"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

ARGENTINA, DE VOLTA AOS ANOS 1990

O exemplo argentino indica que acertamos na estratégia de choque contra a inflação

A Argentina vai ao Fundo Monetário Internacional. A economia apresenta um déficit de transações com o exterior --contando comércio de bens e serviços e pagamento de juros, lucros e dividendos-- de 5% do PIB, ou uns US$ 30 bilhões.

A dívida pública, somente do governo central, é da ordem de 50% do PIB, sendo que 70% dela é denominada em moeda externa. Quando o câmbio se desvaloriza, a dívida pública aumenta.

Vale entender como chegamos aqui.

Algum tempo depois da grande crise na Argentina entre o fim de 2001 e o início de 2002, quando o país decretou moratória da dívida externa e acabou com a paridade fixa entre o peso argentino e o dólar americano, registrou-se, já no período Kirchner, forte ritmo de crescimento.

Entre 2002 e 2011, a economia cresceu a uma média anual de 6,3%, ou 74% em nove anos.

Três motivos explicam o crescimento: o ponto inicial com elevada ociosidade, em seguida à crise fortíssima; os efeitos benéficos do longo ciclo de commodities; e a colheita das reformas institucionais do governo Menem. Da mesma forma pela qual Lula colheu parte dos benefícios das políticas liberalizantes de FHC.

Evidentemente, o boom de commodities passou, a ociosidade terminou e os efeitos benéficos das reformas institucionais do período Cavallo passaram. Como ocorreu por aqui.

Tanto lá quanto cá, quando o crescimento fraquejou, optou-se por manter a política de pé embaixo. Até esse ponto o paralelismo surpreende.

Por aqui, entretanto, por alguma razão a tolerância do eleitor à inflação e à bagunça fiscal é, em geral, mais baixa. Dilma no segundo mandato começou a arrumar a casa, tanto com Joaquim Levy quanto com Nelson Barbosa. Temer, com Meirelles, continuou.

Muito há a ser feito. No entanto, estamos no caminho certo. Falta a sociedade se pronunciar nas eleições e negociar os detalhes do ajuste fiscal estrutural.

Na Argentina, Cristina Kirchner dobrou a aposta e passou para a oposição a economia estagnada há muitos anos, com inflação na casa de 30% anuais, além do atraso tarifário e do elevado desequilíbrio fiscal.

Chegou um momento em que os desequilíbrios macroeconômicos teriam de ser enfrentados. A arrumação da casa caiu no colo do governo Mauricio Macri.

O desastre com a inflação é que, uma vez ela tendo início, é muito difícil derrubá-la --e impossível sem custo social. A desorganização representada pela elevação sistemática dos preços demanda aumento do desemprego e da ociosidade. É o doloroso mecanismo disciplinador para impedir aumentos excessivos dos salários e dos preços.

Macri calculou que era mais viável politicamente uma estratégia gradual de enfrentamento da inflação. Talvez a existência por lá de eleição de meio de mandato, que encurta de quatro anos para dois anos o prazo para que o Executivo colha os efeitos benéficos dos ajustes inicialmente implantados, tenha pesado na escolha da estratégia gradual.

O gradualismo tinha como uma de suas hipóteses juro zero mundo afora a perder de vista. Os títulos do Tesouro americano de dez anos rodando a 3% ao ano abortaram o gradualismo.

O exemplo argentino indica que acertamos em termos adotado estratégia de choque no combate à inflação.

HETERODOXIA

A ótima coluna de Nelson Barbosa de sexta-feira (11) neste espaço mostrou que não necessariamente heterodoxia é incompatível com responsabilidade fiscal.


17 de maio de 2018
Samuel Pessôa, Folha de SP
Físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador do Ibre-FGV

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