"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

ARMÍNIO FRAGA: "SÓ ELEVAR JUROS É INÚTIL CONTRA SAÍDA DE DÓLARES"

ENTREVISTA ARMÍNIO FRAGA
 
Para ex-presidente do BC, foco do Brasil tem que ser manter a inflação na meta
 
Quando desembarcou no Brasil em 1999, o economista Armínio Fraga voltava ao país para assumir o Banco Central em meio a uma crise cambial que quase quebrou o país.
 
A extrema dependência que o Brasil havia adquirido dos capitais internacionais provocou uma crise de desconfiança que desembocou numa fuga de capitais. O dólar passou de pouco mais de R$ 1 para quase R$ 2,20.
 
Como reação, o governo elevou a taxa de juros para 45% ao ano e o regime de câmbio fixo foi desativado.
 
Em entrevista à Folha, Armínio afirma que, nesses momentos em que os países são postos à prova, defender-se só com juros não adianta.
Turquia, África do Sul e Índia subiram suas taxas recentemente. O Brasil vem elevando a Selic desde abril.
Esses países, mais a Indonésia, são "os cinco frágeis".
 
A desaceleração do crescimento chinês e a recuperação dos EUA, com a consequente migração de capitais para lá, são o novo compasso mundial. Os tempos de juro zero para induzir o crescimento estão em extinção. Para Armínio, maior controle de gastos pelo governo pode ajudar o Brasil na turbulência.
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Folha - O que deflagrou essa piora, dos últimos 15 dias, dos países emergentes?
Armínio Fraga - É difícil identificar uma causa específica, a não ser que seja um grande evento. Acho que foi especialmente a China, que veio com dados fracos [de atividade] e aconteceu uma ameaça de default [calote] de um produto do "shadow bank" deles, que é um setor enorme lá [é uma parte do setor financeiro, com pouca ou nenhuma regulamentação].
 
Mas, se você olhar bem, as moedas que mais se mexeram --da África do Sul, da Índia e da Turquia-- estão se depreciando [ante o dólar] desde 2011. O real se mexeu lá atrás, com a crise na Europa, teve uma fase de estabilidade, e a partir de maio de 2013 passou a se desvalorizar mais.
Então é um quadro que não começou há 15 dias.
 
Acho que o que está por trás disso é uma combinação de movimentos de curto prazo, concentrados na China, mas que têm como pano de fundo uma tendência de normalização das taxas de juros.
 
Mas há certa fragilidade desses países, que no período de dinheiro barato viram seus deficit em conta-corrente crescendo [saldo negativo nas relações com o exterior], ao mesmo tempo em que a inflação subia, apesar da longa fase de melhoria das relações de troca [bons preços para suas exportações].
São países mais vulneráveis do ponto de vista macroeconômico em geral. Alguns estão com inflação alta e crescimento baixo, em um ambiente financeiro que pode ficar mais apertado.
 
É justo o Brasil estar no grupo dos "cinco frágeis"?
A Turquia tem um deficit em conta-corrente maior e pouca reserva, mas vinha crescendo muito mais. Há um certo mau humor com os emergentes em função disso tudo. Infelizmente o Brasil está nesse grupo. Mas não quer dizer que isso não possa ser administrado.
O Brasil vem dando um início de respostas, com a normalização das taxas de juros, que estavam lá embaixo sem sinal de que a inflação estava em um nível de controle.
Houve as privatizações de infraestrutura. E agora estão falando também em moderar a política fiscal e a expansão de crédito dos bancos públicos. São respostas tradicionais nesse tipo de situação.
 
Economistas dizem que o governo deveria dar um sinal mais forte de contenção de gastos, como em 1999 [naquele ano, o superavit primário subiu de 0,29% para 2,9% do PIB]. Acredita que vão fazê-lo em um ano de eleição?
Esse sinal deveria ser dado. Mas não me arrisco a fazer prognósticos. Faz parte de um quadro maior que infelizmente está aí e que não tem sido capaz de entregar crescimento econômico. É um modelo que não é sustentável e que teria que mudar. Mas o fiscal com certeza seria um sinal importante. Não só o número em si mas como chegar lá. Não quero dizer que seja fácil, mas é necessário.
 
Os países estão elevando as taxas de juros para evitar a fuga de capitais e a desvalorização de suas moedas. Vai dar certo?
Defesas contra esse tipo de movimento baseadas só em juros não são garantia de sucesso. Você pode imaginar um caso ou outro em que os juros estavam fora do lugar e eram a única variável que precisava ser ajustada. Mas a maioria dos casos não é assim. Os juros devem trabalhar pensando na inflação. E de preferência contando com o apoio de outras ferramentas, para que o esforço do banco central não seja exagerado.
 
A queda do real vai continuar?
É possível, mas isso depende de muita coisa.
 
O BC deveria elevar mais os juros para frear o movimento?
O melhor que o BC pode fazer é trabalhar para que as expectativas de inflação fiquem bem ancoradas e na meta. E de preferência com apoio da política fiscal e de crédito.
 
01 de fevereiro de 2014
MARIANA CARNEIRO -  FOLHA DE SÃO PAULO

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