"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O BC NO BANCO DO CARONA

Durante muitos anos pós Plano Real, os economistas que se arriscavam em estimar o impacto das mudanças da taxa Selic na inflação se deparavam com uma enorme dificuldade. Passamos por várias crises internacionais com alta vulnerabilidade externa, tínhamos uma baixa penetração do crédito, além de um perfil de dívida pública desfavorável. Tudo conspirava por uma baixa eficácia da política monetária e a inflação acabava por responder majoritariamente às variações na taxa de câmbio.

A partir de 2004, com o boom de commodities, a manutenção do arcabouço conhecido como tripé macroeconômico e com algumas reformas importantes no mercado de crédito, a inflação brasileira começou a se comportar de acordo com o livro texto, reagindo às flutuações na taxa Selic. O regime de "inflation targeting" conquistou a confiança dos agentes, ponto fundamental para sua eficácia. No entanto, algo certamente mudou desde 2010. O mecanismo de transmissão da política monetária parece ter perdido potência. O último episódio de subida da Selic, por exemplo, de 7,25% para 10% quase não alterou as expectativas de inflação de 2014, estacionada perto de 6%. Já as expectativas para 2015 estão em 5,5% desde o início de aperto monetário.

A política monetária sentou no banco do carona e a política fiscal passou a ser a condutora de nossa economia. Não pretendo explorar aqui o fato de a política fiscal ser extremamente expansionista e isso dificultar o controle da inflação. Esse problema ganhou novos e mais graves contornos. Até maio, diante da enorme liquidez internacional, poucos investidores estavam atentos ao que se passava nas nossas contas públicas em termos de sustentabilidade. A maioria comparava o Brasil com países como EUA, Alemanha, Espanha, França entre outros, e argumentavam que nossa relação dívida/PIB, mesmo no conceito bruto, era muito menor. Comparavam nosso superávit primário e argumentavam que mesmo retirando os malabarismos, fazíamos um esforço considerável. Quando o financiamento da dívida é abundante, não há obviamente problema de sustentabilidade. Basta oferecer uma taxa de juros maior que seus pares, mesmo que em alguns momentos esta seja incompatível com seus fundamentos. O mundo agora é outro.

A hora da verdade chegou e agora a questão da sustentabilidade da nossa dívida está impactando fortemente nossa taxa de câmbio e a expectativa desta no médio prazo. O portador da má notícia foi o Fed, que até foi bastante benevolente ao se atrasar em iniciar a redução dos estímulos monetários, nos dando mais tempo para tentar arrumar um pouco a casa. Não adiantou. O motorista não quer saber de respeitar as sinalizações do mercado, prefere receber multas, na expectativa de que sua carteira não seja cassada. O resultado está aí: as taxas reais pagas nos títulos do governo brasileiros dispararam para um patamar perto de 6,5% e chegamos às vésperas da redução dos estímulos monetários do Fed com uma taxa de câmbio em torno de R$ 2,40 a despeito de um programa de intervenção cambial de US$ 100 bilhões.

Certamente, não estaríamos nessa situação se tivéssemos um superávit primário em torno de 2,5% do PIB (sem malabarismos), uma economia crescendo por volta de 3,5% e uma taxa de juros mais baixa. O fato é que estamos fazendo um primário verdadeiro abaixo de 1% (tirando as receitas não recorrentes), a economia cresce em torno de 2% e a taxa implícita da nossa dívida líquida está em 15,7%. É esse mesmo o número! Apesar de o Tesouro conseguir se financiar a uma taxa mais baixa, a taxa implícita da dívida liquida é bem mais amarga. Isto se deve aos aportes realizados nos bancos públicos que rendem ao Tesouro uma taxa menor do que este se financia. O resultado é que para estabilizarmos a dívida líquida precisamos de um superávit mais para perto de 3% do PIB. Se formos olhar a dívida bruta, temos que pensar em um número de superávit que reduza nossa dívida de 68% do PIB (critério do FMI) para algo em torno de 50%. Afinal em algum momento o Brasil precisa ter uma conta de juros abaixo de 5% do PIB se quisermos sair desse ciclo vicioso. Nesse caso, teríamos que fazer um superávit perto de 2% a 2,5% do PIB.

Infelizmente, não há disposição do governo em aumentar genuinamente o superávit primário. Conseguir receitas extraordinárias com Refis e concessões nada nos diz sobre o médio prazo. Se não acreditamos no primário que nos é prometido, o resultado é um processo de perda de confiança na nossa economia, câmbio mais depreciado, crescimento mais baixo, taxa de juros e inflação mais altas. Ainda é cedo para afirmarmos que vivemos um ambiente de dominância fiscal, situação na qual o Banco Central não consegue determinar a taxa de juros porque ela tem de ser o que tiver que ser para permitir que o governo venda seus títulos. Entretanto, o fato é que o piloto está correndo em alta velocidade e o carona não consegue convencê-lo da necessidade de frear. Apertem os cintos! Em 2014, poderemos dobrar a aposta de que nossa carteira não será cassada tão cedo.

27 de dezembro de 2013
SOLANGE SROUR CHACHAMOVITZ, Valor Econômico

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