"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 24 de julho de 2016

OS FRUTOS DA DEMOCRACIA




O governo liberou quarta-feira os aumentos do Poder Judiciário acima de 41%. Primus inter pares porque é lá que se dizem os “sins’” e os “nãos” que confirmam ou anulam tudo que os outros poderes decidem, os “meritíssimos” recebem antes de todos os demais o seu pedaço do pacote de aumento do funcionalismo que, bem no meio da mais cruel crise já vivida pelo resto do Brasil, tomou mais R$ 60 bilhões da economia moribunda para garantir que as “excelências”, seus nomeados e os nomeados de seus nomeados continuem dormindo em paz no meio do pânico que grassa aqui fora.

No STF, que “dá o teto” para o salário de todo o setor público, o “por dentro” salta de R$ 33,7 mil para 39,2 mil, 16,3% a mais. É claro; todo mundo sabe que não ha um único juiz no Brasil, que dirá os do STF, que realmente vive com essa “mixaria”. Não ha cálculos publicados sobre quanto valem todos os “auxílios” e mordomias que lhes pagamos e são chamados de todos os nomes menos “salário” para que a Receita Federal que nos esfola a partir de pouco mais de dois salários mínimos se sinta juridicamente autorizada a tirar candidamente os olhos de cima deles. Por uma distração do “Sistema” na recente luta para expelir esse Eduardo Cunha que desafiou sua hierarquia interna, o país ficou sabendo, por exemplo, que o presidente da Câmara dos Deputados, computados todos os jatos, automóveis, pilotos, motoristas, combustível, hotéis, o “chef” e os tres auxiliares de cozinha, as empregadas e “valets de chambre”, os “auxílios” moradia, escola de filho, assistência médica, paletó, dentista, barbearia e o que mais se imaginar, ganha na verdade a bagatela de R$ 500 mil por mês.


Somente os R$ 60 bi que vão custar esse ultimo aumento nominal – veja bem, não estamos falando da folha de pagamentos da União mas só de quanto ela vai aumentar enquanto você se afoga – poderiam pagar 33,8 milhões de vezes o salário médio do Brasil que, em 2016, chegou a R$ 1.776, ou 68 milhões de salários mínimos de R$ 880. E no entanto, notícias como essas são dadas pelos eruditos do colunismo social da Côrte em que se transfomaram os jornalistas políticos do Brasil, quase como uma vírgula em meio às elucubrações sobre as minúcias dos passes e transações entre partidos e chefes de partidos de que o país real não sabe sequer os nomes para decidir quem vai ficar com que pedaço da pele dele. Faz-se um mero registro desacompanhado de qualquer cálculo, comparação ou reportagem sobre como é a vida dos habitantes desse mundo inimaginavel para a multidão dos brasileiros das periferias “de bloco” que espera em obsequioso silêncio, imobilizada, que as “excelências” se resolvam.

Nesta ultima safra, registrou-se burocraticamente que o governo provisório que confirmou esses aumentos foi constrangido a faze-lo porque se ousasse sequer discutir o assunto a máfia travava de vez o país e acabava de matá-lo. Feito o parentese, com essa ameaça de quase genocídio apenas sugerida, volta-se ao infindável ti-ti-ti da Corte…

Essa nossa constituição que vive sendo saudada aos quatro ventos como “democrática” é o avesso disso. Não passa de um vasto compêndio das exceções ao império da lei e dos privilégios garantidos a uns e negados a outros que abrange virtualmente todos os aspectos da vida e todas as categorias de brasileiros para garantir que nenhum possa se queixar a partir de uma posição moral não comprometida, mas que estabelece uma rígida hierarquia na privilegiatura que regulamenta até a menor das minúcias. O resultado é, sem tirar nem por, um sistema feudal em que “o rei” nomeia os seus barões e outras “nobrezas menores” a quem atribui “feudos” nos ministérios e nas estatais que, por sua vez, criam as clientelas que “protegem”, tudo na base da distribuição de dinheiros que não são eles que produzem a quem fica dispensado de fazer por merece-lo.

Igualdade perante a lei; 1 homem, 1 voto; o direito de cada um decidir o que é melhor para si nas relações de trabalho; a proibição da representação que não seja teleguiada pelo Estado (fundo partidário, imposto sindical, etc.), nenhum dos fundamentos que definem “Democracia”, enfim, está presente neste Brasil do “regulamentismo absolutista”.


O brasileiro vive se flagelando achando que é o povo mais corrupto do mundo mas esta é só mais uma das mentiras que lhe intrujam. No mundo inteiro, em tudo que o Estado entra, rouba-se. O problema é que no Brasil o Estado entra em tudo apenas e tão somente porque se quer roubar em tudo e isso continua sendo possível aqui. No resto do mundo, não existe mais essa discussão. Não é de Estado mínimo ou máximo mas de roubalheira mínima ou máxima que se trata. Para o Estado deixa-se apenas o que não se pode evitar de deixar, porque o que for deixado será inevitavelmente roubado e ha que por essa inexorabilidade na balança. Leis anti-corrupção, por melhores que sejam, são pra enxugar gelo e os esquemas organizados para negar isso pelos que vivem do Estado são ululantemente mentirosos. Todo mundo sabe disso. Não ha exceção de Azerbaidjão a Zaire.

No meio do desemprego e da quebradeira geral, um país acostumado a ser cavalgado busca desesperadamente uma esprança em que se agarrar. Mas desanima o fato de discussões encerradas no mundo todo não terem sequer começado por aqui. É deprimente entender, antes da partida para mais uma jornada de recuperação de prejuízos, que mais uma geração de brasileiros terá o seu acesso à modernidade barrada porque insistimos na roda quadrada.

O Brasil fica sonhando com colheitas mas o fim da miséria, a prosperidade, a paz social são frutos da democracia e é preciso antes adotá-la para poder colhê-los. Enquanto não sairmos do colunismo social da Corte para a cobertura intensiva, gráfica e subversiva do custo social da Côrte; enquanto não começarmos, não apenas a dizer, mas a bradar em fúria que não ha salário para nós porque ha salário demais para eles; enquanto não houver uma só lei para todos nós só colheremos mais do que já temos colhido.




24 DE JULHO DE 2016
IN VESPEIRO, O Estado de S. Paulo



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