"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

DOIS SÉCULOS SE CONFRONTAM

No Congresso, Zuckerberg tentou esclarecer parlamentares alheios à tecnologia. Mas uma coisa eles sabem: o acordo de usuário do Facebook é uma droga

A semana passada foi marcada pelo depoimento de Mark Zuckerberg ao Congresso dos Estados Unidos. Nenhuma novidade bombástica, nenhuma bola levantada, nada que a rigor já não se soubesse; mas ainda assim, o seu significado simbólico foi imenso, e fez com que usuários e analistas parassem para discutir o Facebook com a seriedade que ele merece. Nunca houve nada na História sequer remotamente parecido com o Facebook, com 2,2 bilhões de usuários (130 milhões no Brasil), muitos deles convencidos de que a rede é a internet e vice-versa. A verdade é que ninguém sabe para onde isso vai, ou como vai, e o que acontece na sua inimaginável amplidão. Estamos descobrindo juntos, à medida em que novos fatos vêm à luz; a empresa está poucos passos à nossa frente.

ZUCKERBERG APRENDEU com os erros de Bill Gates, que, na mesma situação, há exatos 20 anos, deu um show de arrogância e antipatia. Zuck, ao contrário, foi humilde e paciente, como tinha mesmo de ser. Tentou explicar os princípios básicos da coisa a alguns parlamentares que, obviamente, não tinham a menor ideia do que estavam falando e, na medida do possível, esclarecer o que outros, mais preparados, queriam saber. Para mim, a essência do momento histórico era clara: ali estava o século XXI prestando contas ao século XX.

Zuckerberg assumiu os erros do Facebook pessoalmente, como faz qualquer líder com um mínimo de caráter. No mais, todo e qualquer erro crucial da rede é de fato dele, já que a sua cadeia de comando não é suficientemente diluída para que responsabilidades sérias possam ser compartilhadas. E essa talvez seja a grande questão a se enfrentar: uma empresa dessas dimensões pode continuar livre, leve e solta no espaço, sem um mínimo de regulamentação? Por outro lado, usa o Facebook quem quer. O serviço é gratuito. Será que o governo tem mesmo que se meter em tudo?

Quem acha — ou achou — que seus dados estão em segurança na rede foi ingênuo. Dados nunca estão em segurança, ou só estão em segurança até uma nova falha do sistema ser descoberta. Sempre há novas falhas. É preciso, porém, que haja transparência na relação com os usuários, e nesse ponto o Facebook ainda tem que melhorar muito. Para mim, uma das melhores intervenções foi a do senador John Kennedy, um republicano da Louisiana:

— O que todo mundo está tentando dizer a você hoje, e eu vou tentar colocar de uma forma gentil, é que o seu acordo de usuário é uma droga (your user agreement sucks). O objetivo dele é defender o traseiro do Facebook, não informar aos usuários sobre os seus direitos. Sugiro que você volte para casa e reescreva esse troço, e diga aos seus advogados de US$ 1,2 mil por hora que você quer o texto em inglês, e não em suaíli, para que o americano médio possa entender. (...) Eu não quero ter de votar para regulamentar o Facebook, mas, por Deus, eu vou. Isso depende de você. O seu acordo de usuário é uma droga.

O senador lavou a alma não só dos americanos, mas de todo mundo que aceita esses acordos sem ler, pela pura impossibilidade de entender o que eles dizem, seja em suaíli ou em qualquer outra língua — ou seja, por baixo, uns 2,2 bilhões de usuários.


18 de abril de 2018
Cora Ronai, O Globo

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