"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

BUSCAM-SE IDÉIAS

O impasse generalizado que vivem os partidos políticos para a escolha de candidatos à presidência da República demonstra com clareza não apenas a falta de líderes, mas, sobretudo, a desimportância dos programas de governo no debate eleitoral.

Nem PT nem PSDB, partidos que polarizam a política nacional há mais de 20 anos, têm consistência programática que mantenha seus eleitores unidos em torno de ideias, fato que ficou encoberto esse tempo todo justamente devido à radicalização do confronto direto entre eles, que supostamente representam duas maneiras distintas de ver o mundo.

Quando o candidato tucano em 2006, o mesmo Geraldo Alckmin que deve voltar a disputar a presidência este ano, recuou na defesa das privatizações, foi-se a coerência partidária, escancarou-se a disputa do poder pelo poder numa ação mercadológica equivocada.

Assim como a coerência ideológica petista esvaneceu-se quando o partido operário que nasceu para fazer política de outra maneira revelou-se um velho usuário da corrupção como método político, desde o início da escalada a partir de municípios como o Ribeirão Preto de Palocci, com a licitação pública para “molho de tomate refogado, peneirado, com ervilhas", que era produzido por apenas uma empresa.

Ou a Santo André do prefeito Celso Daniel, assassinado por disputas internas no PT pela propina dos serviços públicos. Tanto PT quanto PSDB governaram o país com as mesmas alianças políticas, o que sugere que os partidos que os apoiaram também não tinham programas a serem seguidos, no máximo alguns se sentiam mais à vontade que outros apoiando os governos petistas ou tucanos, mas raros foram os que permaneceram em seu campo programático sem aderir às indecências do poder.

Não há dúvida de que o esquema corrupto montado pelo PT para controlar o Estado brasileiro e colocá-lo à disposição de seus interesses foi uma aberração poucas vezes vista em qualquer país do mundo.

Disseminou-se a corrupção que, antes, era um câncer que existia de maneira pontual e localizada, sem caráter de metástase espalhada pelo corpo institucional do país. A corrupção como método de governo atingiu as raias do absurdo, e terminou por corroer um esquema partidário que já era anódino, transformando-o em mero instrumento de interesses patrimonialistas.

Mesmo em seu estágio pré-petismo, a corrupção de colarinho branco, seja de empresários ou de políticos e funcionários públicos, não era combatida, como foi a partir do mensalão, devido a uma aplicação restritiva da lei que favorecia o estamento dirigente.

O que se vê nos últimos anos é a aplicação da lei de forma a que alcance os que estavam dela protegidos, e há ainda muitos tabus a serem derrubados para que se chegue a um estado em que ninguém está acima da lei.

Desde os vícios corporativos arraigados até mesmo no Judiciário, que amortecem a força moral que garante a seus membros o reconhecimento da sociedade à sua ação revitalizadora da cidadania, até excrescências como o foro privilegiado, cujo sentido foi sendo desvirtuado e ampliado até tornar-se uma proteção para os desvios de conduta, assim como a imunidade parlamentar.

No momento em que o país vive uma das piores crises que já enfrentou, seria imprescindível que os reais problemas nacionais entrassem no debate eleitoral sem que o populismo impedisse o enfrentamento de questões centrais, como as reformas estruturantes.

Infelizmente estamos longe desse dia. Buscam-se nomes em vez de ideias, e para combater promessas irresponsáveis, parece que só temos mais irresponsabilidades a serem oferecidas ao eleitorado. Aguarda-se que a ampliação do espaço de debate abra caminho para candidatos que defendam projetos de país, deixando para trás a radicalização, à esquerda e à direita, que prometia fazer dessa a campanha presidencial mais lamentável dos últimos tempos.


30 de janeiro de 2018
Merval Pereira, O Globo

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