"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 3 de maio de 2014

POPULISMO CORROSIVO

Dois dias depois de uma pesquisa mostrar sua queda nas intenções de voto e a redução de sua popularidade, a presidente Dilma Rousseff anunciou em cadeia de rádio e de TV um aumento de 10% nos valores do Bolsa Família e uma correção de 4,5% da Tabela do Imposto de Renda.
Além disso, prometeu manter a política de valorização do salário mínimo e acusou a oposição de defender o arrocho salarial.
Horas antes desse pronunciamento, o Tesouro e o Banco Central (BC) haviam divulgado os últimos números das contas fiscais e confirmado as más condições das finanças públicas.
A presidente parece ter ignorado essas notícias, assim como ignorou as condições de compra da Refinaria de Pasadena pela Petrobrás, em 2006, quando presidia o Conselho de Administração da empresa. Ou talvez nem tenha percebido a conexão entre seu pacote de bondades e a gestão do dinheiro público.

O sentido eleitoral - ou eleitoreiro - das medidas anunciadas pela presidente ficou evidente tanto para brasileiros quanto para observadores estrangeiros. O jornal britânico Financial Times classificou como populista o aumento de 10% dos benefícios do programa Bolsa Família e vinculou a decisão imediatamente à campanha da presidente pela reeleição.

A elevação de 10%, lembrou o autor do texto, é bem superior à inflação acumulada em 12 meses. Não se trata, portanto, de mera correção.

Mas o ajuste de 4,5% na Tabela do Imposto de Renda, como sabe qualquer brasileiro, é insuficiente para compensar a inflação. A alta de preços ao consumidor acumulada em 12 meses tem ficado em torno de 6%.

Mas o anúncio na véspera do feriado de 1.º de Maio e a referência à vantagem para os contribuintes assalariados têm também um claro objetivo eleitoral, até porque esse tipo de ajuste é normalmente divulgado mais perto do fim do ano.

Seria muito mais fácil levar a sério a fala da presidente se ela tivesse tido o cuidado de explicar como as novas medidas se enquadrarão na política fiscal. O aumento do Bolsa Família pode ser muito bom para milhões de pessoas. A correção da tabela do imposto, embora insuficiente, representará um pequeno alívio para o contribuinte. Mas essas iniciativas, assim como a valorização do salário mínimo, resultarão em novas pressões sobre as contas públicas, já em estado precário.

Pouco mais de metade - 51% - do superávit primário do governo central no primeiro trimestre foi obtida com dividendos extraordinários e com receitas de concessões. Os dividendos contabilizados (R$ 5,89 bilhões) foram 667,6% maiores que os registrados entre janeiro e março de 2013 (R$ 767,4 milhões). A manobra para tornar menos feio o resultado fiscal é evidente.

O superávit primário - dinheiro para pagar juros da dívida - acumulado em três meses correspondeu a apenas 44% da meta fixada para o quadrimestre encerrado em abril.

Essa meta só terá sido alcançada se o resultado de um único mês tiver sido suficiente para cobrir mais de metade do valor programado para quatro meses. Apesar disso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, insiste em reafirmar a promessa de um superávit primário, neste ano, equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) - número programado para todo o setor público.

Cada vez mais a presidente Dilma Rousseff parece afastar-se das limitações reais e incontornáveis da administração pública, para se concentrar estritamente nos objetivos eleitorais.

Essa preocupação se acentuou nitidamente com a piora da avaliação de seu governo, a redução de seu prestígio pessoal e a campanha crescente, nos partidos aliados e até no PT, a favor do retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa campanha pode resultar em nada, mas claramente incomoda e pressiona a presidente.

Sua reação - aumentar os gastos para mobilizar apoio popular - pode ter sentido em prazo muito curto como manobra eleitoral. Mas a insistência nesse tipo de política, já mantida há muito tempo, produz, entre outras consequências, mais inflação e, portanto, mais corrosão dos benefícios transferidos aos mais pobres e dos salários recebidos pelos trabalhadores.

Será mais um legado maldito para quem ocupar o Palácio do Planalto a partir de janeiro.

03 de maio de 2014
Editorial O Estadão

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