Na sequência da quebra do Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, estava em Nova York para acompanhar os efeitos da maior falência corporativa dos EUA, que pulverizou o banco com 158 anos e 25 mil funcionários. Logo estaria claro que a crise, chamada depois de Grande Recessão, duraria anos. Na chegada, olhava para cima, via os prédios de Citibank, Merrill Lynch e Bank of America e pensava: “Quebrados”.
Em questão de dias, a crise iria de Wall Street para a Main Street (a rua principal, da economia real) e arrastaria gigantes como General Motors, Ford, General Electric e centenas de empresas. O trabalho nos EUA duraria quase dois anos, e a crise, mais uns três para arrefecer. Antes, ela varreria boa parte da Europa, sobretudo os países do Sul, como Portugal, Espanha, Itália e Grécia.
ALÉM DAS POSSIBILIDADES – Com a chegada do euro em janeiro de 2002, essas economias se endividaram para valer com a garantia do Banco Central Europeu e viveram, assim como os americanos faziam há muito tempo, além de suas possibilidades.
Antes da crise, enquanto nos EUA comprava-se imóveis financiados sem parar e empacotava-se essas dívidas em produtos financeiros vendidos ao redor do mundo (tendo como garantia o pagamentos dos empréstimos), os europeus se endividaram para ampliar suas empresas e infraestrutura. E as famílias, para aumentar seu padrão de vida em velocidade alucinante.
A crise de 2008, que agora completa dez anos, foi, portanto, uma crise relativamente simples de entender. Apesar de cifras nos trilhões e de siglas e nomes complicados como Tarp, CPP, CDO e “subprime”, ela pode ser resumida em uma palavra: endividamento.
SOS DÍVIDAS – Bancos, empresas e famílias estavam extremamente endividados até 2008 e demandariam a maior operação conjunta da história dos principais bancos centrais do mundo (Federal Reserve e Banco Central Europeu à frente) para salvá-los.
Eles não só baixaram suas taxas de juros a níveis negativos (abaixo da inflação) como injetaram trilhões de dólares nos mercados comprando títulos de empresas e governos em dificuldades.
Foi isso o que salvou o mundo de uma depressão: os governos se endividaram para socorrer empresas e bancos.
EMPREGOS E IMPOSTOS – Já as famílias tiveram o efeito colateral positivo de não perderem mais empregos do que já vinham perdendo. E o negativo de, ao longo dos próximos muitos anos, terem de sustentar esse endividamento público com seus impostos.
Dez anos depois do início daquele desastre global, o mundo cresce de novo e, nos EUA, a discussão agora é se a economia não está quente demais. A ponto de engendrar uma nova crise a partir de mais endividamento de empresas e famílias.
Em tese, esse não é um problema difícil de resolver. E os bancos centrais de EUA e União Europeia já estão preparados para elevar os juros mais rapidamente e esfriar um pouco as coisas, antes que uma nova bolha de consumo e dívidas se forme.
MOMENTO RUIM – Infelizmente para o Brasil, esse processo se dá em um momento muito ruim, quando constatamos que perdemos mais uma década em meio a crises e baixo crescimento. E que temos pela frente uma série de ajustes a serem feitos justamente quando os países ricos precisarão esfriar um pouco, dificultando nossa vida.
Assim como ocorreu no mundo desenvolvido, nossa crise atual também é de endividamento, mas público. Hoje, o Brasil opera com um déficit fiscal de cerca de 8,5% e uma dívida de 77% como proporção do PIB.
Nosso endividamento se aproxima rapidamente da média dos países europeus. Mas, ao contrário do Brasil, eles não só já deixaram a crise para trás como têm hoje superavit em suas contas (casos de Espanha, Portugal e Itália). Pior: no Brasil, boa parte do aumento da dívida e do déficit não ocorre para nos livrar de uma crise. Mas para nos afundar ainda mais nela, pagando salários altos a algumas castas de servidores e cobrindo um sistema previdenciário em que as contas já não fecham mais.
13 de setembro de 2018
Fernando Canzian
Folha
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