"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 20 de setembro de 2014

A FORÇA FRÁGIL DA PALAVRA - OU A "MÁQUINA" DO MUNDO SOBRE UMA DÉBIL MOLA MESTRA


 
Os profissionais de educação e de comunicação de um modo geral fazem do mais frágil dos instrumentos, a sua força de trabalho: a palavra. Drummond já dizia que “lutar com palavras é a luta mais vã”. A sua “luta vã” pode aqui ser entendida como a dificuldade em obter resultados maciços com a utilização de tão “etéreo” instrumento.
 
Embora disfarçada por uma aura de fragilidade, as sagradas escrituras em muitas passagens legitimam o poder contido na palavra. Desde que o mundo é mundo, existe toda uma superstição em torno dela; o poder das pragas proferidas num momento de fúria; o cuidado em não contar planos pessoais para que nada dê errado... Nos registros sagrados vemos que tudo o que existe, existiu primeiro no pensamento, expressou-se pela palavra e concretizou-se em obras.
 
O mundo, segundo o cristianismo, existiu antes no plano espiritual para depois assumir sua forma material.  “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Tudo foi feito por Ele; e nada que tem sido feito, foi feito sem Ele. NEle estava a vida, e a vida era a luz dos homens.”(João1:1-4). Deus quando fez um acordo com Abrão e Sarai (acordo esse que significaria uma mudança de vida), mudou o nome dos dois para Abraão e Sarah; Saulo (hostil perseguidor dos cristãos), convertendo-se ao cristianismo, passa a chamar-se Paulo.  
 
Falando em linguagem de “dia de semana” como dizia Damázio, o “famigerado” personagem do conto de mesmo nome do grande Guimarães Rosa, a palavra tem força, poder e condição de mudar o mundo. Que mundo? O mundo daquele que busca conhecimento, que deseja sair de onde está, que não se contenta com o status quo. Resumindo num grande clichê: o conhecimento é luz e poder.
 
O grande desafio, constatado com a propriedade de uma profissional de educação, é “tão somente” conquistar essa geração que desabrocha-se à nossa frente; mas que mata-se, desperdiça-se, gasta seu tempo em futilidades, quando na verdade, tem toda a condição de exercer sua cidadania de maneira inteligente, baseada em conhecimento. Daí a dificuldade mencionada por Drummond: conquistar o outro e persuadi-lo através da palavra. 
 
Trabalhei este ano como monitora de Língua Portuguesa em um projeto do governo do Estado da Bahia, intitulado “Universidade para todos”. O projeto consiste na admissão de alunos oriundos de escola pública baiana para matrícula em um cursinho pré vestibular.
 
O projeto é um embuste, uma mentira para como tantas outras, mascarar a realidade do estudante de baixa renda. As aulas começam em Maio/Junho, já às portas do recesso junino; o material didático, um módulo (desatualizado), chega já próximo ao fim das aulas; os professores recebem o pagamento trimestralmente.
 
Não adianta reclamar, nem fazer barulho: quando procuramos saber sobre o atraso nos pagamentos, jogam-nos de lá pra cá, para um e para outro, e no fim, só recebemos quando o dinheiro “chega” depois de uma longa viagem. Vistas tais condições, não é preciso dizer que o aluno desse projeto não apresenta condições de competir em pé de igualdade com um aluno de cursinho particular, que começa suas atividades logo após o carnaval, ainda no início do ano. Só os que correm por fora, conseguem conquistar.
Como professora, sinto-me inerte. O que fazer para contribuir de fato com esse alunado? O que fazer para acrescentar a esses indivíduos, não só o conhecimento técnico que a matéria exige, mas principalmente a vontade, o desejo, a necessidade de aprender? Sou totalmente contra a massificação de conteúdos, a transmissão pura e simples de regras; quero, busco que o meu aluno deseje aprender, e veja nisso a oportunidade de mudar o mundo. O seu mundo.
 
Embora tudo isso me abata de vez em quando, sou presenteada com gratas surpresas. Este ano, tive duas turmas maravilhosas que sempre buscavam de mim; não só as mal afamadas regras de gramática e interpretação de texto, mas também as minhas posições sobre questões atuais que tanto impactam sobre as nossas vidas. Todo fim de aula, os alunos comentavam sobre alguma notícia sobre política, ou outro assunto e iniciavam um debate. Que maravilha!
 
Pude ver que realmente buscavam e queriam saber sobre tudo, sobre o que de fato importa. Quero que eles sejam bons e firmes em suas opiniões; que saibam diferenciar os discursos. Discursos esses que, em nosso país, servem em sua maioria para engabelar o povo tendo um interesse escuso como fim. Sou feliz quando vejo que contribuo um pouquinho para que eles possam sentir o poder do conhecimento em suas vidas, que o amem e o busquem.
 
A máquina do mundo de Drummond surgiu e abriu-se num momento em que, para ele, não interessava mais: o jovem que a buscara anteriormente tornara-se um homem alquebrado e desiludido, portanto, recusou o que antes tanto almejara. O conhecimento buscado, alcançado, consolidado e aplicado para o bem, é como uma máquina cujas engrenagens não são somente eficientes, são principalmente eficazes.
 
20 de setembro de 2014
Jussara Carvalho Rocha é Professora de Língua Portuguesa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário