"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY

A gramínea monóica


 Seu Rodrigues era chefe político de Penedo. Coronel dos de antigamente: bom sujeito, boa prosa, bom garfo. E tinha Tonico, menino levado que passava o dia jogando sinuca no bar da praça ou mergulhando nas águas turvas do São Francisco. Mas era seu orgulho.
Um dia, Tonico virou a cabeça e sumiu com uma trapezista do Circo Garcia. Seu Rodrigues quase morre de desgosto. Não saía, não jogava mais biriba com os amigos. Triste e amuado dentro de casa como um boi velho.
Três anos depois, seu Rodrigues recebeu a notícia de um jornal de Goiás: Tonico tinha morrido em um desastre na estrada. Entrou no quarto, passou um dia e uma noite chorando o resto de mágoa e deixou a saudade pra lá.

O CORONEL

O tempo passou, Tonico não era mais assunto de Penedo. O velho coronel de quando em vez ia buscar atrás da cômoda o retrato do menino ingrato, que ganhara o vão do mundo com a trapezista loura de pernas grossas e recebera seu castigo na curva da estrada.
De repente, chega do Rio um amigo:
- Vi o Tonico lá. Era ele mesmo. Lia um jornal daqui de Alagoas no banco de uma praça. Conversei com ele, não volta porque tem vergonha. Nem o endereço quis dar.
Seu Rodrigues dormiu duas noites de olho aberto, vendo a cara envergonhada de seu menino fujão. Arrumou a mala, pegou o ônibus, tocou para o Rio. Desceu na rodoviária, aquele mundão de gente. Estava tonto e perdido. Viu um guarda:
- Seu guarda, o senhor sabe onde mora Tonico Rodrigues , de Penedo, lá em Alagoas?
- Sei, sim. Mora na rua Senador Pompeu, na mesma pensão em que eu moro.
- Me leva lá que Tonico deve estar sem dinheiro para pagar a pensão. Já faz uns dias que ele sumiu de Penedo.
E seu Rodrigues achou Tonico que sumira ainda ontem.

BERCELINO

Meu colega de “Diario Carioca”, o saudoso Bercelino Maia, velho lutador do Partido Comunista, quando editor da “Gazeta de Alagoas”, que fazia oposição à ditadura de Getulio, recebeu um dia na redação a visita da polícia:
- A partir de hoje o jornal só circula sem comentário político nenhum. Nem editorial. Só notícia. Qualquer comentário, fechamos o jornal.
Bercelino, com sua cara de Clark Gable, cabelos negros ondulados, bigode fino e óculos de vidro, e seu indefectível cigarro nos dedos, sentou-se para escrever o editorial, uma ode ao milho:
- “Ode ao Milho – O milho, quem dirá o contrário?, é uma gramínea originária da América do Sul, cuja planta é caracterizada como monóica”…
E milhou o editorial todo. O censor ficou abestalhado, desesperado, mas não podia fazer nada.

A IMPRENSA

Ruy Barbosa disse que “a imprensa é a vista da Nação”. Disse pouco. É mais. É a vista e a alma. Canta suas alegrias, chora suas dores e sangra suas desgraças. Ajuda seu Rodrigues de Penedo a encontrar seu Tonico fujão e permite ao valente e sábio Bercelino enfrentar a estúpida censura da ditadura com sua “gramínea monóica”.
Em 60 anos diários de jornalismo em jornais, revistas, rádios, televisões, sempre vi o fascínio do jornal semanal. Não é o diário solene do café da manhã mas também não é a revista fria e distante, de mês em mês.
O semanário é a guerrilha gráfica. Metade sala de aula metade campo de batalha. É peleja, combate permanente.
É um velho vicio. No Seminário da Bahia, aos 15 anos, fundei “O SACI”: clandestino, datilografado e desenhado. Furor.Os padres descobriram e proibiram na terceira edição
Na Universidade, em Minas, “A ONDA”. Impresso, desenhado, livre e libertário. Segundo o mestre Milton Campos, “um vagalhão”. Cada edição uma suspensão. Resistimos um ano. Mas ganhamos exames de catedráticos.
Em Salvador, “JORNAL DA SEMANA” – “Conta Sábado o Que os Outros Esconderam Durante a Semana”. Resistiu de 1960 a 1964. Duas prisões e um mandato de deputado.
Na ditadura, em São Paulo, “DIA 1″, por um grupo de baianos lá escondidos. Não chegou ao terceiro numero.
Ainda na ditadura, já no Rio, sob uma censura cruel, o “POLITIKA”, semanal, durou quatro anos. Prisões variadas.

O “EXTRA”

Esta é uma crônica de inveja para calorosamente saudar o Fernando Araujo e seus companheiros, que há 15 anos põem nas bancas, toda semana, o bravo “EXTRA”.
Uma batalha semanal. Mas sobretudo uma magnífica vitoria semanal. Dá trabalho, às vezes quase desanimo. Mas poucas coisas podem fazer um jornalista tão feliz quanto passar nas bancas e ver lá, sob o sol, seu jornal.
A banca é o palco do jornal. Cante, Fernando. Você merece os 15 anos do “EXTRA”. Daqui, uma champanhe.

28 de novembro de 2013
Sebastião Nery

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