"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 28 de março de 2014

O CONFISCO DO FGTS


Depois de dezenas de milhares de ações na primeira instância, a disputa sobre como corrigir os saldos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) chegou ao Supremo tribunal Federal (STF). Por iniciativa do partido Solidariedade, a ação pleiteia que o FGTS seja corrigido pelo IPCA, calculado pelo IBGE, em lugar da Taxa Referencial (TR), fixada pelo governo.

O recurso ao STF vem na esteira de decisão do tribunal, de março de 2013, de que a TR não pode ser usada para repor perdas com a inflação. O mesmo se aplica ao FGTS, pois a perda dos trabalhadores com a correção do Fundo de Garantia pela TR é imensa. Imagine que, começando em janeiro de 1995, se depositem mensalmente R$ 500 no FGTS de um trabalhador.

Pela regra atual, com a remuneração de TR mais 3% ao ano, ele teria, em fevereiro de 2014, saldo acumulado de R$ 195 mil. Se, alternativamente, o valor fosse depositado mensalmente em caderneta de poupança, o trabalhador teria saldo de R$ 278 mil, 43% a mais, portanto. Se, por seu lado, o FGTS tivesse sido remunerado pela Selic, a mesma taxa que o governo cobra dos que lhe estão devendo dinheiro, o saldo seria de R$ 600 mil, ou seja, mais que o triplo.

A dramaticidade do confisco que o governo faz da poupança do trabalhador pode ser avaliada também pelo fato de que a remuneração do FGTS nem sequer compensa a inflação. Ou seja, o trabalhador, quando se aposentar, vai receber em termos reais menos do que contribuiu para o seu FGTS. No exemplo acima, por exemplo, o saldo do FGTS do trabalhador que contribuiu com R$ 500 mensais seria 10% menor do que o valor real das contribuições.

Todo o confisco da poupança se deu nas duas últimas administrações, o que não deixa de ter alguma ironia. Isso porque, nos oitos anos de governo FHC, a inflação média anual foi de 9,1%, enquanto o FGTS rendeu em média 11,9% ao ano. O trabalhador teve, portanto, ganho real médio 2,6% ao ano. Nos oito anos de governo Lula, a inflação média anual foi de 5,8%, enquanto o rendimento médio do FGTS foi de 5% ao ano, configurando, assim, confisco médio real de 0,7% ao ano.

O confisco aumentou ainda mais nos primeiros 38 meses do governo Dilma. Neles, o FTGS rendeu em média 3,6% ao ano, contra uma inflação média anual de 6,2%. Em média, portanto, o trabalhador viu a poupança no FGTS sofrer perda de 2,4% ao ano. De fato, a TR foi mantida em patamar tão baixo nesses três anos e dois meses que o rendimento da poupança, descontada a inflação, foi quase nulo.

Quem defende a manutenção da correção pela TR se baseia no argumento de que os recursos confiscados ao trabalhador são usados para programas sociais que beneficiam os próprios trabalhadores. No meu entender, esse é argumento equivocado por vários motivos.

Primeiro, ainda que o FGTS seja depositado pelo empregador, em grande medida a conta é paga pelo trabalhador, na forma de salário mais baixo. É por isso que o FGTS é chamado de poupança compulsória. A sua racionalização econômica é que o trabalhador não vai se prevenir voluntariamente para os momentos em que sua renda cairá - desemprego, aposentadoria, doenças graves.

O FGTS tem também o objetivo de prover recursos a custo e prazo favoráveis para investimentos em habitação e saneamento. Mas esse objetivo deveria ser atendido a partir da baixa remuneração real a ser paga pelo fundo - 3% ao ano - e da baixíssima liquidez dessa poupança, que só pode ser sacada em casos especiais. Se o trabalhador tivesse liberdade para escolher onde aplicar, sem sofrer com o equivocado paternalismo estatal, e quando sacar, o fundo valeria bem mais para ele.

Segundo, a própria legislação fixa que os saldos do FGTS deverão ser atualizados monetariamente, o que, como visto, não está ocorrendo. Terceiro, o confisco do FGTS é forma de tributação. Por mais nobre que seja o uso do tributo, não me parece correto que o Executivo crie tributos e utilize os recursos sem aprovação legislativa explícita.

Quarto, nem todo o dinheiro do FGTS beneficia o trabalhador. Há valores expressivos do fundo sendo usados para capitalizar empresas, muito possivelmente, beneficiando principalmente os acionistas controladores. No todo, creio que é correto alterar a regra de correção do FGTS. Além de impedir o confisco da poupança do trabalhador, isso dará mais transparência às contas públicas.

28 de março de 2014
Armando Castelar, Correio Braziliense

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