Poucas circunstâncias poderiam ser tão propícias do que uma noite chuvosa, no meio de um feriado prolongado em uma cidade interiorana, para se refletir acerca dos mais básicos problemas de parte da intelectualidade brasileira. Afinal, por mais tediosa que possa ser tal noite, em nada ela se compara com o vazio de ideias presente em nosso país.
Lendo os periódicos jornalísticos nacionais, nota-se o temerário estado dos pensamentos levados a sério pelos brasileiros. Alguns jornalistas insistem em serem especialistas em uma coisa por dia, outros se escondem atrás do politicamente correto para fazer suas propagandas ideológicas. Ainda existem aqueles que procuram se valer de seus títulos acadêmicos ou profissionais para tecer opiniões sobre assuntos dos quais pouco demonstram saber. Cito o Doutor Drauzio Varella como exemplo emblemático disto.
Em alguns de seus textos, escritos há algum tempo, o oncologista pronuncia com ares de especialista, os mais absurdos argumentos em certos textos. Em um deles o distinto médico escreveu que o fato do homossexualismo ser natural, isto é, estar presente nas mais variadas espécies do mundo animal, torna-o aceitável como conduta social. Embora eu não tenha a pretensão de entrar no mérito dessa discussão, e nem sequer teria informação suficiente para fazê-lo mesmo que quisesse, não devo deixar de atentar para o óbvio fato de que o homossexualismo não é a única conduta presente no mundo animal em geral. A pedofilia, o estupro, e outras tantas condutas absolutamente reprováveis também estão presentes em muitas das espécies do reino animal. E isso, de maneira alguma, as torna legítimas, fato esse que o Dr. Varella omite cuidadosamente enquanto posa como progressista e recebe os aplausos.
Certamente ninguém acha razoável comparar o homossexualismo à pedofilia e ao estupro, e eu compartilho dessa visão, porém a ampla ocorrência dessa conduta sexual nas variadas espécies do reino animal não justifica a sua aceitação social. Vou além; arrisco dizer que existem numerosos motivos pelos quais a conduta homossexual não deve ser reprimida pela sociedade, mas o motivo citado anteriormente definitivamente não é um deles.
Ademais, creio que nada melhor para ilustrar o estado de coisas já descrito, que a vulgarização do termo fascista. Essa parece ser a nova moda, e vai desde o estudante, que envereda por uma ideologia esquerdista e segue alcunhando todas as pessoas que vê pela frente de fascistas, passando pelo jornalista iluminado da Folha de São Paulo, que taxa com este termo todo aquele que discorda dele, até ao Movimento Brasil Livre, que agora adora chamar os militantes da esquerda, sobretudo os do PT, de fascistas.
Há algum tempo me deparei com a seguinte pérola: um vídeo de uma jovem que explicava como lidar com os fascistas no cotidiano. Segundo ela, é muito corriqueira a presença deles em jantares de família, conversas de botequim, turma do colégio, da faculdade, e por aí vai. Tal conjectura me deixou bastante espantado, afinal de contas, parece que podemos encontrar com gente como Mussolini em toda parte, até nas ocasiões festivas. Imagine só, parece que os fascistas saíram vitoriosos, afinal, dominaram o mundo inteiro, e temos até que aprender como lidar com eles.
Tudo isso tão somente ilustra um panorama de profunda incultura. Sim, é essa mesma a palavra. Alguém que vê fascismo em tudo ou é um completo louco, ou simplesmente não conhece o fascismo, embora dê dicas de como se livrar dele. Ao que parece esta é uma boa tática para se ganhar qualquer embate de ideias; basta acusar seu adversário assim, e pronto, o sujeito está liquidado, pois tudo mais que ele disser parece perder a legitimidade, dado que se trata de um seguidor de ideias autoritárias (ainda que alguns respeitados intelectuais de nosso país cultuem um espírito autocrático).
Outra variação constante da mesma situação, e que ainda a torna mais burlesca, é quando o interlocutor insiste em apontar quem quer que seja como nazista. Eu entendia que os nazistas nos dias atuais estavam presentes somente no mundo do crime, onde existem gangues neonazistas e facções nazistas, como no sistema prisional americano. Todavia, segundo alguns, os nazistas estão por toda parte. Eis que surge a pergunta: se estão tão presentes, então quem são? Novamente, são todos aqueles que discordam de você. Simples assim. Parece que quando alguém diz algo que desagrada, basta cometer a falácia, acusá-lo de nazista, e como no caso mencionado anteriormente, o sujeito está liquidado, e a contenda está ganha.
O que mais me assombra é a capacidade do Brasil de formar especialistas do dia pra noite. Basta um acontecimento público de maior proporção. Recentemente, pudemos ver a condução coercitiva do ex-presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva, seguida da tentativa de nomeá-lo Ministro-chefe da Casa Civil e, finalmente, a publicação de conversas telefônicas do político em questão. Bastaram esses sucessivos episódios para que todos no Brasil se tornassem grandes conhecedores do processo penal, e outros tantos, sábios constitucionalistas. Em ambos os lados, tanto aqueles que visavam defender o ex-presidente e atacar o andamento do processo, quanto aqueles que alegavam a plena legalidade do processo. O senso coletivo desses grupos produziu muitas vezes a defesa de contrassensos, oriundos do completo desconhecimento e da necessidade de opinar sobre tudo. Nota-se que boa parte dos brasileiros possui uma colossal obrigação de imbecilizar-se.
Essa extraordinária pretensão de dividir tudo em dois lados, e catalogar o lado que não é o seu com adjetivos degradantes, é um dos mais graves atributos que podemos ter. Não deve ser mantido e aqueles que assentem a essa prática, devem ser absolutamente ignorados, não precisam sequer possuir o status de pessoas sérias. Refiro-me a pessoas como Doutor Drauzio, que transforma suas colunas em panfletos ideológicos (dignos de um membro de grêmio estudantil de ginásio) e os coloca acima da realidade.
Aqueles que insistem a encaixar seus adversários, principalmente os adversários políticos, em estereótipos que nada tem a ver com eles, são a razão pelo qual se insiste em dualizar tudo. Bom e mau, mocinhos e bandidos. É que assim é mais fácil se justificar e não exige grande esforço em compreender os eventos.
O uso constante dessa argumentação sacana ocupa, constantemente, o espaço em que deveriam ser expostas as boas ideias. A banalização de certos termos, oriunda de mentes que nada assimilaram sobre os assuntos aos quais se referem, bem como a elevação de certas personalidades ao status de semideuses, além da obscena excitação das pessoas por bobagens e seu desprezo pelo conhecimento, acompanhado de narcisismo autodestrutivo em grandes doses, nos exibe um ambiente nacional que é moral e intelectualmente abjeto, repleto de cacoetes, permeado de conchavos e de corporativismo. Lamento dizer, mas mudanças culturais profundas fazem-se indispensáveis, ou nada que se tentar fazer nesse país dará certo. Jamais.
04 de outubro de 2020
Instituto Liberal
Pedro Vitor é graduando em direito
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