"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 30 de abril de 2017

HERODES RESISTE

Domingo é dia de ir à missa. Dia de rezar e falar mal de Herodes, rei da Judeia, o soberano cruel que decretou a morte dos recém-nascidos de Belém. Calculou-se que naquela cidade viviam cerca de mil habitantes, dos quais uns vinte se enquadrariam na ordem de execução.

Atualmente, segundo dados da ONU/FAO, nosso planeta produz alimentos em quantidade suficiente para sustentar todos os seus habitantes. No entanto, a cada cinco segundos morre uma criança de fome. Isto significa que a cada cem segundos repetimos a chacina de Herodes.

Nos EUA 25% das crianças abaixo de 12 anos passam fome. No Reino Unido uma a cada dez crianças vive na miséria. Na França 8% dos menores de 18 anos estão entregues à pobreza - mal que afeta uma a cada sete crianças alemãs. E no tão rico Brasil - ali, do outro lado da rua - um exército de 50 mil crianças perambula à cata de esmolas. Fazem parte de uma massa de 23 milhões de jovens indigentes.

No campo da saúde nossa vergonha é ainda maior. A cada 30 segundos a malária ceifa a vida de alguma criança pelo mundo afora. No nosso país, a cada dia, 20 crianças morrem por conta de doenças causadas pela falta de um simples esgoto sanitário. Sim, a cada dia repetimos, sobre o solo deste país tão cristão, a chacina de Herodes, aquele monstro bárbaro.

Há quem diga que ele morreu. Eu discordo. Herodes vive.

Diante desta vergonha, perante tamanha falta de coração e de sentimentos, é inevitável a busca pelos culpados. E eles estão por toda parte - afinal, um mal tão grande não pode mesmo ser obra de poucos.

Mas que tal discutirmos, aqui e agora, a nossa parcela de culpa enquanto parte do mundo das leis? Não falo, aqui, de Poder Judiciário. Falo de algo mais amplo. Falo de todo um sistema legal que tem falhado.

Violência contra crianças? Apenas 32 países em todo o planeta a proíbem em todas as suas formas. Desenvolvimento e geração de riqueza? O Brasil poderia crescer 20% mais a cada ano se suas leis fossem aplicadas com maior rapidez e presteza. Impunidade? Da recente crise econômica de 2008, que lançou dezenas de milhões de semelhantes nossos na miséria, não restou um único processado em todo o globo.

Está aí a nossa culpa, a nossa tão grande culpa: resistimos às mudanças, sem perceber que as coisas da vida passam - e passam muito depressa.



30 de abril de 2017
Pedro Valls Feu Rosa e desembargaor do Tribunal do Justiça do Espírito Santo.

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