Artigo para O Estado de S. Paulo de 15/10/2019
Sendo prerrogativa exclusiva “do Estado” e não tendo de passar por nenhum filtro de aprovação do eleitorado, a lei brasileira acaba inevitavelmente sendo feita “pelo Estado e para o Estado”. Nada, rigorosamente nada a ver com o “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Essa é a regra de ouro do “Sistema” que nos massacra e só pode continuar nos massacrando porque a imprensa, sem nenhuma exceção, também a acata. Segundo a lei vigente leis defeituosas de legisladores defeituosos podem ser retrucadas com mais leis defeituosas de legisladores defeituosos, jamais pela recusa do “paciente” de aceitar o tratamento venenoso.
Discutir as coisas nos termos em que as põem os políticos de qualquer dos “lados” da privilegiatura inclusive o “do meio” que é tudo referindo às instituições em que se apoia o sistema de privilégios vigente, é acumpliciar-se com a casta entrincheirada por trás da ordem partidária, da lei eleitoral e do monopólio no tratamento da lei. O espírito reformista sem o qual não desatolaremos só voltará ao primeiro plano se a imprensa vestir os sapatos do Brasil plebeu, passar a olhar o debate nacional com os olhos dele e ir procurar respostas fora da vasta “zeladoria do erro” do “Sistema” como fez todo mundo que passou a dar certo.
É de uma covardia absolutamente vexatória que nenhum órgão de imprensa dentro ou fora da internet esteja em campanha permanente pelo Privilégio Zero Já num país que a miséria mergulhou numa guerra mas continua pagando os maiores salários ao funcionalismo entre os 53 medidos pelo Banco Mundial, e crescendo, por cima da estabilidade, das aposentadorias precoces e da dispensa de apresentar resultados que só sobrevivem aqui.
“Será que os próprios privilegiados admitem pensar num ‘estágio probatório’ antes de saltar para o salário que os porá no círculo dos 3% mais ricos de um país miserável”? Aplica-se ou não tal ou qual artigo de perfumaria segundo a constituição que criou a privilegiatura? Vejamos, é um “assunto polêmico”…
E a propaganda eleitoral que você é obrigado a pagar, ela fere ou não o “principio da igualdade de oportunidade”? E por acaso “eleger” não é sinônimo de “desigualar”? Não deveria sobreviver só partido ou candidato que o eleitor se dispusesse a financiar? Se fosse informado ao eleitor quanto cada candidato recebeu de financiamento antes da eleição (nos EUA o prazo máximo é de cinco dias após o recebimento da contribuição) quem pode avaliar com maior isenção e rigor quem está ou não se vendendo, o colega do Estado que se elegeu na mesma mumunha ou o eleitor? O Brasil foi enfiado nessa armadilha patética e permanece nela porque a imprensa, tal como a privilegiatura, exclui de saída a ideia de que o povo possa proteger-se do Estado mais eficientemente que o próprio Estado, e “topa” o debate infindável sobre o que o Estado deverá fazer para evitar a infecção consequente de estar no lugar errado, com exceção de sair de lá.
O brasileiro sabe ou não sabe votar? Quando você erra o caminho você segue em frente até jogar-se no abismo ou volta atras e tenta outro? Porque é negado ao eleitor brasileiro aprender com o seu erro? Como remediá-los legitimamente sem um sistema de eleição que permita saber exatamente quem representa quem, por acaso o mesmo que mata naturalmente toda a roubalheira de campanha e evita que político ladrão volte a se candidatar com a máscara de outro colada à cara? Esse é o sistema em uso em todo o mundo que funciona. Se você nunca foi apresentado a ele está sendo traído pelo seu jornal.
E o que dizer da falta de eleições primárias que libertem o eleitorado das escolhas de um cacique que só se tornou cacique porque comprovou-se mais corrupto que os seus índios? Como sair do brejo sem conduzir o olhar do senso crítico da nação sistematicamente PARA FORA dos mecanismos de auto reprodução dos nossos aleijões inscritos na constituição?
Urna eletrônica? Um artigo contra. Um artigo a favor. Quando é impossível negar o dolo o assunto torna-se “controvertido”. Jamais a receita alemã: transparência é o valor mais alto a ser extraído de toda eleição. Não se trata de saber se houve ou não houve fraude. O crime está em ver negado o único meio incontroverso de acabar com a dúvida.
E a educação, como melhorá-la partindo da premissa de que é proibido aferir o grau de educação do professor que, como não vê esse “direito” contestado, já trata de proibir que se meça o do aluno que remeteria ao seu? E ja que está proibido tocar na raiz da doença tão ululantemente óbvia do professorado e do resto do serviço público tome séculos de discussão sobre currículos mais ou menos “progressistas” e sobre o sexo dos anjos.
Daí a quem nos diz que o remédio para todos os males dos que somos roubados com a lei é chamar a polícia quando um ladrão romântico ainda insistir em roubar-nos também por fora da lei, não vai diferença nenhuma que faça mesmo diferença. Como não odiar os jornalismos que sobem nesses pedestais?
Como é certo que todo erro será petrificado e que as portas da reforma das leis só se abrirão uma ou duas vezes por século, se tanto; como o povo não existe enquanto instância legislativa nem para sugerir, nem para recusar, nem para alterar, seja para os políticos, seja para a imprensa; como será impossível aprender com os erros e reagir com bom senso ao que der e vier; como é mais fácil um raio cair duas vezes no mesmo lugar que revogar leis imbecis, venenosas ou necrosantes ha séculos identificadas como tal, as leis brasileiras, mesmo nas raras vezes em que são bem intencionadas, tendem a tentar antecipar cada reação possível a fatos que ainda não ocorreram e, portanto, a ir emparedando a vida, a liberdade individual e a liberdade econômica na vã esperança de passar ao largo do que virá para impedi-las de funcionar.
O Brasil tem de romper o seu compromisso com o erro. E a única instância do “Sistema” que pode faze-lo é a imprensa, seja a que está aí, seja a que virá para ocupar esse espaço.
15 de outubro de 2019
vespeiro
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