentos do XX Congresso do PCUS motivaram nas fileiras do nosso partido uma intensa discussão, no curso da qual foram submetidos à crítica os graves erros de caráter dogmático e sectário da orientação política do partido”. Sempre foi assim: quando os erros são apontados a culpa é dos operadores da política partidária; e quando ocorrem avanços e vitórias políticas, o responsável é o Grande-Timoneiro, o Secretário-Geral.
O PCB, então, obediente às diretrizes do PCUS, ingressou em uma nova fase, traduzindo a “coexistência pacífica” de Kruschev por “caminho pacífico da revolução brasileira”. O “caminho pacífico” acarretava uma intensificação das ações políticas, em detrimento de outras, como o apelo à violência, que só seria feito caso o adversário – “os inimigos do povo brasileiro” – não aceitasse essa imposição e reagisse. Uma Resolução Política do partido, nessa época, era clara a esse respeito:
“A escolha das formas e meios de transformar a sociedade brasileira não depende do proletariado e das demais forças patrióticas. No caso de que os inimigos do povo brasileiro venham a empregar a violência contra as forças progressistas da Nação, é indispensável ter em vista uma outra possibilidade: a de uma solução não pacífica”.
Essa foi a engenhosa concepção do “caminho pacífico da revolução brasileira”. A violência só seria utilizada quando “os inimigos do povo brasileiro” não aceitassem e se curvassem passivamente ao domínio comunista.
Com essa orientação, em agosto de 1960, sob a proteção oficiosa do governo, o PCB, um partido tornado ilegal pela Justiça Eleitoral, reuniu seus dirigentes em um prédio na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, e ali realizou o seu V Congresso, ocasião em que foram estabelecidas várias exigências para apoiar a chapa Lott-Jango à presidência da República. Algumas dessas exigências foram: concessão de legalidade ao PCB; estabelecimento de relações diplomáticas com a URSS, China e demais países socialistas; anulação dos tratados militares com os EUA; reforma agrária radical e defesa do regime cubano nos fóruns internacionais.
Em agosto/setembro de 1961, com a renúncia do presidente Jânio Quadros, o PCB aproveitou o episódio da ascensão de Jango à presidência – embora num regime parlamentarista - para mobilizar todo o seu aparato de agitação e propaganda, vislumbrando a perspectiva de implantação de um regime socialista no Brasil. Nesse sentido, recomendaram um plebiscito – realizado dois anos depois, em setembro de 1963, que revogou o parlamentarismo - e a imediata punição e expurgo dos militares que haviam se oposto à posse de Jango. Os dirigentes do PCB, com Prestes à frente, imaginaram que o partido estava dando um salto de qualidade.
A partir daí, o PCB ampliou sua influência nos sindicatos e passou a pressionar em favor do registro eleitoral do partido. Foi criado o Comando Geral de Greve, posteriormente transformado em Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).
Apenas um mês depois da posse de Jango, em outubro de 1961, Brizola, Miguel Arraes, Francisco Julião e outros comunistas fundaram, com a célebre “Declaração de Goiânia”, a Frente de Libertação Nacional, destinada “a libertar o povo brasileiro da ação exploradora dos trustes e capitais estrangeiros”. Essa Frente foi logo apoiada publicamente por Prestes e, de imediato, os comunistas passaram a nela se infiltrar, obtendo seu controle. Em vários pontos do território nacional passaram a surgir Comitês de Libertação Nacional que não passavam de filiais ostensivas do PCB.
Logo a seguir, foi realizado O III Encontro Sindical, no Rio de Janeiro, e o I Congresso dos Lavradores Agrícolas, em Belo Horizonte, ambos inteiramente dominados pelo PCB.
Nesse ínterim, Prestes, em companhia de vários membros do Comitê Central, seguiu para Moscou, onde todos tiveram um encontro pessoal com Kruschev e Suslov (principal ideólogo do PCUS), que lhes deram orientações sobre as ações que o PCB deveria passar a desenvolver. Os pormenores desse encontro estão descritos nas famosas Cadernetas de Prestes, apreendidas em sua casa, em São Paulo, após a Revolução de 1964.
Em 24 de novembro de 1961, três dias antes da tradicional cerimônia de homenagem aos mortos na Intentona Comunista, Jango reatou as relações diplomáticas com a União Soviética e recebeu, de Prestes, um telegrama de congratulações, em nome dos comunistas brasileiros. O ministro das Relações Exteriores era Santiago Dantas.
As greves prosseguiam e a imprensa comunista excedia-se em manifestações contrárias às autoridades, o que causou o empastelamento, por um grupo de militares e civis, do jornal marxista “O Binômio”, em Belo Horizonte, jornal dirigido por José Maria Rabelo.
Ainda em 1961, as divergências internas no PCB, originadas pela linha pacífica adotada pelo partido, com a revisão dos Estatutos – abolindo a expressão marxismo-leninismo - e mudança do nome de Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro, objetivando uma legalização perante a Justiça Eleitoral, ocasionaram uma cisão que redundou na expulsão de vários dirigentes que logo se reuniram e refundaram, em fevereiro de 1962, o Partido Comunista do Brasil - que existe até hoje – rompendo com a União Soviética e adotando a chamada linha chinesa. Logo a seguir, ainda no governo João Goulart, o novo PC do B, em 29 de março, mandaria à China, a fim de receber treinamento armado na Academia Militar de Pequim, o primeiro grupo de militantes que a partir de 1966 participariam da Guerrilha do Araguaia.
No início de 1962, a infiltração comunista na Petrobrás e na UNE assegurava o virtual domínio do PCB nessas organizações. No Ceará, em 9 de janeiro, foram realizadas manifestações e passeatas lideradas por sacerdotes, em favor das “reformas de base”.
Através do Pacto de Unidade e Ação, constituído quando do VI Congresso dos Ferroviários, os comunistas passaram a controlar os meios de transporte. Quando da posse da diretoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), enquanto o presidente Jango usava da palavra, fazendo um discurso, os assistentes não paravam de gritar, dando vivas a Cuba.
Em fevereiro de 1962 o PCB lançou uma campanha em favor da encampação das concessionárias de serviços públicos, da reforma agrária radical e das Ligas Camponesas. O partido seguia, à risca, evidentemente, as ordens de Kruschev e Suslov. Os governadores Mauro Borges, de Goiás, e Leonel Brizola, do RS, articularam no Rio de Janeiro a constituição de uma Frente Nacional de Libertação.
Em março de 1962, o PCB promoveu ruidosas comemorações no seu aniversário de fundação, prestando homenagem “aos camaradas que tombaram na luta”. Foram realizados comícios no Rio de Janeiro e festa popular em Niterói; em São Paulo, em uma manifestação no estádio do Pacaembu, com a presença do futuro ministro do Trabalho, Almino Afonso, foi cantado o Hino da Internacional.
A seguir, os estivadores entraram em greve e Prestes fez um discurso em Santos, defendendo o direito de greve.
03 de novembro de 2014
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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