"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

O MELHOR DA COPA


Cada um enxerga a Copa com seus próprios olhos. Para um jogador de futebol em começo de carreira, pode ser a vitrine que o vai propulsar ao estrelato mundial. Para um técnico profissional, pode significar a abertura de interessantes oportunidades. Para autoridades nacionais, pode servir de trampolim para angariar simpatia e votos. Para empresários corruptos, é o momento de contar e recontar a fortuna amealhada nas costas dos bobões habituais.

Para indiferentes ― que os há, acredite! ― é hora de tirar uns dias de férias e desaparecer do mundo dos mortais. Para torcedores, é um momento de emoção, de alegrias, de tristezas. E no final ― quem sabe? ― pode até chegar a hora de gozar a alegria suprema de ver a esquadra nacional subir ao degrau mais alto do pódio. A todos, é permitido sonhar.

Como não sou jogador, nem selecionador, nem autoridade, nem empresário corrupto, não lanço à Copa olhar profissional. Aprecio o esporte em si. Gosto muito daquele balé colorido e imprevisível em que a partitura é inventada e reinventada a cada instante.

Um dos atrativos maiores do futebol é justamente essa incerteza quanto ao resultado. Em outros esportes, o melhor costuma vencer. É raro que, em atletismo, o mais rápido ou o mais ágil deixe de levar a medalha. No futebol, não é assim. Já vi a Itália perder para a Coreia do Norte. Aconteceu na Copa de 1966. O resultado deixou trauma que, passado meio século, ainda não se dissipou.

Há momentos mágicos em que um jogador manda a bola por cima de meia dúzia de adversários para aterrissar aos pés de um companheiro que, por sua vez, dá sequência à coreografia. Sejam quais forem os times em campo, o espetáculo é sempre bonito. Se houver emoção, melhor ainda.


Homem com a mão no coração (detalhe) by Frans Hals, pintor flamengo, séc. XVI
Homem com a mão no coração (detalhe)
by Frans Hals, pintor flamengo, séc. XVI



Mas há um momento, nesses jogos internacionais, que ― para mim ― paira acima de todos: é a hora do hino. O nosso é fabuloso. Se hino bonito ganhasse Copa, o nosso teria mais estrelas que a Marselhesa. O nosso é de escutar em pé, mão do coração, nó na garganta.

Recortei e guardo até hoje um artigo que o jornal londrino Guardian publicou doze anos atrás, por ocasião da Copa de 2002. O autor faz esfuziantes elogios ao hino brasileiro dizendo que é o mais gentil, o mais alegre, o mais melodioso, o mais envolvente. Parece escapado de uma ópera de Rossini. Chega a dizer que nosso hino é um dos grandes presentes que o Brasil deu à felicidade humana. É mole?

Parece que a Fifa impõe que a execução do hino de cada país não exceda um minuto e meio. Muitos cabem nessa exigência. O nosso, não. O resultado é que nosso cântico nacional costuma ser truncado, sustado na metade, deixando os jogadores com cara de bobos e o público com um gosto de quero mais.

Hino Brasil

Entendo que regra é regra. Leis não são feitas para serem discutidas, mas para serem cumpridas. Mas, convenhamos, nossos (sempre) distraídos congressistas, aqueles que assinaram sem ler a Lei Geral da Copa, deviam ter pensado nesse detalhe.

Posso até entender que se desviem alguns bilhões do dinheiro brasileiro para construir estádios monumentais, mas tenho dificuldade em aceitar que um de nossos símbolos nacionais mais fortes seja desfigurado diante de bilhões de terráqueos.

Os bilhões de dólares, com «arenas» ou sem elas, com «Copa das copas» ou sem ela, seriam desviados de qualquer maneira. Mas truncar o hino, ah, está aí um crime facilmente evitável.

No momento em que escrevo, faltam ainda algumas horas para a abertura do campeonato. Quem sabe uma luz terá baixado nos organizadores? Quem sabe nos deliciaremos com a execução integral da primeira parte do hino?
O futebol é esporte que sempre reserva alguma surpresa. Vamos torcer. Esperemos que seja executado sete vezes. Por inteiro.

12 de junho de 2014
José Horta Manzano

NOTA AO PÉ DO TEXTO

Anatole France, o príncipe dos céticos e pessimistas, escreveu em um dos seus livros - já não me recordo em qual - uma deliciosa sentença que faz a alegria dos niilistas e anarquistas: " as leis são como as virgens, existem para serem defloradas".
Isso ocorre-me agora, quando leio no texto que "as leis foram feitas para serem cumpridas". 
Fica a sensação de um universo humano absoluto, quando sabemos, e a história nos mostra isso a cada geração, que a  nossa humanidade patina no plano eterno do relativo, onde a verdade nos parece sempre uma fantasia.
E o que seria de nós se não fosse a relatividade dos fatos e das coisas?
O que gosto em Anatole France é exatamente essa dimensão de mistério iconoclasta que não admite a verdade.
Le jardin d'Epicure, um dos seus livros cuja leitura inquietante para os que acreditam na estabilidade dos humores humanos e na permanente serenidade dos dias e das noites, desperta aquele sentimento instável que procuramos negar a cada momento.
Quando Miguel de Unamuno afirma, peremptoriamente, que "não gosta de Anatole France, porque não sabe indignar-se", fiquei pendurado entre os dois abismos do homem: o que acredita nas virtudes humanas, e o que é absolutamente indiferente aos sentimentos humanos.
Enfim, continuo com o silêncio noturno e abismal do infinito pascaliano...
m.americo

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