"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

COMPRE DILMA, LEVE LULA

O presidente do PT, Rui Falcão, avisou: quem votar em Dilma Rousseff estará votando, na verdade, em Lula - aquele que, segundo suas próprias palavras, não consegue "desencarnar" da Presidência.

A "promoção casada" foi explicitada em entrevista de Falcão ao jornal Valor. Respondendo a uma questão sobre se Lula terá "maior participação" em um eventual segundo mandato da presidente, o petista disse que "sim" e explicou, praticamente sem rodeios, que a passagem de Dilma pelo Planalto serviu apenas para guardar lugar para seu chefe.

"Precisamos eleger a Dilma, para o Lula voltar em 2018", disse Falcão. "Isso significa que, ela reeleita, começa o ciclo de debate, de planejamento, para que o nosso projeto tenha continuidade, com o retorno do Lula, em 2018, que é a maior segurança eleitoral de que o projeto pode continuar."

A preocupação de Falcão e da militância petista é compreensível. Embora a propaganda oficial martele que o PT está fazendo um governo revolucionário, que tirou milhões de pessoas da miséria e as levou ao paraíso do consumo, os eleitores em geral parecem cada vez mais descontentes. Com crescimento econômico pífio, inflação alta e perspectivas sombrias para o emprego, é natural que o tal "projeto" petista esteja sendo questionado, conforme mostram todas as pesquisas de opinião e de intenção de voto.

Para Falcão, porém, a chamada "nova classe média" tem reclamado do governo porque não foi devidamente instruída sobre os benefícios que a administração petista lhe deu. Faltou que Dilma lembrasse a essa gente que sua ascensão social se realizou não graças a seus méritos pessoais, mas pelas magnânimas políticas do governo. É a tese da ingratidão, levantada pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e corroborada por Lula. "Essa ideia do mérito próprio estimula a fragmentação, o individualismo, afasta as pessoas de coisas mais sociais, coletivas", disse Falcão. Para ele, Dilma errou ao não "dialogar" com essa classe média "individualista".

O recado de Falcão é que, se Dilma conseguir se manter no cargo - graças à imensa exposição que ela terá na campanha na TV e aos programas sociais que sustentam uma formidável base de clientes do PT -, a presidente não terá mais autonomia para imprimir o seu estilo de governar. A mensagem da cúpula do partido serve tanto para Dilma quanto para o eleitorado, ressabiado com a possibilidade de que a presidente, uma vez reeleita, imponha de vez uma agenda vinculada às suas convicções ideológicas, que hostilizam o capital e desconfiam da democracia representativa.

O dirigente petista afirmou que, até agora, Lula procurou não se intrometer, para que Dilma "se afirmasse". Foi, segundo suas palavras, um "distanciamento planejado e deliberado". Não que Lula tenha deixado de se imiscuir em assuntos que diziam respeito apenas à sua sucessora ao longo do primeiro mandato. Ele teve de aparecer várias vezes para apagar incêndios políticos diante do notório alheamento da pupila em relação ao Legislativo, incluída aí a própria bancada do PT.

Lula também deu pitacos sobre a política econômica. Em algumas oportunidades chegou a ser absolutamente direto: "Nós poderíamos estar melhor, e a Dilma vai ter que dizer isso na campanha claramente: como é que a gente vai melhorar a economia". Além disso, Lula incluiu no governo de Dilma olheiros de sua estrita confiança, como Gilberto Carvalho e Ricardo Berzoini, ministro de Relações Institucionais.

Agora, porém, a intenção, a julgar pelo que declarou Falcão, é ir além. Lula e a cúpula do PT farão de tudo para limitar o raio de atuação de Dilma e, portanto, tentar reduzir os danos eleitorais causados pelo desgoverno de sua administração, que criou um fosso entre a Presidência e o Congresso, os empresários e a classe média.

Como se Dilma fosse uma "trainee" no Planalto, Falcão disse que ela fará um segundo mandato melhor do que o primeiro porque "aprendeu muitas lições". A principal delas talvez tenha sido a de que, como criatura de Lula, não é possível se libertar dele.

 
13 de agosto de 2014
Editorial O Estadão

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