O governo Temer assumirá com situação fiscal horrorosa. O buraco fiscal -a distância entre o deficit atual e o superavit que estabiliza a dinâmica da dívida pública- é algum número entre R$ 150 bilhões e R$ 360 bilhões, ou seja, algo entre 2,5% e 6,0% do PIB.
Diferentes estimativas para a componente cíclica do buraco fiscal deste ano, bem como incertezas quanto à capacidade no longo prazo do Tesouro Nacional de recolher receitas não recorrentes, explicam a grande faixa de variação das estimativas.
Para piorar, o desequilíbrio cresce uns R$ 30 bilhões por ano. Esse crescimento é vegetativo em razão dos critérios de elegibilidade e valor do benefício de uma série de programas públicos de transferências, além do crescimento automático da folha de salários de servidores.
Assim, se nada for feito, caminharemos inexoravelmente para a insolvência do setor público e, portanto, para inflação crescente. Esse é o quadro estrutural.
No entanto Temer assumirá em um momento favorável do ciclo econômico. Até o ano passado, duas forças antagônicas determinavam a dinâmica da inflação: a fortíssima recessão com aumento do desemprego puxava a inflação para baixo, e a crise de confiança, com a subida do risco-país e a desvalorização do câmbio, puxava para cima.
O processo de perda de valor da moeda americana mundo afora e a lua de mel com a perspectiva de troca de governo produziram dinâmica cambial favorável à inflação desde o início do ano. A mudança da dinâmica do câmbio alivia a inflação de bens e, associada à dinâmica do mercado de trabalho, finalmente produz consistente desinflação de serviços. Assim, a inflação neste ano pode fechar na casa de 7% e atingir a meta em 2018.
O recuo da inflação sinaliza que um ciclo de baixa de Selic encontra-se à nossa frente e, portanto, o fim do ajuste desinflacionário, com a recuperação do crescimento promovida pela queda da taxa básica de juros. Não é loucura enxergar a economia crescendo forte em 2018.
A premissa necessária para que esse cenário benigno –principalmente aos olhos da enorme tempestade pela qual estamos passando– se materialize é que o mercado aceite incólume financiar o Tesouro Nacional, mesmo com a dívida pública seguindo seu curso explosivo e testando limites como 80% do PIB ou até mais.
Ou seja, é necessário combinar com os russos. É por esse motivo que acredito que a maior probabilidade é o governo Temer reproduzir o período Levy: conforme o mercado perceber que não há bala na agulha para aprovar no Congresso Nacional as medidas que encaminham solução para nosso gravíssimo desequilíbrio fiscal estrutural, o risco-país e o câmbio voltarão a serem pressionados e as expectativas de inflação deixam de ceder. O ajuste cíclico novamente desanda.
No entanto, é possível imaginar um cenário favorável: Temer consegue aprovar algumas medidas que contribuem para ajustar o desequilíbrio estrutural. Essas medidas revigoram o otimismo e a esperança, mantendo risco e câmbio bem-comportados. A dinâmica cíclica que, como vimos, é hoje favorável ajuda a recuperação da atividade com inflação em queda.
Se tudo isso ocorrer, em algum momento no segundo semestre de 2017, a visão de 2018 tirará pressão do governo Temer e a perspectiva de futuro passará a comandar as expectativas. Nesse caso, o governo Temer terá sido de fato uma ponte para o futuro.
26 de abril de 2016
Samuel Pessoa, Folha de SP
Diferentes estimativas para a componente cíclica do buraco fiscal deste ano, bem como incertezas quanto à capacidade no longo prazo do Tesouro Nacional de recolher receitas não recorrentes, explicam a grande faixa de variação das estimativas.
Para piorar, o desequilíbrio cresce uns R$ 30 bilhões por ano. Esse crescimento é vegetativo em razão dos critérios de elegibilidade e valor do benefício de uma série de programas públicos de transferências, além do crescimento automático da folha de salários de servidores.
Assim, se nada for feito, caminharemos inexoravelmente para a insolvência do setor público e, portanto, para inflação crescente. Esse é o quadro estrutural.
No entanto Temer assumirá em um momento favorável do ciclo econômico. Até o ano passado, duas forças antagônicas determinavam a dinâmica da inflação: a fortíssima recessão com aumento do desemprego puxava a inflação para baixo, e a crise de confiança, com a subida do risco-país e a desvalorização do câmbio, puxava para cima.
O processo de perda de valor da moeda americana mundo afora e a lua de mel com a perspectiva de troca de governo produziram dinâmica cambial favorável à inflação desde o início do ano. A mudança da dinâmica do câmbio alivia a inflação de bens e, associada à dinâmica do mercado de trabalho, finalmente produz consistente desinflação de serviços. Assim, a inflação neste ano pode fechar na casa de 7% e atingir a meta em 2018.
O recuo da inflação sinaliza que um ciclo de baixa de Selic encontra-se à nossa frente e, portanto, o fim do ajuste desinflacionário, com a recuperação do crescimento promovida pela queda da taxa básica de juros. Não é loucura enxergar a economia crescendo forte em 2018.
A premissa necessária para que esse cenário benigno –principalmente aos olhos da enorme tempestade pela qual estamos passando– se materialize é que o mercado aceite incólume financiar o Tesouro Nacional, mesmo com a dívida pública seguindo seu curso explosivo e testando limites como 80% do PIB ou até mais.
Ou seja, é necessário combinar com os russos. É por esse motivo que acredito que a maior probabilidade é o governo Temer reproduzir o período Levy: conforme o mercado perceber que não há bala na agulha para aprovar no Congresso Nacional as medidas que encaminham solução para nosso gravíssimo desequilíbrio fiscal estrutural, o risco-país e o câmbio voltarão a serem pressionados e as expectativas de inflação deixam de ceder. O ajuste cíclico novamente desanda.
No entanto, é possível imaginar um cenário favorável: Temer consegue aprovar algumas medidas que contribuem para ajustar o desequilíbrio estrutural. Essas medidas revigoram o otimismo e a esperança, mantendo risco e câmbio bem-comportados. A dinâmica cíclica que, como vimos, é hoje favorável ajuda a recuperação da atividade com inflação em queda.
Se tudo isso ocorrer, em algum momento no segundo semestre de 2017, a visão de 2018 tirará pressão do governo Temer e a perspectiva de futuro passará a comandar as expectativas. Nesse caso, o governo Temer terá sido de fato uma ponte para o futuro.
26 de abril de 2016
Samuel Pessoa, Folha de SP
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