"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

COMBATE À CORRUPÇÃO E MUDANÇA NAS PRÁTICAS EMPRESARIAIS

Recentemente, grandes empresas envolvidas na Operação Lava-Jato vieram a público assumir compromissos com a mudança de suas práticas de governança. Como muito já se falou sobre a importância das investigações e da responsabilização dos agentes envolvidos em atos de corrupção, a finalidade do presente artigo é destacar o papel da mudança da cultura e das práticas empresariais para a erradicação da corrupção.

Nesse sentido, não se pode questionar, na atualidade, a importância das instituições para a formatação dos mercados. Afinal, mercados não são espaços espontâneos ou naturais, mas sim espaços sociais e políticos, criados e conformados por instituições. As instituições são, portanto, as "regras do jogo", que definirão e conformarão a atuação dos diversos jogadores.

Consequentemente, não há como se endereçar a questão do combate à corrupção sem se pensar em alternativas para mudar o ambiente institucional. Quando se fala em ambiente institucional, obviamente não se está reduzindo a discussão às regras legais, mas também a todas as demais regras, como as sociais, que, traduzindo os valores e as práticas de uma determinada comunidade em um determinado tempo, influenciam a conduta dos agentes econômicos, criando incentivos ou desincentivos para determinados comportamentos.

Assim, o enfrentamento da corrupção de maneira sistêmica e prospectiva requer necessariamente mudanças institucionais, a fim de estabelecer novas regras para assegurar melhores e mais transparentes relações entre o poder econômico e o poder político. Mais do que isso, envolve igualmente mudanças institucionais que se projetem sobre as estruturas de mercado, a fim de torná-los mais competitivos e transparentes, reduzindo os excessivos custos de transação que decorrem da corrupção.

Dentre as inúmeras iniciativas que podem ser trilhadas nesse sentido, destaca-se a mudança nos valores e práticas do mercado, a fim de se criar uma nova ética empresarial, tal como pretendem o Pacto Global da ONU e o Programa Empresa Pró-Ética da CGU.

No caso do primeiro, trata-se de extenso programa que envolve o compromisso empresarial em quatro importantes searas: (i) respeito e proteção aos direitos humanos, (ii) respeito e proteção ao trabalho humano, inclusive no que diz respeito ao reconhecimento do direito à negociação coletiva pelos trabalhadores, à erradicação do trabalho infantil e do trabalho forçado ou compulsório, e à eliminação de qualquer tipo de discriminação no emprego; (iii) respeito e proteção ao meio ambiente, inclusive no que diz respeito ao desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis e (iv) o combate à corrupção em todas as suas formas.

Já o Programa Empresa Pró-Ética da CGU tem foco mais preciso nas práticas anticorrupção, a fim de assegurar que as empresas "parceiras" promovam boas práticas corporativas não apenas internamente, mas também externamente, ou seja, com todos os seus clientes e fornedores, reforçando a construção de uma rede cujo objetivo é a construção de uma sociedade comprometida com valores éticos.

É interessante notar que tais programas envolvem a adesão voluntária dos agentes econômicos, reforçando a importância da autonomia privada na mudança institucional. É essa precisamente a ideia dos chamados programas de compliance ou de integridade, que são meios que cada agente econômico tem de estruturar e monitorar o cumprimento de normas éticas a serem observadas por toda a organização. A peculiaridade de programas como os da ONU ou da CGU é que, para aderir a eles, as empresas precisam se submeter aos requisitos objetivos exigidos por cada um, a fim de obter as correspondentes contrapartidas, bem como os benefícios reputacionais daí decorrentes.

Longe se serem um aspecto acessório no combate à corrupção, tais iniciativas são de extrema importância, até porque os recursos do Estado são limitados para combater a corrupção apenas por meio de uma legislação punitiva. Por essa razão, há que se criar incentivos para que os agentes econômicos possam espontaneamente conduzir seus negócios em observância aos preceitos éticos e legais.

Por todas essas razões, é extremamente significativo que, em um momento tão delicado, a Odebrecht venha a público afirmar o seu compromisso com a mudança de sua cultura e de suas práticas empresariais. Tais iniciativas, ao que tudo indica, podem endereçar o problema da corrupção de modo mais consistente e permanente do que a mera punição dos envolvidos, motivo pelo qual merecem o apoio e incentivo - assim como o devido controle - não apenas por parte do Estado, mas também por parte de toda a sociedade.

Em se tratando do combate à corrupção, há de se ter cautela para resolver não apenas as consequências atuais da corrupção. De nada adianta neutralizar os efeitos, se as causas, relacionadas ao ambiente institucional, continuarem a propiciar ou estimular a prática da corrupção.

Como a corrupção apenas pode ser enfrentada de maneira estrutural, isonômica e consistente, do ponto de vista prospectivo, é preciso levar a sério a questão da mudança das práticas e dos valores, criando novas regras do jogo e novo ambiente institucional que iniba efetivamente as práticas ilícitas e incentive os agentes econômicos a atuarem dentro da lei e das normas éticas.



26 de maio de 2016
Ana Frazão é advogada, doutora em Direito Comercial, professora de Direito Civil e Comercial na Universidade de Brasília e ex-conselheira do Cade

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