"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

A FORMA DA REFORMA

Jogo de soma positiva: não há um grande vencedor, mas vencedores
O que explica o paradoxo da aprovação do texto-base da reforma da Previdência, por larga margem, por um presidente sem base formal?

Foram 139 dias para a aprovação —Lula levou 104 dias, FHC, 34 meses. FHC e Bolsonaro tiveram que enfrentar resistência por parte da oposição. No primeiro caso, efetiva, no segundo, inócua. Isso explica a diferença de tempo, em dias, para a instalação da comissão especial: 60 (Bolsonaro), 34 (Lula) e 162 (FHC). Lula contou com os votos da oposição, mas deparou-se com uma rebelião de correligionários.

A base parlamentar explica pouco: na fase de tramitação dessas PECs na Câmara, as coalizões estavam em gestação. O PMDB, o partido pivô, não as integrava.

Reformas da Previdência são politicamente difíceis. Os custos são tangíveis e ninguém é ganhador líquido: é uma guerra de atrito em torno de como não perder ou ser menos afetado do que os demais. Os benefícios são difusos e seu impacto diferido no tempo: promessa de crescimento.

O cálculo de custo-benefício dos cidadãos é alterado quando há ameaças aos seus benefícios. Enquanto essas ameaças forem intangíveis, não-críveis —"no futuro a Previdência estará falida"— ele não se altera.
Contudo, a crise fiscal dos estados e o não pagamento de benefícios e salários conferiu credibilidade a tais ameaças. É a crise que explica o forte e paradoxal apoio —popular e, por extensão, congressual— à reforma. A crise afetou assim os preços relativos da reforma mitigando para o presidente e os parlamentares o custo de patrociná-la e apoiá-la.

Não há um grande vencedor, mas vencedores. As relações Executivo-Legislativo não são um jogo de soma zero: há ganhos de troca. Os ganhos são máximos quando há delegação e o governo conta com uma base de apoio, pois reduz os custos de transação envolvidos.

Para Bolsonaro, que rejeita a barganha política e o compromisso parlamentar, a reforma que maximiza ganhos é aquela que não contém negociação pública, sobretudo com seu envolvimento pessoal, mas que de fato ocorre e viabiliza apoios (embora a um custo maior). Ele parecia ser o grande vencedor do jogo até decidir ser protagonista e patrocinar interesses corporativos de sua base.

De todo modo, se houver uma retomada da economia, o presidente poderá colher os créditos políticos (cenário mais provável); se não, seu alheamento terá sido eficiente politicamente.

Para Rodrigo Maia, a reforma ideal envolve capitalizar individualmente o surpreendente apoio congressual e na opinião pública à reforma e, sobretudo, ao Parlamento como instrumento de contenção do governo Bolsonaro.

O jogo entre os Poderes é de soma positiva.

15 de julho de 2019
Marcus André Melo, Folha de SPaulo
Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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