"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 22 de março de 2016

DO DELÍRIO À REALIDADE


Se o governo Dilma estava esvaziado, desnorteado e sem rumo, agora conseguiu piorar com a nomeação do ex-presidente Lula para o ministério. A ideia não foi um tiro no pé, foi direto na cabeça. Serviria para tirar o juiz Sérgio Moro do caminho de Lula, mas nem isso conseguiu ainda. Agonizante, a gestão Dilma ainda não morreu, mas entrou em coma, o tiro apressou o impeachment e o fim parece inevitável com a debandada de partidos que antes já vinham dando precário apoio ao governo. Lula é hábil negociador, conseguirá reconquistar apoios de partidos e empresários, virar de vez a página da crise política e pôr o Brasil nos trilhos do crescimento. Delirar é recurso dos desesperados. E, como tudo dá errado, o PT apela para o delírio.

Lula é hábil articulador quando tem um arsenal de ofertas para agradar ao interlocutor. Foi o que ele fez todo o tempo em seus oito anos de governo. O político quer verba, cargo (de preferência em estatal) ou um favorzinho para livrá-lo de enrascadas; o empresário gosta de benefícios fiscais, dinheiro barato de bancos públicos e gordos contratos financeiros com o governo – as empreiteiras até se organizaram em cartel para ratear contratos na Petrobrás. Com farto arsenal em seu poder, Lula multiplicou o troca-troca – triste marca de sua gestão. A prática resultou no mensalão, no petrolão e numa conta bilionária subtraída dos brasileiros.

Hoje o hábil articulador negocia de mãos vazias. Até seu indiscutível encanto pessoal murchou, suas piadas perderam a graça. Não tem o que oferecer e a moeda de troca que faria sucesso agora – livrar políticos enfiados até o pescoço na Operação Lava Jato – ele não tem a mínima chance de passar: a Polícia Federal rechaça e o inábil e arrogante falador acaba de comprar briga feia com o Poder Judiciário ao chamá-lo de “covarde”. Há muito, investidores e empresários não acreditam, nada esperam do governo e fazem campanha aberta e entusiasmada pelo seu fim, pregando a renúncia ou o impeachment da submissa Dilma Rousseff.

Aquele Lula de inegável prestígio popular sumiu com as manifestações de rua que o repudiam e pedem sua prisão. No lugar de beijos e abraços carinhosos, ele agora se esconde, vive encurralado, não aparece em público. Pena, porque seu carisma de líder popular lhe daria poder para fazer o que precisa ser feito: construir as reformas, dar ao País uma nova estrutura política, tributária, administrativa, previdenciária e trabalhista para atrair investimentos e conduzir o País ao crescimento e progresso econômico. Mas a ambição de perpetuar o PT no poder o levou para o lado oposto.

Há décadas as reformas estão na agenda. Hoje a mais urgente para as contas públicas é a previdenciária, mas a tributária é a que mais tem poder de dinamizar a economia e fazer justiça social. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acaba de concluir estudo em que revela que os brasileiros têm a maior carga tributária do continente: pagam 33,4% do PIB em impostos, o dobro da média de 22 países da América Latina e do Caribe. Ou seja, todo mês você, caro leitor, e todos nós, brasileiros, transferimos em média 33,4% de nossa renda ao governo. Se seu salário é de R$ 5 mil, R$ 1.670 ficam com o governo, e com R$ 3.330 você se vira para pagar aluguel, educação das crianças, roupa, calçado, remédios, alimentação da família, etc. E mais: a estrutura de impostos é extremamente injusta, pois o País tributa menos a renda e o lucro e cobra mais da seguridade social. Enquanto aqui a renda e o lucro geram só 20,7% da arrecadação, nos demais países representam 27,8% do total, e a proporção chega a 33,8% nos países ricos da OCDE. Proporcionalmente à sua renda, aqui os pobres pagam mais impostos que os ricos.

E como os governos devolvem essa carga ao contribuinte? Com escândalos de corrupção, serviços públicos precários, gestão paralisada, como agora, o custo de sustentar 32 ministérios e igual número de partidos políticos. Enquanto isso o País afunda em recessão, desemprego e 700 mil pessoas perderam seus planos de saúde.



22 de março de 2016
Suely Caldas, O Estado de S. Paulo

POLÍTICOS LAVADOS A JATO


Depois de dois anos de investigações com foco principal em Curitiba, chegou a hora de a Operação Lava Jato fazer a onça beber água em Brasília. A força-tarefa já entregou à Procuradoria-Geral da República todas as informações relativas aos investigados com foro especial de Justiça. Vale dizer, deputados, senadores e governadores.

Há cerca de dez dias a força-tarefa esteve em Brasília para uma reunião na Procuradoria-Geral da República para tratar dos muitos pedidos de abertura de inquéritos e apresentação de denúncias contra deputados e senadores. Ao que consta, o senador Fernando Collor seria um dos primeiros alvos. A apresentação da denúncia e o pedido de prisão preventiva contra o presidente cassado estariam prontos.

Na mesma operação seriam alcançados os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha. Isso sem contar outras figuras do PMDB, como o senador Edison Lobão. O destino do vice-presidente, Michel Temer, estaria nas mãos de Jorge Zelada, que ainda não decidiu optar pela delação premiada de acordo com o que circula entre os procuradores.

A ofensiva da Lava Jato na direção dos políticos já deveria ter sido deflagrada na semana passada, mas foi adiada devido aos tumultos dos últimos dias. Uma das inquietações era a possibilidade concreta de o ex-presidente Luiz Inácio da Silva ter a prisão preventiva decretada pelo juiz Sérgio Moro (em decorrência do pedido do Ministério Público de São Paulo transferido pela Justiça local ao Paraná) já naquela quinta-feira em que estava marcada a posse dele na chefia da Casa Civil.

Corre a informação entre os procuradores de que a Agência Brasileira de Informações (Abin) estava monitorando os movimentos em Curitiba e, por isso, concluiu que o juiz Sérgio Moro pediria a prisão preventiva de Lula no mesmo dia em que tomaria posse no novo cargo. Daí a pressa da presidente Dilma em formalizar a posse com edição extra do Diário Oficial da União e o pedido de assinatura antecipado do termo de posse.

Os investigadores monitoravam Lula, mas a agência da Presidência também acompanhava os movimentos dos promotores e, por isso, sabiam da possibilidade de ocorrer uma ordem de prisão para ser cumprida na quinta-feira. Sem a proteção do foro especial, provavelmente Lula estaria hoje numa cela em Curitiba. O que volta a ser uma possibilidade, diante da liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de suspender a posse do ex-presidente.

É fantástico. O senador Delcídio Amaral tinha ontem uma entrevista marcada para ir ao ar hoje à noite na TV Globo. Diria, entre outras coisas, que procurou o filho de Nestor Cerveró para tentar silenciar o ex-diretor da Petrobrás, na condição de executor de uma “operação sistemática” do Planalto para obstruir as investigações da Lava Jato.

Como líder do governo, o senador dirá que atendia a uma política dos ocupantes da máquina do Estado. Ele promete contar o passo a passo de uma operação para atrapalhar a ação da Justiça como política de Estado. “Uma ação sistêmica”, de acordo com Delcídio.

Digital. A prova cabal de que Aloizio Mercadante agiu a mando da presidente Dilma Rousseff ao abordar o assessor do senador Delcídio Amaral sugerindo que pesasse consequências antes de colaborar com as investigações, é que o ministro não foi demitido.

Se tivesse atuado à revelia da chefia, colocando a presidente numa situação constrangedora, logicamente estaria fora do governo.

Ponto final. “Aqueles que não gostam de política serão governados por aqueles que gostam” (Platão).


22 de março de 2016
Dora Kramer, Estadão

A GUERRA FINAL


Tucanos recolhem as armas para 2018, Lula arrependido por aceitar a Casa Civil, Marina a postos e Dilma abatida pelo tempo que perdeu em chamar seu criador para seu time e iniciar uma reação.

Este é o retrato que a pesquisa Datafolha revela sobre como está o campo da batalha final que definirá o destino da presidente petista.

Mais do que nunca o PSDB opta pelo impeachment como a melhor solução para a crise atual, colocando o vice Temer no lugar de Dilma.

Não apenas pelo Datafolha, que mostra Aécio, Alckmin e Serra em queda na corrida presidencial. Mas também porque dizem por aí que vem chumbo grosso contra tucanos nas delações da Operação Lava Jato.

Melhor, então, fechar com o vice-presidente Michel Temer, ele assumir, arrumar a casa e o PSDB tentar recuperar o poder apenas em 2018.

Já Lula, que não escondia seu constrangimento na posse como ministro da Casa Civil, perdeu o papel de vítima da Lava Jato. A maioria dos eleitores acredita que ele aceitou o convite de Dilma para fugir de ser preso pelo juiz Sergio Moro.

O ex-presidente entra na guerra final alquebrado e fragilizado, sem saber inclusive se poderá assumir o posto, mas com o trunfo de ser o único capaz de reanimar a tropa petista como se viu na sexta-feira (18) nos protestos pró-Dilma e pró-Lula.

A presidente, do seu lado, dormiu no ponto. Teve uma janela de sossego no início do ano e não soube aproveitá-la. Chega na batalha final com impopularidade em alta e ameaça de debandada de aliados.

Marina Silva surge, até aqui, como a maior beneficiária da crise que arrasta a tudo e a todos para a vala comum da corrupção. Mas também não empolga, afinal está onde sempre esteve. Os outros é que caíram.

Enfim, a oposição e o PMDB dão o jogo como jogado e já pensam no dia seguinte. O governo teme cada vez mais este destino. Mas esta crise tem sido tão eletrizante que esta novela pode ganhar novos capítulos.


22 de março de 2016
Valdo Cruz, Folha de SP

SIM, NÓS TEMOS INSTITUIÇÕES

A solidez institucional do Brasil tem sido destaque no exterior. Assim reconheceu a Standard & Poor"s ao anunciar a perda do grau de investimento do país. Uma avaliação correta. Aqui, todavia, fala-se que o PT degradou as instituições. Questiona-se até se algum dia já tivemos boas instituições.

O general Rômulo Bini Pereira, ex-chefe do Estado-Maior da Defesa, põe em dúvida se "as instituições de nosso país estão consolidadas e funcionando corretamente", como frequentemente se diz. Fosse o caso, "a Nação não estaria convivendo com o que tem sido considerado o pior período da história nacional, em que se nota visível e crescente decadência moral e ética no campo interno e preocupante descrença externa quanto ao futuro do Brasil" (Estadão, 8/11/2015).

Os economistas Zeina Latif e Marcos Lisboa e o cientista político Carlos Melo — três de nossos melhores analistas — falam coisa semelhante, embora reconheçam os avanços institucionais dos últimos anos, que o general parece ignorar. Para se contraporem aos que creem na solidez de nossas instituições, apontam retrocessos dos últimos anos e o abandono da tarefa permanente de aperfeiçoamento institucional (Estadão, 21/2/2016).

Para eles, "as regras fiscais foram sistematicamente desrespeitadas e o regime de metas de inflação foi enfraquecido". Mais: "houve retrocesso na microeconomia, com intervenções discricionárias do Poder Executivo; ingerência sobre tarifas públicas, bancos públicos e empresas estatais; e distribuição de privilégios para empresas e setores selecionados". As agências reguladoras "foram fragilizadas". E por aí afora.

Tudo isso é verdade. As consequências da mais desastrosa administração da República estão à vista. O PT fragilizou instituições relevantes para o ambiente de negócios, mas não fez o mesmo nas instituições fundamentais, isto é, aquelas que controlam o governo e evitam a continuidade de líderes ineptos e más políticas públicas.

No século XVI, iniciou-se o processo pelo qual o Ocidente suplantou as potências econômicas e militares da época: China e índia. Três séculos depois, avanços institucionais inspirados nos ideais da Renascença e do Iluminismo consolidaram a democracia e a economia de mercado. Pesos e contrapesos asseguram o controle recíproco do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, preservando esses dois alicerces da prosperidade. Não à toa, o comunismo vicejou apenas onde inexistiam tais mecanismos institucionais.

No Brasil, consideram-se instituições apenas as organizações estatais e privadas, mas elas compreendem também a imprensa, os mercados e as crenças da sociedade. Para Douglass North, "as crenças determinam as escolhas feitas pelos indivíduos". O aprendizado gera mudanças mentais e "desenvolve a estrutura para interpretar sinais recebidos pelos sentidos". Isso é evidente na crescente intolerância dos brasileiros à inflação sem controle e à corrupção.

As instituições não garantem a boa escolha de governantes. O eleitorado pode ser induzido a erro por mistificação e propaganda enganosa financiada ilegalmente, o que obstrui a concorrência no jogo eleitoral. A reeleição de Dilma é uma nítida demonstração do poder danoso desses fatores.

Quanto ao controle do governo, as instituições evitam a perpetuação das más escolhas. Cedo ou tarde, os erros e seus efeitos são detectados e em seguida corrigidos pela eleição de um novo líder. O descalabro pode criar o ambiente para a escolha de um aventureiro que piore a situação, mas estamos longe desse risco.

A Operação Lava-Jato demonstra a força de nossas instituições fundamentais, o que está sendo impulsionado pelas novas crenças da sociedade, pela imprensa livre e pelo funcionamento dos mercados. Há sinais de que haverá, agora ou em 2018, uma renovação de liderança capaz de restabelecer a responsabilidade e a eficiência das políticas públicas, a qualidade do governo, a ética e o desenvolvimento do país.

Será fácil, felizmente, reverter a degradação institucional da era petista. Difícil seria se o PT houvesse conspurcado e destruído as instituições fundamentais. O partido até quis uma lei para controlar a imprensa. Em vão.


22 de março de 2016
Maílson da Nóbrega, Veja

NÃO VAI TER GOLPE!

Simples o que aconteceu na última quarta-feira em Brasília quando Dilma telefonou para Lula avisando-o de que um emissário lhe entregaria no hotel o termo de posse. No melhor "estilo Dilma" de falar, ela disse, na tentativa desesperada de se fazer entender: "Seguinte, eu tô mandando o Messias junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!"

SUBCHEFE DE ASSUNTOS jurídicos da Casa Civil, Jorge Messias deu a Lula uma cópia assinada por Dilma do termo de posse dele como ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República. E pegou a assinatura de Lula em outra cópia do mesmo documento que ainda carecia da assinatura de Dilma. Mas como este parágrafo acabará na próxima linha, espere só um pouco para conhecer o resto da história. Adiante.

DILMA E LULA HAVIAM sido informados de que o juiz Sérgio Moro estava pronto para decretar a prisão preventiva de Lula pedida pelo Ministério Público de São Paulo. Se isso acontecesse, Lula correria o risco de ser preso antes da posse, indo assim a pique a operação montada para fazê-lo ministro de Estado. Uma vez ministro, ele ficaria a salvo da "República de Curitiba" e aos cuidados do Supremo Tribunal Federal.

DO HOTEL EM BRASÍLIA, Lula retornou a São Paulo. Se agentes federais batessem à sua porta, ele assinaria a cópia do termo de posse já assinado por Dilma, uma espécie de habeas corpus administrativo. Em Brasília, por sua vez, Dilma assinaria a cópia do termo de posse já assinado por Lula, mandando-o para publicação no Diário Oficial. E o ministro-chefe da Casa Civil assim "lavado" escaparia à prisão.

UM PLANO PERFEITO? Está para ser inventado um. Bancado pela dupla Dilma-Lula para obstruir a Justiça, o plano começou a dar errado tão logo Moro, acostumado a bisbilhotar os outros, soube que estava sendo bisbilhotado. Suspendeu a redação dos motivos que justificariam a prisão de Lula e divulgou de uma vez mais de 40 conversas dele ao telefone, grampeadas com a sua autorização.

PARA O PAÍS, foram horas eletrizantes, aquelas, transcorridas entre o anúncio de que Lula aceitara o convite de Dilma para ser ministro (pouco antes do meio-dia) e o momento em que se ouviu na Globo News (pouco antes das 19h) a voz de Dilma informando a Lula sobre o papel que só deveria ser usado "em caso de necessidade" Em cerca de sete horas, o governo foi da esperança e da euforia à frustração e ao medo.

É COM PAVOR A UMA queda rápida que o governo se prepara para enfrentar no Congresso o pedido de impeachment. Desfalcado de Lula, que teve sua nomeação para ministro suspensa pela Justiça, e ameaçado por novos fatos a serem produzidos pela Lava-Jato, o governo parece dispor de uma única arma: os erros dos seus adversários. Atuará em cima dos erros. E, no mais, seja o que Deus quiser.

DEUS, NÃO SEI, mas os brasileiros dão fortes sinais de que desejam ver Dilma, Lula e o PT pelas costas. Não estão divididos, como se diz. Podem não saber o que querem, mas sabem o que não querem. Não querem ser enganados como foram por Dilma, reeleita com base em mentiras. Não querem devolver o que ganharam. E não querem corrupção - daí o esmagador apoio ao impeachment e à rejeição crescente a Lula.

JAMAIS A DEMOCRACIA por aqui deu tantas provas de solidez e de vitalidade. Suportou a queda de um presidente eleito. Se for o caso, suportará outra. Tranquilo: não vai ter golpe.



22 de março de 2016
Ricardo Noblat, O Globo

FURTO INÉÇCIA E CORRUPÇÃO

O populismo idealista e a demagogia se apossaram do Brasil. Os idealistas jamais suporiam que Lula se apropriaria por engano de valiosas peças dos palácios que ocupou. Foi o único a fazê-lo na história republicana. Mas a nota do Instituto Lula dando conta do engano não foi espontânea. Durante a vistoria dos contêineres que guardam seus presentes (milhões de dólares) verificou-se que muitas coisas não lhe foram presenteadas, mas estavam presentes no patrimônio do ex-presidente, de resto em nome de terceiros, como o tríplex de Guarujá e o sítio de Atibaia. Dizem existir fazendas, ações e aplicações no exterior que virão à tona no seu tempo devido.

As manifestações de 13 de março de 2016- as maiores da história do Brasil- focaram em três anseios compartilhados por 70% da nação: uma investigação completa nos bens do ex-presidente para levá-lo à prisão, se for o caso (e parece que é); o impedimento da presidente mais inepta que o nosso país jamais teve; e, por último, a recuperação da ética na política e nos negócios, além da reanimação da economia da nação, metida em severa recessão, a pior do mundo, descontada a Venezuela. Foi causada pela presidente Dilma e pelo próprio Lula, com a tal "nova matriz econômica" baseada no aumento da dívida pública (70% do PIB, caminhando para 80%) para financiar gastos e concessões de créditos às famílias, hoje endividadas e inadimplentes, por causa da inflação e do desemprego.

Doravante, o tempo nos mostrará um governo isolado, sem ter o que oferecer à nação, seja na política seja na economia, por absoluta falta de apoio dos eleitores, dos partidos e do empresariado, cercado por colaborações premiadas, sem recursos, sem chance alguma de organizar um governo de salvação nacional. A Dilma, só restarão duas opções viáveis e rápidas: renunciar ou sofrer o impeachment, cujos fundamentos são aqueles postos perante a Câmara dos Deputados e outros novos, como veremos.

As manifestações deram apoio integral ao juiz Sérgio Moro. As críticas à condução sob vara do ex-presidente que impetrara habeas corpus e dissera que não iria caíram por terra. O povo gostou. Quem achou que a medida foi excessiva errou. O povo apoiou o juiz, referendou seu ato e encorajou-o a continuar o desbarate da corrupção vigente no país. Por derradeiro, se mais de 88 réus foram conduzidos sob coerção, qual a razão de não o fazer relativamente a Lula? Toda intimação judicial é imperativa. Quando há suspeita de desobediência, o juiz autoriza os condutores a levar, à força, o investigado. No caso, o juiz foi gentil, impediu as algemas. Mas, não pensem os do PMDB e do PSDB, os do PTB et caterva, que as passeatas não os atingiram. Toda a classe política está sob a suspeição das ruas. Todo o sistema político e os políticos continuarão a ser vigiados. Pela primeira vez na história do país, as classes médias - as que, ao cabo, decidem - tomaram as rédeas da política.

Nem pensem os parlamentares que, por emenda à Constituição, é possível instituir semipresidencialismo à moda de Portugal ou da França. Só plebiscito ou constituinte exclusiva poderá fazê-lo. As alternativas estão postas: impeachment, cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral ou renúncia (ou, no limite, intervenção militar). O Brasil não aguenta mais 2 anos e 9 meses sob o governo desmoralizado de Dilma. Até lá, o país terá sido destruído. Cabe ao Congresso dar solução rápida ao impasse. As ruas falaram. E uma figura exponencial da República, Delcídio do Amaral. A delação deve ser vista com prova testemunhal superqualificada quanto aos seus correligionários no tangente a fatos sibilados aqui e acolá e agora reafirmados. A referência a enredos do passado criam atoarda mais são inservíveis. Há fatos sob crivo do Judiciário que transitaram em julgado, como alguns da época de FHC (Furnas etc.).

Graves são as denúncias de interferência contínua para obstruir o mensalão e a Lava- Jato, envolvendo Lula e Dilma, agora corroboradas pela delinquência gravada de Aloizio Mercadante. As redes sociais noticiaram o encontro em Lisboa com o ministro Lewandowski, a nomeação do ministro Navarro - que realmente votou pela soltura dos empreiteiros cinco vezes -, mas não foi referendado pelos seus pares, as incumbências dadas a Delcídio pelo amigo Lula, a plena consciência da Dilma no caso da refinaria de Pasadena, as declarações do ex-ministro da Justiça sob novos rumos na Operação Lava-Jato, além de seus encontros com advogados, segundo ele sempre casuais.

A presidente deu atestado falso de posse ao seu primeiro-ministro. Prevaricou contra a probidade administrativa, crime de responsabilidade conforme artigo 85, V da Constituição, além de obstar o livre exercício do Judiciário (II do mesmo artigo). São novos motivos para o impeachment, a bem da ética e da economia. A indignidade desse governo é inimaginável até para correr da polícia.



22 de março de 2016
Sacha Calmon, Correio Braziliense

A LEALDADE DE ARAGÃO

O ex-subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, resolveu mostrar para Lula toda sua lealdade e, nomeado ministro da Justiça, desandou a falar contra a Operação Lava-Jato. Ameaçou afastar de investigações criminais delegados e agentes suspeitos de vazamento de informações sigilosas, e classificou de "extorsão" o método usado pelos procuradores para obterem as delações premiadas.

Aragão é o mesmo a que o ex-presidente Lula se referiu numa conversa com seu ex-ministro Paulo Vannuchi, dos Direitos Humanos, quando se queixava da atuação dos procuradores do Ministério Público: "O problema é o seguinte, Paulinho. Nós temos que comprar essa briga. Eu sei que é difícil, sabe. Eu às vezes até fico pensando se o Aragão deveria cumprir um papel de homem naquela porra, porque o Aragão parece nosso amigo, parece, parece, parece, mas tá sempre dizendo 'olha. sabe, porra'", diz Lula para Vannuchi.

As declarações recentes de Aragão provocaram uma reação vigorosa da Associação Nacional dos Delegados, que amanhã se reunirá para decidir se entra na Justiça com um mandado de segurança para impedir afastamentos preventivos de policiais federais. Também o deputado federal Raul Jungmann entrará com uma ação em defesa da imparcialidade na atuação da Polícia Federal. Impetrará um mandado de segurança coletivo no STJ contra o ministro, para impedir que ele dê ordens ou orientações para a substituição sumária ou arbitrária de equipes de agentes da Polícia Federal envolvidos na Lava-Jato, sem a apuração e demonstração adequada dos fatos que a justifiquem.

O deputado do PPS, que foi o autor da ação no Supremo que redundou na saída do ministro da Justiça anterior, entrou também com outra ação do mesmo teor no Supremo Tribunal Federal contra Aragão. A ministra Cármen Lúcia já deu dez dias para que o novo ministro se defenda, e Jungmann acha que até lá ele não deveria tomar nenhuma medida.

"O mais interessante seria o pedido de liminar determinar que, para evitar prejuízos ou dúvidas durante a tramitação do mandado de segurança, o ministro, pessoalmente ou por seus subordinados, se abstenha de dar ordens ou orientações a qualquer membro da PF a não ser por ato administrativo escrito e autuado em expediente administrativo regular, bem como de se reunir ou se comunicar com qualquer autoridade da PF sem o registro completo do conteúdo das conversas, por meio eletrônico, que deve ser conservado para apresentação imediata à autoridade judicial, caso requisitado".

Aragão também é membro do Ministério Público, mas como fazia parte da instituição antes da Constituinte de 1988, que proibiu que seus membros fossem nomeados para o Poder Executivo ou exercessem outras funções que não o magistério, se considera apto a assumir o ministério. Não é esse o entendimento do STF, defende Jungmann, baseando-se em um acórdão do ex-ministro Eros Grau, aprovado pelo plenário, que diz que os procuradores anteriores à Constituinte podem optar por manterem garantias e vantagens burocráticas da carreira, mas não estão isentos das proibições que visam garantir a independência dos poderes.

Até mesmo no Conselho Superior do Ministério Público Federal, que tem um entendimento mais flexível sobre a interpretação da Constituição e autorizou a posse de Aragão no ministério, o relator do caso considerou que ele não tinha condições de assumir o Ministério da Justiça porque, segundo o subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, não fez a opção pelo regime anterior, conforme exige a Constituição Federal.

No mesmo parecer, o subprocurador diz também que há conflito de interesse na nomeação, pois Aragão até recentemente era subprocurador-geral eleitoral, por três anos, o que o impediria de ser subordinado "àqueles que participaram do pleito passado", comprometendo a independência do Ministério Público.

O temor diante das intempestivas declarações do recém-nomeado ministro é que ele tenha sido nomeado justamente para conter as investigações da Lava-Jato.



22 de março de 2016
Merval Pereira, O Globo

PONHAM BARBAS E BATONS DE MOLHO

Hoje quero pensar, com você, em duas questões relacionadas ao tema da corrupção da política no Brasil. Uma primeira, fruto de uma pergunta que ouço muitas vezes das pessoas, e uma outra, sobre a aposta do PT que Lulinha resolverá o problema do governo salvando todo o sistema político corrupto brasileiro, aniquilando a Lava Jato com a discreta aceitação de grande parte dos setores da oposição e do alto clero jurídico do país. Vamos por partes.

Vamos à primeira questão. Muitos se perguntam a razão da maioria esmagadora dos intelectuais, artistas e estudantes de humanas ser tão caninamente a favor do PT. Na semana passada, nesta coluna, me referi à seita da jararaca (o PT) como uma religião. Hoje, vamos olhar de outra forma esse fenômeno que é espantoso para muita gente, mas que, na realidade, pode até ser visto de forma filosófica.

Caros, prestem atenção: verdade seja dita, muita gente da academia é caninamente fiel ao PT, mesmo sendo evidente que ele participa profundamente do esquema de corrupção da política brasileira.

É claro que praticamente todos os partidos também o fazem, e isso é fundamental pra você entender a segunda questão que tratarei abaixo. Muitos jovens aderem de forma impensada e estimulada por professores que construíram e constroem suas vidas intelectuais e institucionais em cima da seita marxista e associadas.

Essa adesão significa poder nos departamentos, órgãos colegiados e instituições que financiam pesquisas. Entendeu? Grana e poder localizado dentro do espaço institucional acadêmico. O mesmo serve para os editais de cultura dos artistas que vivem do governo.

Muitos alunos são tragados, em seu impulso de querer mudar o mundo (muitas vezes, em detrimento de arrumar o próprio quarto), por essa máquina de corrupção interna ao mundo intelectual institucional. De um ponto de vista da carreira, essa adesão pode, inclusive, garantir concursos e parcerias interessantes.

Mas existe uma causa mais metafísica ou mais sofisticada para gente inteligente apoiar caninamente e violentamente o PT e associados, em sua saga pela corrupção ideologicamente justificada.

Eis a causa: para a moçada inteligente, o horror à corrupção é coisa do humanismo burguês (coxinha, numa linguagem mais atual).

Para esses inteligentes, se a corrupção, o crime, a mentira, a violência, forem em nome da causa, tá valendo. É isso que grande parte das pessoas não entende quando se choca com o fato que a universidade, a arte e a cultura, em grande parte, apoia caninamente corruptos com metafísica, como a tropa de choque do PT e associados.

Marx (1818-1883), Bakunin (1814-1876) e Nechayev (1847-1882), para ficar apenas em três grandes estrelas desse mundo, pensavam exatamente assim. Portanto, caros, para os inteligentes, a corrupção tem metafísica: essa metafísica é a justificativa de que ela é parte das ferramentas necessárias para a luta. Você, burguês, coxinha, na sua ingenuidade, pensa que, sendo eles cultos, pensariam de forma simplista como você?

Agora vamos à segunda questão de hoje. Por que Lula foi indicado para o ministério? Não, não estou me referindo à forte indicação de que isso foi um truque para tirá-lo das mãos do algoz Moro. Refiro-me à sua missão superior de salvar o sistema corrupto inteiro que a Lava Jato pode vir a engolfar em seu processo pós-PT. E aí, caros irmãos, a coisa pega.

O PT, caso confirme seu superministro, aposta no medo do alto clero jurídico e da oposição como apoio ao aniquilamento institucional e burocrático da Lava Jato.

É um papinho aqui, uma leizinha ali, um parecerzinho acolá, e pronto: a Lava Jato vira pizza, como as Mãos Limpas viraram na Itália graças a Berlusconi (e Moro sabe muito bem dessa história). Nosso Berlusconi é o Lula. Não é o Moro que é o Berlusconi (como muitos desavisados pensam), é o Lula. O Moro tá mais pra Batman do que pra Berlusconi.

Portanto, ponham suas barbas e batons de molho. Lulinha paz e amor da manifestação da última sexta veio pra salvar a corrupção de todos.



22 de março de 2016
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP

O CHEIRO COMO MÉTODO

Se para punir suspeitos bastasse o “cheiro” de ilegalidade, sem necessidade de provas, Luiz Inácio Lula da Silva já estaria há algum tempo convivendo atrás das grades com os grandes empreiteiros de obras públicas com os quais, durante e após seus dois mandatos presidenciais, manteve relações ostensivamente promíscuas. Para Lula, porém, é auspicioso que o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, se declare franco adepto do método olfativo: “Cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe será trocada, toda. Cheirou. Eu não preciso ter prova”.

Só não é totalmente inacreditável que o ministro da Justiça tenha feito essa declaração, em entrevista à Folha de S.Paulo, porque cheira forte que alguém com a truculência sob medida tenha sido colocado na importante pasta por imposição de Lula e do PT exatamente para criar obstáculos à Operação Lava Jato. Como primeira consequência da posse do ministro que confia no próprio olfato para cumprir a missão que lhe foi confiada pelo lulopetismo, já no fim de semana passou a impregnar o ambiente político em Brasília o forte odor de que a intervenção na Lava Jato começaria pela troca do diretor da Polícia Federal (PF). Ontem, o Ministério da Justiça divulgou nota desmentindo que o chefe da PF, Leandro Daiello, esteja ameaçado de demissão, mas apurou-se que o Planalto teria estabelecido um prazo de 30 dias para sua substituição.

Daiello comanda a PF desde 2011, escolhido pelo então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Este deixou de ser ministro porque Lula e toda a tigrada petista o acusavam de não ter “pulso forte” para impedir as “arbitrariedades e injustiças” cometidas pela PF, principalmente a partir do momento em que o ex-presidente passou a ser alvo de investigações. Se a presidente Dilma Rousseff não teve força política para manter no cargo um ministro de sua estrita confiança, o que dizer do chefe da PF? A bombástica declaração de Eugênio Aragão logo após sua posse soa como destinada a tranquilizar os responsáveis por sua nomeação. Resta saber até que ponto ele está realmente disposto, para agradar a seus padrinhos, a intervir na Lava Jato, que a maioria absoluta dos brasileiros enxerga como um símbolo intocável da luta contra a impunidade dos poderosos e que, dessa perspectiva, passou a ser forte elemento de aglutinação das manifestações populares contra o governo.

Dilma e Lula sabem o risco político que representa, pela forte e inevitável repercussão nas ruas, mexer com a Lava Jato. Mas aparentemente o ex-presidente, que hoje tem sob seu comando as articulações políticas do governo, considera mais urgentes e prioritárias as medidas destinadas a impedir que a PF bata à sua porta com um mandado de prisão. Essa, aliás, é a principal razão, comprovada pelas gravações divulgadas pela PF, da tentativa de nomeação do ex-presidente para a chefia da Casa Civil, cargo que o deixaria a salvo da “perseguição” do juiz Sergio Moro.

Pelo que se viu até agora, Eugênio Aragão na Justiça pode ser o homem certo no lugar certo para blindar Lula da ação da Polícia Federal. Mas mesmo para ele essa será uma tarefa ingrata do ponto de vista legal, dado o acúmulo de evidências e provas contra Lula em relação ao patrimônio material que acumulou a partir de suas notórias relações com os maiores empreiteiros de obras públicas do País, das quais teriam resultado, como a Operação Zelotes investiga, benefícios mútuos. “Controlar” essas investigações exige botar freio na autonomia funcional que a Constituição garante aos policiais federais, independentemente de sua subordinação hierárquica ao ministro da Justiça. A este cabe apenas, segundo a Constituição, determinar as diretrizes e o orçamento das operações policiais.

Pois Aragão, na mencionada entrevista, deixou claro que vai impor “diretrizes” que, em última análise, significariam pura e simplesmente o cerceamento das investigações. Fez isso ao manifestar desconfiança sobre a maneira como o instituto da delação premiada é aplicado em Curitiba: “Na medida em que decretamos prisão preventiva ou temporária em relação a suspeitos para que venham a delatar, essa voluntariedade pode ser colocada em dúvida. Porque estamos em situação muito próxima de extorsão. Não quero nem falar em tortura”. Definitivamente, não cheira bem.



22 de março de 2016
Editorial O Estadão

MÃOS SUJAS

Desconcertantes conversas de Lula foram mais reveladores das intenções de obstrução de Justiça do que denúncias de Delcídio

O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. Muitas biografias desceram pelos ralos da História quando lideranças se perderam por excessos permitidos ao poder sem limites. As instituições de uma sociedade livre estabelecem limites ao exercício do poder exatamente para evitar tais excessos. As investigações da operação Lava-Jato são o registro dessa marcha histórica de aperfeiçoamento institucional da República. Contra o abuso de poder, as práticas políticas degeneradas e a corrupção sistêmica.

Por outro lado, o senador Delcídio do Amaral denuncia a articulação de uma operação Mãos Sujas, comandada pelo ex-presidente Lula, para interferir nos trabalhos da Polícia Federal, do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal. Com a indicação de Lula para ministro-chefe da Casa Civil, a operação Mãos Sujas sai da clandestinidade para virar programa de governo. Essa perturbadora agenda foi confirmada pelas desconcertantes conversas de Lula, ainda mais reveladoras do que os depoimentos do ex-líder do governo no Senado. “Tô assustado com a República de Curitiba... esses meninos da Polícia Federal e do Ministério Público têm que ter medo... delegado não pode desrespeitar político... tem que trucar o Janot e triturar... que porra é essa que a Receita Federal tá fazendo junto com a Polícia Federal? Fala com a Dilma o negócio da Rosa Weber... temos uma Suprema Corte totalmente acovardada... presidentes da Câmara e do Senado fodidos... o Aragão deveria cumprir um papel de homem.” O novo ministro da Justiça, pautado por Lula, anuncia estudar medidas judiciais contra Sérgio Moro e punir policiais federais por suspeita de vazamento de informações. “Cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe será trocada, toda. Não preciso ter prova”, ameaça Eugênio Aragão.

Lula é um bom brasileiro e não quer incendiar o país. Exige com razão que a operação Lava-Jato não atinja apenas a ele e ao PT. Mas erra se exige cumplicidade em malfeitos e elabora uma agenda de obstrução da Justiça. É importante que ouça a voz do povo nas ruas antes de investir contra a Justiça. Foram muito mais de três milhões de manifestantes em verde e amarelo a favor de Sérgio Moro, e algo menos de 300 mil em vermelho a seu favor.



22 de março de 2016
Paulo Guedes, O Globo

UM PAÍS A LIMPO

Ao completar dois anos neste mês de março, a Lava-Jato entra para a história brasileira como a operação que recuperou o maior volume de recursos desviados pela corrupção. A força-tarefa conseguiu devolver aos cofres públicos praticamente R$ 3 bilhões. Para efeito de comparação, o mensalão representou uma sangria de R$ 100 milhões. O escândalo que defenestrou o todo-poderoso José Dirceu estremeceu o projeto político do então presidente Lula, mas não impediu a reeleição do líder petista. Pelo contrário: Lula não apenas continuou no poder como terminou o mandato como presidente com maior índice de aprovação popular. Delúbio Soares, no auge das denúncias, disse a célebre frase: "As denúncias serão esquecidas e vão virar piada de salão".

O julgamento do mensalão, em 2012, já no primeiro mandato de Dilma Rousseff, começou a tirar a graça dos petistas. Com a atuação enérgica e incansável do ministro Joaquim Barbosa, o Supremo Tribunal Federal deu prova ao povo brasileiro de que poderosos podem conhecer a prisão. Entre os condenados constavam um ex-ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República e um ex-presidente da Câmara dos Deputados. Muitos consideram o julgamento do mensalão uma quebra de paradigma na tradição de impunidade tão presente na política nacional. Quatro anos depois, o Supremo volta a assumir o protagonismo político, ao decidir se concede o foro privilegiado a Lula e ao definir o rito de impeachment no Congresso Nacional.

Esse resumo de capítulos relevantes da nossa história recente ressalta o eficácia de instituições no combate à corrupção. Não fosse a tenacidade de magistrados, a diligência do Ministério Público e da Polícia Federal, o país estaria refém de um grupo político que se mantém no poder de forma acintosa, em completo desprezo pelos interesses da nação. A contundente resposta do ministro Celso de Mello às ofensas dirigidas ao Supremo não deixa dúvidas da faxina ética que se impõe no Brasil de 2016: "Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade das leis e da Constituição de nosso país, a significar que condutas criminosas perpetradas à sombra do Poder jamais serão toleradas, e os agentes que as houverem praticado, posicionados, ou não, nas culminâncias da hierarquia governamental, serão punidos por seu Juiz natural na exata medida e na justa extensão de sua responsabilidade criminal".



22 de março de 2016
Carlos Alexandre, Correio Braziliense

O FUGITIVO, A RAINHA E OS CIDADÃOS

O fundador de uma dinastia partidária subira na vida política graças a seu carisma pessoal, que o levara ao trono. Em época nem tão remota, contou com a ajuda de um partido que ajudou a criar, da Igreja Católica, que o apoiava, e de um conjunto de intelectuais desgarrados com a queda das monarquias comunistas, ditas populares. Conseguiu ardilosamente vender a ideia – falsa, aliás – de que estaria mudando tudo o que estava aí, apesar de, num acesso de bom senso inicial, ter mantido todas as importantes reformas do antecessor. A ilusão vingou e foi compartilhada pela maioria dos súditos daquele reino.

Mas a farsa não resistiu por muito tempo. Imbuído da ideia messiânica de que estaria resgatando o país e, em particular, os pobres, terminou por criar uma corte – militantes e aproveitadores dos mais diferentes tipos, alguns riquíssimos. Não faltaram os “bobos da corte”, na verdade, um bando de espertos que passaram a contar com benefícios próprios, oriundos do exercício arbitrário do poder.

Passado um tempo, o rei e seu grupo partiram para a etapa seguinte, a apropriação privada dos bens públicos, com seus membros aparelhando o Estado, numa espécie de assalto ao Tesouro. É bem verdade que continuavam vendendo a ideia, e muitos acreditaram, de que estavam pondo o país na rota do “progresso social”, quando, de fato, estavam destruindo o Estado, suas empresas e as leis.

A rota que seguiam era a do dinheiro. Ávidos em busca dele, até esqueceram as leis do reino, que disciplinavam, entre outras coisas, a relação entre o público e o privado. Achavam que isso era coisa de “burguês”, termo usado para qualificar qualquer inimigo deles. Na visão deles, não havia mais adversários, mas tão somente inimigos a serem aniquilados. O ódio foi instalado.

O rei tornou-se milionário, embora quisesse ocultar para a massa dos seus súditos essa realidade. Fazia parte da ficção do seu poder. Sua fortuna, graças a diligentes funcionários públicos, juízes, promotores e policiais, que não compactuavam com o arbítrio, foi estimada em dezenas de milhões de reais. O império das leis tornou-se o império de dom Lula da Silva, o Onipotente.

Curioso que o rei se apresentava como metalúrgico, embora o tenha sido por curtíssimo período, pois logo se tornou sindicalista e líder partidário, sua verdadeira “profissão”. Manteve aquela imagem, porque lhe era útil para o exercício do poder. Veio a ser o mais ilustre membro da elite dominante.

Entretanto, o reino guardava um traço democrático, a realização de eleições periódicas para a renovação dos quadros dirigentes. Tratava-se de uma espécie de monarquia eleitoral. Ante tal situação e na impossibilidade, naquele momento, de alterar essa regra, embora tenha cogitado, optou por um esperto estratagema: uma sucessora que seria sua criatura.

Crédulos, os súditos aceitaram sua escolha e a ungiram. Nomearam-na dona Dilma, a Desconexa. A trama política consistia no retorno dele no futuro próximo. Acontece que sua criatura pôs os pés pelas mãos como se diz no popular. Gastou o que o reino não tinha, maquiou as contas públicas, pôs o país na recessão, destruiu empregos e empresas e produziu perigosa inflação. Um desastre total.

Nesse meio tempo a máscara começou a cair. Os cidadãos crédulos tornaram-se incrédulos no culto dominante. As manifestações se iniciaram. Aquele grupo de funcionários públicos dedicados passou a investigar e vasculhar as contas públicas.

Estarrecidos, descobriam que as contas públicas se haviam tornado privadas, apropriadas pelo rei, por sua corte partidária e por um grupo de empresários inescrupulosos. Juntos, todos participavam do festim dos bens públicos. Para os súditos, as migalhas!

Começaram, então, um impecável trabalho de resgate do império da lei. Sociedades livres não podem viver sob o arbítrio de poucos, de uma oligarquia vestida com as roupagens de “esquerda” com o intuito de esconder os seus crimes. O esforço produziu resultados.

O ex-rei, embora vendesse aos crédulos – cada vez menos numerosos – a sua santidade, começou a fugir da Justiça. Foi um alvoroço no palácio e na corte. Todos corriam para todos os lados, chocavam-se sem cessar, até que um “iluminado” – de poucas luzes – lançou uma ideia genial, própria de gênios desmiolados: por que não fazer do ex-rei o vizir, uma espécie de primeiro-ministro da rainha?

Esta teria inicialmente hesitado em aceitar tal proposta, uma vez que poderia tornar-se mera figurante de seu criador. De fato, seria o destino real da criatura. Logo, teve de fazer a “escolha” entre ser figurante e coisa nenhuma, porque se arriscava a perder todo o seu poder.

Acontece que a impunidade tinha acabado no reino. Ninguém estava mais fora do alcance da lei. Dom Lula da Silva, o Onipotente, não mais tinha a potência de antanho. Ficou desacorçoado. Em conversas privadas, primava por insultos e palavras de baixo calão. Coisa de bêbado em botequim. Tomou a decisão de fugir.

A questão era: para onde? Poderia ter escolhido países “amigos”, com os quais sempre desfrutou de uma relação privilegiada. No continente havia a monarquia comunista cubana ou o projeto terminal da oligarquia bolivariana venezuelana. Seria, porém, patético!

Optou, então, por fugir para dentro do palácio, como se esse fosse um lugar onde as leis não valeriam. A rainha concedeu-lhe uma espécie de salvo-conduto, o título de ministro, como se assim pudesse escapar dos juízes, promotores e policiais que estavam no seu encalço. Manobra pueril.

Os ministros da Corte Máxima, insultados por dom Lula, o Onipotente, reagiram com dignidade e proclamaram que o inaceitável havia sido atingido. As ruas se inflamaram. Os cidadãos disseram em alto e bom som: basta!

Sem medo, proclamaram: abaixo a monarquia esquerdista, viva a democracia!


22 de março de 2016
*DENIS LERRER ROSENFIELD É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS,
O Estado de S. Paulo

A PREOCUPANTE OFENSIVA DO GOVERNO CONTRA A LAVA JATO

A nomeação de Eugênio Aragão para a Justiça confirma a intenção de enquadrar-se a PF, num momento em que o certo é confiar nas instituições

É muito provável que a ideia de nomear ministro o ex-presidente Lula tenha sido considerada no Planalto, PT e redondezas uma tacada de mestre. Ao mesmo tempo em que se blindaria Lula contra o juiz Sérgio Moro e a Operação Lava-Jato, um governo enfraquecido contaria com substancial reforço para negociações políticas ou o que fosse. Mas, na prática, a teoria não tem funcionado.

Mesmo sabendo que era investigado, Lula não se moderou ao telefone e permitiu que se registrassem em gravações legais diálogos memoráveis, típicos de quem não se preocupa com limites da lei e éticos na defesa de interesses próprios.

Em uma gravação específica — cuja legalidade será decidida pelo Supremo —, Lula e Dilma deixaram claro que a prioridade, na semana passada, era apressar a nomeação do novo ministro, agora sub judice, para protegê-lo de eventual prisão. E também para que o processo em torno dele que está em construção na Lava-Jato vá para o STF, não fique na Justiça Federal de Curitiba, sede da operação.

A intenção de erguer barreiras contra o trabalho da força-tarefa da Lava Jato para elucidar quem é o verdadeiro dono do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia já é passível de pelo menos uma denúncia criminal.

Além da nomeação de Lula a fim de abrigá-lo no STF — intenção que pode ser ilusória, pois foi o Supremo que condenou os mensaleiros —, há uma operação em curso para, se não desmontar, paralisar a Lava-Jato.

A nomeação para o Ministério da Justiça do sub-procurador-geral da República, Eugênio Aragão, é sintomática. Ele é o mesmo que Lula, num dos diálogos gravados, diz achar que deveria cumprir um papel “de homem”, para enquadrar a Polícia Federal. O que o lulopetismo cobrava do ex-ministro José Eduardo Cardozo.

No fim de semana, em entrevista à “Folha de S.Paulo”, Aragão advertiu: “Cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe será trocada, toda”. Mostrou logo a que veio, mesmo que tempere a advertência com declarações favoráveis à investigação. Mas ela não interessa ao lulopetismo, é certo.

Já começou difícil o relacionamento do ministro com delegados da PF ciosos da importância da sua autonomia operacional.

O ímpeto de Aragão nas primeiras entrevistas, a gana de Lula contra adversários que trata como inimigos, como expresso nas gravações, são ingredientes que podem levar a um agravamento da própria crise política. Porque não será, por certo, aceita de forma passiva qualquer intervenção arbitrária na PF.

Na manifestação de sexta-feira, na Paulista, o Lula que discursou foi o “paz e amor” da campanha de 2002. Melhor assim. A nomeação dele, colocada em suspenso por liminar concedida pelo ministro Gilmar Mandes, será examinada pela Corte. É preciso aguardar uma decisão final, de que dependerá o destino das investigações da Lava-Jato sobre ele. Se ficam em Brasília ou retornam a Curitiba, como determinou o ministro do STF.

Ao mesmo tempo, começa a funcionar a comissão do impeachment. É assim que deve ser: as instituições em funcionamento — Legislativo e Judiciário —, para que se supere a crise sem qualquer desobediência à Constituição.

22 de março de 2016
Editorial O Globo

O MINISTRO JARARACA


“Eu sou o único cara que pode incendiar esse país... Tá pensando o quê? Eu estou aqui em frente ao espelho e posso falar tudo que quiser... Ninguém me ouve. Olho-me no espelho e vejo que eu sou o povo. Sou um fenômeno de fé. Quanto mais me denunciaram, mais eu cresci. Eu desmoralizei escândalos, vulgarizei alianças, subverti tudo, inclusive a subversão. Agora eu voltei como uma jararaca. Aaah. A jararaca virou ministro... Vou morder esse Sérgio Moro na bunda. Meus inimigos odeiam o homem maravilhoso que eu sou. Por isso querem me prender. Inveja. Não há vivalma no país tão inebriante como eu. Eu me amo.

“Por inveja, o Supremo Tribunal Federal também está querendo me esmagar a cabeça. Estão todos acovardados sem me defender, porque são uns neoliberais de merda – covardes... E mais: e os babacas dos presidentes da Câmara e do Senado? Estão fodidos. Se derrubarem a Dilma, caem juntos.

“Agora eu chamei um novo ministro para a Justiça, o Eugênio Aragão. Ele é meio maluco, frequenta o Santo Daime, bebe ‘huascar’ e já começou a ‘trabalhar’; já ameaçou o diretor da PF e vai nos ajudar a atacar a República de Curitiba... Ainda bem que surgiu um macho para me defender, porque a ministra Rosa Weber nem deu bola – mal-amada... Até a minha assessora, Clara Ant, está com raiva, porque eu falei que ela era uma baranga... E a ingratidão daquele Janot, que eu mandei a Dilma nomear?

“Mas o povo foi para as ruas, a CUT, o MST organizaram tudo. Os coxinhas ficam com medo daquela onda vermelha... Eles têm de me respeitar... Como pode um delegado, um promotor do MPF me desrespeitar? Eu não sou um cidadão comum, como eu disse uma vez para puxar o saco do Sarney. Eu sou especial. Fui falar com o Lewandowski, que tanto nos ajudou no mensalão, e também fui traído. Ele se recusou a agir contra a República; mas, que república? Ele traiu a mim...
“Eu vou secar essa Lava Jato. Eles têm de ter medo de mim... Esse Moro está subvertendo as regras políticas de 400 anos. Sempre fomos assim, é até uma tradição... E a Receita Federal que não me respeita? Tem de ficar bisbilhotando minhas contas? Já dei um esporro no Nelson Barbosa, que fica copiando aquele babaca do Levy, querendo fazer cortes no Orçamento... Que cortes? A militância não quer. Tem de cortar porra nenhuma. Tem é que aumentar os gastos públicos ainda mais para eu recuperar minha imagem. E tem mais: vou meter a mão naquele tal de ‘fundo soberano’, nas reservas internacionais do Brasil, no peito e na raça, para distribuir presentinhos de consumo para os idiotas que me amam.

“E a porra do sítio em Atibaia? A ideia foi boa, botar tudo no nome dos sócios do Fabinho... Mas veio essa PF, que o Aragão, graças a Deus, vai arrasar, e fodeu tudo...

“E aquele triplex que comprei, atualmente em nome da OAS. Êta gente boa! Eu achei pequeno como um daqueles barracos do Minha Casa, Minha Vida, e eles reformaram tudo. A direita diz que aquelas fotos no apartamento – eu, a Marisa e o Léo Pinheiro – provam que eu sou o dono. Eu direi a eles que não prova nada, porque estávamos decidindo cor de paredes, sancas, lustres etc. É isso aí, bicho. A OAS tem agora um novo departamento: ‘OAS Decorações’. Ha ha ha...

“Espelho meu, a verdade é que eu comandei o esquema todo. Eu ia deixar toda essa grande empreitada para me salvar na mão de incompetentes como o Mercadante? Eu me salvo! Porra, tive de bancar o bobo, dizendo que não sabia de nada... Só se eu fosse um débil mental, com tudo ali à vista no Planalto, na cara.

“Eu sou foda. Eu fiz tudo sozinho. Claro que com a ajuda dos operários, aqueles operários que acreditavam em mim enquanto eu conciliava com as multinacionais... A verdade é que eu nunca me interessei pelo bem do povo. Essa visão de um operário pensando no país é uma imagem romântica de pequenos-burgueses. Operário quer é subir na vida. Fui mestre nisso. Eu odiava o calor daqueles tetos de Eternit na fábrica, aquela cachaça morna na hora do almoço. Aquele torno que cortou meu mindinho foi minha primeira grande sorte (tem gente que até acha que eu mesmo cortei...). Virei líder sindical. Foi a sorte grande. Sem dedo, descobri a massa. Eu vi a facilidade de convencer o povão de fazer o que eu quisesse. Tudo tão simples; basta falar como eles, falar de futebol, fingir de vítima, injustiçado por ter origem humilde, dividir o mundo em ricos e pobres, mentir estatísticas numa boa, falar do futuro.

“Meu grande erro, espelho meu, foi não ter pegado o terceiro mandato. Botei aquela guerrilheira incompetente no poder, e ela também sabia de tudo. Imagina se aquela comuna não sabia da compra da refinaria de Pasadena pela qual pagamos 300 vezes mais que o preço original... Foi lindo! Mais de 3% só para o PT. Quanto deu? Três por cento de R$ 1,2 bilhão quanto é? Sei lá... E dane-se que os ‘Cerverós’ da vida meteram a mão na cumbuca... Nosso plano foi de usar a corrupção para ficar no poder, como todos sabem... ‘Fora do poder tudo é ilusão’, dizia, acho que foi Lênin, que aqueles imbecis citam muito... Só a corrupção move o país.

“Ai que saudades das mãos da rainha Elizabeth – eu beijei sua mão com um vago perfume de verbena. Ai que saudades dos tempos em que eu posava com outros presidentes, com o Obama me puxando o saco, dizendo que eu era ‘o cara’. Mas eu voltarei... E mesmo com tantos problemas, tenho compensações: como é bom ver intelectuais metidos a besta ainda me olhando com fervor, me achando o símbolo do futuro, como se eu tivesse uma foice e um martelo nas mãos. Como são burros esses cultos, esses intelectuais da USP/PUC reunidos para me defender... Eu confesso que não entendo como esses artistas e cancioneiros populares ignoram que eu não sou a salvação de merda nenhuma. Como é que eles conseguem se enganar tanto? Só penso em mim. Mas, graças a Deus, eles têm fé... Por isso, eu conto com esses idiotas. Suas teorias e crenças ideológicas conferem um pouco de ‘profundidade’ a mim... Claro que estou pouco cagando para suas teses, mas eles são úteis.

“Eles pensam que são a revolução. Mas eu é que sou a revolução. Eles não queriam arrasar o capitalismo?

“Pois eu consegui”.



22 de março de 2016
Arnaldo Jabor, O Globo

VERGONHA NA CARA

Acredito que os brasileiros tenham sofrido um impacto muito grande quando, em 28 de maio de 2007, um ministro japonês de Agricultura, Floresta e Pesca cometeu suicídio, enforcando-se em sua casa com uma corrente de guiar cachorro, por estar sob suspeita de corrupção. Seu nome era Tashikatsu Matsuoka, tinha 62 anos e era acusado de ter recebido US$ 107 mil de empresas do ramo de construção com interesses na área de sua pasta. À época do suicídio, praticado horas antes de seu depoimento perante um comitê parlamentar, Matsuoka contava com 41% de aprovação entre os japoneses.

O impacto que suponho tenham os brasileiros possivelmente sofrido não se restringe à violência do suicídio, mas ao seu motivo. Parece impossível que exista no mundo nação tão correta, bem organizada e apegada à honra e ao bom caráter como o Japão. É claro que estar sob suspeita de corrupção deve causar vergonha, depressão, arrependimento, no caso de os atos criminosos terem realmente ocorrido. Mas, no Brasil, o sujeito que subtrai dinheiro público, mesmo sendo condenado e preso, é fotografado e filmado externando as mais esdrúxulas reações: rindo, fazendo gestos obscenos, levantando o punho cerrado (insinuando ameaças do tipo “esperem o meu retorno”, ou “minha vingança não tardará”, ou “fiz e farei de novo”, ou “vão se danar, idiotas”). Isso eles fazem a caminho da carceragem ou da penitenciária!

Acima de tudo, é impactante um sujeito suspeito de corrupção e com pedido de prisão já formulado pelo Ministério Público ser convidado e aceitar assumir um ministério com o fim de escapar dos rigores da lei e da Justiça, e, mais especificamente, subtrair-se ao rigor judicante do excelente magistrado Sérgio Moro. E quem faz o convite é nada menos que a presidente da República, que tem o menor índice de aprovação da História recente do País.

O Brasil de hoje se apresenta ao mundo como uma crônica do absurdo. O povo, inconformado com tanta desmoralização, sai às ruas várias vezes, em passeatas pela moralidade, pela Justiça, pelo fim da corrupção generalizada, pela paz social e pela recuperação da economia. Os governantes surpreendem-se com o gigantismo dos protestos, mas não se sentem em situação de pedir para sair. Parece que os brios acabaram, venceu a pouca-vergonha. Querem o poder pelo poder, nada de trabalhar pela Nação, pelo desenvolvimento e pela segurança do povo. Nada de espírito público, de respeito ao que pertence aos outros ou ao Estado, nada de responsabilidade, seriedade, caráter. A gestão pública foi pelos ares, estamos sob o império da “cara de pau”. O que se lê nas entrelinhas é: eu roubei, mas você também roubou; não venha tirar meu cargo senão eu vou tirar o seu; vamos ver quem pode mais e não me provoque, que eu mando matar você... Enfim, nada se faz pelo povo, qualquer coisa se faz para salvar a própria pele.

Os prefeitos Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT de Campinas, e Celso Daniel, de Santo André, tiveram morte violenta, respectivamente, em 10/9/2001 e 18/1/2002. Várias testemunhas desses casos foram sendo assassinadas no decorrer dos processos judiciais. Os casos não foram esclarecidos, ou seja, ainda não se identificou a autoria, mas a motivação política dessas mortes salta aos olhos. Estamos enfrentando uma verdadeira desgraça moral.

O último homem público a mostrar preocupação com sua imagem, em terras brasileiras, foi Getúlio Vargas. Ele cometeu erros, mas pagou-os com a própria vida. Foi ditador, entregou Olga Benário, grávida, aos nazistas, mas Luiz Carlos Prestes, em lamentável conduta posterior, aceitou dialogar com ele. Getúlio era autoritário, mas ao menos prezava sua honra, tinha brios de homem público e não admitia ser deposto. Semelhante aos governantes de hoje, achava governar para o povo, era o “pai dos pobres”, porém seu governo derreteu antes de chegar ao fim. Seu maior mérito foi ter deixado o cargo quando ficou sem saída. Acabou com a própria vida, e isso não é pouco. Em atitude diametralmente oposta, os governantes atuais preferem acabar com a vida dos outros.

Quem se dispõe a ocupar cargo público deve saber que fará sacrifícios pessoais e terá de pensar no povo antes de cuidar de si. Terá de perceber a grandeza de sua missão e submeter-se às necessidades da Nação. Precisará compreender serem as benesses do cargo apenas facilitadoras dos encargos de quais deverá desincumbir-se. Terá de ser consciente da extrema responsabilidade de um(a) político(a) escolhido(a) pelo povo para gerir um país, um Estado, um município. Abraçar a verdadeira política é ser abnegado, altruísta e, acima de tudo, cioso de suas obrigações.

É por isso que o combate à corrupção deve ser amplo, geral e irrestrito, perdurando para sempre na nossa cultura. Nesse sentido, torna-se louvável a posição assumida pela Ordem dos Advogados do Brasil, em reunião de seu Conselho Federal pleno, apoiada pela Associação dos Advogados de São Paulo, que se pronunciaram de forma uníssona pela instauração do processo de impeachment da presidente, asseverando a observância do devido processo legal. Neste momento de crise, a nós cabe lutar pela decência.

Jânio renunciou, Collor renunciou, mas Dilma declarou que “não tem cara de quem vai renunciar”. Nem com 6 milhões de pessoas em passeata, protestando. Nem com a popularidade despencando a cada minuto. Nem com o País afundando economicamente. Nem com a carestia, a dengue, a zika, a inflação, o desgoverno, o desemprego, as pressões. Nem com a bancarrota da Petrobrás e com os escândalos da Lava Jato. Nem com nada. Pena não sermos o Japão.

*Luiza Nagib Eluf é advogada, ex-procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e ex-secretária nacional dos Direitos da Cidadania, e autora, entre outros, do livro 'A Paixão no Banco dos Réus'


22 de março de 2016
Luiz Nabig Eluf, O Estado de S. Paulo

DESAJUSTE FISCAL

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, vai anunciar hoje que o déficit será ainda maior do que os R$ 60 bilhões que havia divulgado em fevereiro. Ontem, ele anunciou alívio para a dívida dos estados e a mudança no contingenciamento para proteger alguns gastos. Além disso, será criado um mecanismo que pode dar a impressão de que a dívida bruta caiu, ainda que o passivo público seja o mesmo.

Há economistas prevendo que o rombo deste ano pode ser tão grande quanto o do ano passado e chegue até a R$ 100 bilhões ou R$ 110 bilhões. É o cálculo que faz o economista Mansueto de Almeida, agregando aos 60 bi já anunciados a frustração de receita, os gastos extras, custos da renegociação da dívida dos estados. No ano passado, chegou- se a esse valor mas porque foram pagas as pedaladas. O risco é este ano continuar no patamar de R$ 100 bi, mesmo sem o pagamento das pedaladas. Ou seja, há um crescimento acelerado do déficit.

Por isso, ontem ele anunciou outras medidas, dizendo que elas controlarão os gastos no médio prazo, deixando para hoje a divulgação da revisão da meta, que já era de déficit e que vai ficar ainda maior.

Das medidas que ele anunciou ontem, e que serão agrupadas em um projeto de lei complementar, está a de permitir que os bancos façam depósitos voluntários remunerados no Banco central. Quando o Banco Central compra reservas, ele tem que vender títulos no mercado para, como dizem os economistas, "esterilizar a liquidez". Isso é uma forma de evitar mais pressão inflacionária com o aumento do dinheiro em circulação. Essa operação tem sido feita com vendas de títulos com o compromisso de recompra a curto prazo. Tem o nome de operações compromissadas. Em 2007, elas eram 7% do PIB, agora já são 16%. E elas têm crescido porque os bancos não estão aceitando comprar papéis de dois anos ou mais, mas aceitam se o BC prometer recomprá- los em pouco tempo. Hoje, o prazo médio das compromissadas é de 3 meses. Uma dívida cara, curta e crescente.

A proposta feita por Nelson Barbosa é de criar a possibilidade de que, em vez de fazer esta operação de compra de título, os bancos possam recolher voluntariamente parte das suas reservas no Banco Central e sendo remunerados por isso. Será passivo do BC de qualquer maneira, mas como não envolverá um título público pode reduzir o impacto na dívida bruta. Hoje, as operações compromissadas são de quase R$ 1 trilhão. Se parte disso virar reserva bancária remunerada pelo BC, a dívida parecerá menor, ainda que o passivo público seja o mesmo.

O ministro disse que esse mecanismo não é uma jabuticaba. Não é mesmo. Mas depende da maneira que for usada. Pode ser mais um instrumento na mão do BC ou ser uma forma de mascarar o crescimento da dívida que era 52% do PIB no começo do governo Dilma, está em 66% hoje e pode chegar a 80% em 2018.

Barbosa anunciou a criação do Regime Especial de Contingenciamento, que servirá para preservar gastos e não cortá- los. Quando o governo estiver com "baixo crescimento", ele poderá proteger áreas para não cortar despesas ou para até aumentá- las. Foi anunciado também o alongamento da dívida dos estados com a União e a possibilidade de que eles não paguem 40% dos juros devidos ao governo federal durante 24 meses. Isso custará R$ 9,6 bi para a União este ano e pode chegar a R$ 45 bilhões em três anos. Os estados estão mal mesmo, mas o alívio chega bem na hora em que o governo está precisando de apoio político. No fim das contas, foi um anúncio de expansão de gastos, com o nome de "reforma fiscal".



22 de março de 2016
Miriam Leitão, O Globo

NOVA FRENTE

Avançam investigações sobre a burocracia sindical, que conduziu negócios suspeitos na Petrobras e nos fundos de pensão, deixando um legado de prejuízos bilionários

As investigações em Curitiba avançam em uma nova frente, a do sindicalismo. Desde o início deste ano, duas dúzias de dirigentes sindicais dos setores químico, petroleiro e bancário passaram ao centro de inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras estatais.

Trata-se do lado até agora pouco visível da metamorfose de parte dos movimentos sindicais e sociais mais atuantes desde os anos 60 em grupamentos de agitação e propaganda alinhados ao Partido dos Trabalhadores.

Essa transformação foi possível graças à concepção corporativa da política disseminada na era Lula, num flerte com a alternativa da democracia direta. Parecia paradoxal, porque a premissa dessa forma de organização tende a resultar em governantes autômatos. Lula, no entanto, manipulou-a com astúcia. Metabolizou entidades e movimentos organizados. Viraram instrumentos.

A cooptação não se restringiu à vertente sindical trabalhista. Alcançou a Fiesp. O empresário Paulo Skaf, que encobriu com o manto do impeachment a exótica sede piramidal da Avenida Paulista, elegeu-se presidente da Fiesp em 2004 com auxílio de Lula, José Alencar e José Dirceu, em manobra conduzida por Aloizio Mercadante.

Fiel, continuou a burocracia sindical trabalhista, imobilizada em atividades remuneradas pelos cofres públicos. Ela mudou o foco do ativismo, concentrando-se na luta permanente pela impugnação das iniciativas de adversários do partido e do governo. Hoje, sobram porta-bandeiras em defesa de Lula, Dilma e também das empresas processadas por corrupção na Petrobras e em outras estatais. Só não se percebem evidências de preocupação com a origem, os métodos e as perdas resultantes dessa combinação de interesses cleptocratas.

Os efeitos se espraiam, por exemplo, nas estranhas transações decisivas para os déficits da Petrobras (R$ 34,5 bilhões em 2015) e dos fundos de pensão das estatais (Previ, Funcef, Petros e Postalis devem somar R$ 70 bilhões).

A conta vai subir. Na Petrobras, revelou a repórter Cláudia Schuffner, o Conselho de Administração pediu investigações sobre um elenco de decisões de sindicalistas responsáveis pela área de Recursos Humanos, com potencial de novas e bilionárias perdas para a companhia.

Em oito anos, esses burocratas sindicais aumentaram em 2.300% o passivo trabalhista da estatal. Passou de R$ 500 milhões para R$ 12,3 bilhões entre 2006 e 2014. É o dobro das perdas com corrupção registradas pela empresa.

Os delitos estão sendo mapeados. Calcula-se que o custo de algumas cláusulas dos acordos feitos com entidades como a federação dos petroleiros contribua para ampliar em R$ 40 bilhões, no médio prazo, o estoque de dívidas trabalhistas da empresa.

No papel de gestores, os burocratas sindicais inflaram os próprios ganhos (média de R$ 40 mil mensais). Entre outras coisas, permitiram-se adicionais equivalentes aos de periculosidade e de expediente noturno pagos aos “peões” das refinarias e das plataformas marítimas. Alguns lucraram em dobro: estenderam à faina noturna, em gabinetes confortáveis e refrigerados da sede na Avenida Chile, a intermediação (remunerada) de interesses de fornecedores privados em negócios com a companhia estatal.



22 de março de 2016
José Casado, O Globo

VEM AÍ O PRESIDENTE 1%


O Datafolha divulgou uma nova pesquisa para a corrida presidencial de 2018. Os principais pré-candidatos estão mal na foto. Aécio derreteu, Lula continuou a cair e Marina assumiu a liderança por inércia, sem sair do lugar.

O levantamento apresenta um paradoxo. De todos os nomes do principal cenário, o menos citado pelos eleitores é o que tem mais chances de assumir a Presidência. Estamos falando do peemedebista Michel Temer, que aparece com apenas 1% das intenções de voto.

Não se trata de apostar no cavalo azarão. Como vice-presidente, Temer é o substituto imediato de Dilma Rousseff, que está com o mandato em risco. Se o Congresso aprovar o impeachment, como parece cada vez mais provável, ele pode se sentar na cadeira até o fim de abril. Terá 75 anos de idade e mais dois anos e oito meses para governar o país.

Aliados do vice já começaram a escalar sua equipe. "Será um ministério surpreendentemente bom", disse o senador José Serra ao jornal "O Estado de S.Paulo". Derrotado em duas eleições presidenciais, ele quer assumir um cargo similar ao de primeiro-ministro. Se der certo, será mais um a governar sem votos.

O Datafolha também perguntou o que os brasileiros esperam de uma eventual gestão Temer. Só 16% acreditam que ele fará um governo ótimo ou bom. Para a maioria absoluta (60%), a administração será igual ou pior do que a que está aí.

O dado leva a outro paradoxo: sete em cada dez brasileiros apoiam o afastamento de Dilma, mas quase nenhum se empolga com o vice. É um cenário desalentador, porque a recessão não vai evaporar com o impeachment. Um presidente 1% seria capaz de nos tirar do buraco?

O governo escalou Paulo Maluf para defendê-lo na comissão do impeachment. Desta vez, ele não exigiu foto com Lula. Deve ter achado que não faria bem à sua imagem.



22 de março de 2016
Bernardo Mello Franco, Folha de SP

RETÓRICA VAZIA

Além da retórica petista, que se desdobra em vários setores da sociedade tentando dar à minoria que apoia o governo (?) Dilma uma aparência de protagonismo político, na vida real as manobras para invalidar a decisão do ministro Gilmar Mendes de anular a posse de Lula na Casa Civil até agora foram infrutíferas.

Antes de considerar-se impedido de decidir sobre um mandado de segurança impetrado por vários advogados do ex-presidente, pois é amigo de um dos impetrantes, o ministro Edson Fachin decidiu sobre outro, de um advogado por ele desconhecido, e tomou a decisão que parece ser a única possível: negou a liminar, recorrendo a jurisprudência do próprio Supremo que determina que uma decisão monocrática de um ministro não pode ser derrubada por mandado de segurança por outro ministro.

Esse entendimento está expresso em uma súmula editada em 1984, aplicada com frequência pela Corte.

Provavelmente, a ministra Rosa Weber, que acabou sendo sorteada eletronicamente para substituir Fachin na relatoria, adotará a mesma posição, embora seja impossível garantir que a jurisprudência será utilizada mais uma vez.

Aliás, a sorte está sendo madrasta com o governo. Primeiro, foi sorteado o ministro Gilmar Mendes para relatar mandados contra a posse de Lula no ministério, e agora a ministra Rosa Weber, a quem o ex-presidente pretendia que a presidente Dilma, que a nomeou para o STF, pressionasse para controlar as investigações da Operação Lava- Jato.

Também o balão de ensaio de convocar uma reunião de emergência do Supremo durante esse recesso de Páscoa deu com os burros n" água. Não houve receptividade da maioria dos juízes à tentativa do presidente Ricardo Lewandowski, e Lula passará mais uma semana longe do foro privilegiado, colocando seus peões para fazer a segurança de seu apartamento, temendo ser acordado pela Polícia Federal.

A intenção de Lula de conter as investigações da Lava-Jato ficou clara em vários dos diálogos gravados pela Polícia Federal com autorização do juiz Sérgio Moro, assim como a ânsia de seus correligionários de fazê-lo ministro para protegê- lo de uma prisão preventiva, base para os diversos mandados de segurança para impedir sua posse, por desvio de finalidade, crime de responsabilidade que pode ser acrescido às várias denúncias que pesam contra Dilma.

Também a tentativa do novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, de controlar a Polícia Federal com ameaças de punição "ao menor cheiro de vazamento", surtiu efeito contrário. A reação da associação dos delegados da corporação foi tão vigorosa que ele foi obrigado a soltar uma nota afirmando que o diretor-geral da PF, Leandro Daiello - para quem ele já procurava substituto, segundo o noticiário -, merece toda a confiança.

Os blogs "amigos" chegaram até a noticiar que o ex- presidente cogita desistir de assumir o ministério, disposto a atuar informalmente para ajudar o governo na luta contra o impeachment. Esse "desprendimento" serviria para provar que Lula não teme o juiz Sérgio Moro, mas não corresponde à realidade.

Se há provas documentais e áudios mostrando que a posse foi antecipada sem nenhum motivo concreto, e que a presidente Dilma entregou a Lula um termo de posse para "usar apenas se houver necessidade", por que o ex-presidente mudaria de posição assim, de repente? Tudo indica que ele só tomará essa atitude quando e se o Supremo Tribunal Federal decidir que sua nomeação é uma fraude política.

No caso, não lhe restará alternativa. Se, contra todos os indícios, ele desistir antes mesmo da decisão do Supremo, será uma indicação de que já está convencido de que perderá no julgamento. Se porventura o Supremo lhe for favorável, a decisão lhe dará um fôlego para tentar convencer os deputados de que ainda lhe resta uma expectativa de poder.

Mas Lula sabe que é difícil enganar os "picaretas" - como ele já se referiu aos deputados, antes de comprar seus apoios no mensalão e no petrolão - que ele está procurando para estancar o impeachment de Dilma. O ex-presidente já não parece em condições políticas de reverter um jogo que parece decidido.



22 de março de 2016
Merval Pereira, O Globo

SE PRENDEREM LULA, O PAÍS VAI FERVER

O juiz Sérgio Moro está brincando com fogo. Recentemente, na 24ª fase da Operação Lava Jato, o magistrado autorizou a polêmica condução coercitiva de Lula e quebrou o sigilo de gravações de ligações grampeadas do ex-presidente. 
Com a decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, que suspendeu a nomeação do ex-presidente como ministro da Casa Civil, o juiz da "República de Curitiba" pode prender o petista a qualquer momento. 

A pergunta que faço é a seguinte: será que Moro tem noção dos efeitos que uma eventual prisão de Lula causaria nas Antes de qualquer coisa, uma eventual prisão de Lula provocaria um baita reboliço no Judiciário e no Congresso Nacional. 
Como os áudios das ligações do ex-presidente revelaram, ele acredita que o STF, o STJ e o Parlamento estejam "totalmente acovardados" e que nós tenhamos presidentes da Câmara e do Senado "fodidos". Podemos imaginar como os representantes dos órgãos citados se sentiriam se o autor desses comentários fosse preso.

Os "coxinhas", termo empregado por petistas para definir quem não vive de saquear os cofres públicos, também ficarão em polvorosa caso o ex-presidente seja preso. É que Lula deixou "um monte de peão" na rua para lhes dar "porrada". E deram mesmo, o que provavelmente deixou os coxinhas muito gratos ao petista.

Isso sem falar nas mulheres, em especial as feministas, que sempre foram tratadas de maneira muito respeitosa por Lula. O petista, ao falar sobre a busca e apreensão feitas na casa de Clara Ant, uma das fundadoras do PT, disse que, quando ela acordou com cinco homens da PF em sua casa, pensou que era "presente de Deus". 
Em outra gravação, Eduardo Paes (PMDB-RJ), prefeito do Rio, disse que será difícil segurar a Olimpíada com "aquela gorda", referindo-se à presidente Dilma Rousseff. Lula, nem um pouco incomodado, riu. 
Se o ex-presidente for preso, com certeza, as mulheres, revoltadas, sairão às ruas de "grelo duro" em apoio ao feminista tão delicado como empedernido.

Os milhões que pediram no dia 13 de março o impeachment de Dilma também ficarão sentidíssimos se o ex-presidente for preso. É que, na manifestação da última sexta-feira (18), Lula, em discurso, incitou a militância petista contra aqueles que tomaram as ruas em defesa do Brasil. 
"Corte uma veia deles para ver se o sangue deles é verde e amarelo. É vermelho igual ao nosso!", disse o petista, que sempre discursou em defesa dos direitos humanos.

Por isso, Moro, fique atento! Se você prender Lula, o país vai ferver. Será, sem dúvida, o maior Carnaval fora de época da história do Brasil.



22 de março de 2016
Kim Kataguiri, Folha de SP

LULA, SÓCRATES E EU

Admiro a criatividade dos brasileiros. Sobretudo quando a realidade é sombria. No momento em que bato estas linhas, o meu corpo balança ao som de "Não é nada meu", um samba dedicado ao ex-presidente Lula da Silva.

O samba reproduz uma conversa imaginária entre um magistrado e Lula. Confrontado com o tríplex da praia, o sítio em Atibaia e outras mordomias, Lula replica: "Não é nada meu" e "Excelência, eu não tenho nada / Isso é tudo de amigos meus".

Mas o momento áureo da composição acontece com este primoroso diálogo: "E aquele filho milionário?", pergunta o juiz. Lula responde: "Excelência, também não é meu."

É possível que a música conquiste o público português. Não apenas pela beleza do ritmo e pela riqueza narrativa. Mas porque os portugueses conhecem bem este samba -ou, melhor dizendo, este fado.

Em novembro de 2014, o ex-premiê José Sócrates foi detido no aeroporto de Lisboa por suspeitas de corrupção, fraude fiscal e lavagem de dinheiro. Preso preventivamente durante quase um ano, o homem que liderou Portugal entre 2005 e 2011 -ou, para os íntimos, da grande promessa à grande bancarrota- aguarda agora acusação formal para ir a julgamento.

Mas o que espanta na história de Sócrates é que a sua defesa também assenta na generosidade de um amigo, empresário da construção civil. Durante a sua estadia em Paris, já depois de perder as eleições, o antigo premiê terá recebido centenas de milhares de euros desse amigo para viver com a dignidade inerente à sua biografia.

Esses "empréstimos", como Sócrates lhes chama, eram entregues em mão porque, segundo os seus advogados, o ex-premiê não confiava no sistema bancário do próprio país que governara.

Mas o amigo não se limitava a "emprestar" fortunas colossais. A amizade era tão grande que o apartamento de luxo onde Sócrates viveu em Paris também era desse amigo.

Perante as histórias paralelas de Lula e Sócrates -eles próprios grandes amigos- dou por mim a pensar na minha melancólica existência. Não sou má pessoa. Na idade certa, também li os conselhos do sr. Dale Carnegie sobre como fazer amigos e influenciar pessoas. E agi em conformidade.

Sou bom ouvinte. Sorrio com frequência. Tolero as imperfeições humanas. E tenho afeto pelos meus amigos da mesma forma que recebo o afeto deles.

Mas, aos 40 anos, uma pessoa sente que os "afetos" não chegam. Onde está o meu sítio? O meu tríplex? A minha casa em Paris? E por que motivo os meus amigos não me emprestam milhares ou milhões de euros a título de caridade?

Desconheço qual será o futuro judicial de Lula ou Sócrates. Mas uma coisa eu sei: não é crime ter bons amigos. Crime é não os ter.

Por isso deixo ficar um pedido público a ambos: partilhem a sabedoria acumulada. Na cadeia ou fora dela, Lula e Sócrates poderiam escrever um livro sobre a melhor forma de ter amigos ricos e bondosos.

Eu ainda vou a tempo de mudar os meus.

Ser de esquerda tem algumas vantagens. Algumas? Eu diria todas. Nos grampos divulgados, Lula não é politicamente correto com as donzelas.

Em conversa com o ex-ministro Paulo Vannuchi, Lula pergunta: "Onde estão as mulheres de grelo duro do nosso partido?" Engraçado: eu julgava que o uso do "grelo" para designar certo atributo feminino era exclusivo de portugueses. Não é. Estamos sempre a aprender, irmãos.

Mas o melhor momento está no comentário sobre a intervenção policial na casa de Clara Ant, a diretora do Instituto Lula. "A Clara estava dormindo quando entraram cinco homens lá dentro", diz Lula a Dilma. E acrescenta: "Ela pensou que era um presente de Deus, e era a Polícia Federal." O problema desses grampos é que uma pessoa começa a simpatizar com Lula.

Não seria caso único. Como relata uma matéria desta Folha, muitas feministas, que tradicionalmente cortariam os "sacos" alheios perante tais insultos, afirmam que "grelo duro" pode ser até um elogio: significa "mulher forte" e, além disso, é uma expressão típica do Nordeste.

E sobre os cinco presentes de Deus para Clara Ant, a ONG Think Olga defende que é normal o desejo feminino por (cinco) homens. A própria Clara, ouvida a respeito, desvaloriza o caso: foi apenas uma piada para quebrar o grelo, perdão, o gelo.

Moral da história? Seja machista à vontade. Mas, primeiro, convém marchar com as patrulhas certas.



22 de dezembro de 2016
João Pereira Coutinho, Folha de SP

NELSON BARBOSA AMEAÇA MEDIDAS DRÁSTICAS EXTRAPOLANDO SEU LIMITE




Ao fazer ameaças, Barbosa está falando em nome de quem?
















O ministro Nelson Barbosa recentemente ameaçou com adoção de medidas drásticas, caso o Congresso não aprove os projetos de Ajuste Fiscal e Reforma da Previdência. Poderia ter incluído a CPMF. Mas não o fez. A ameaça de medidas drásticas foi dirigida a quem? – pergunto eu. O titular da Fazenda caiu numa cilada contraditória que ele mesmo armou. Isso porque tais projetos são de autoria e responsabilidade da presidente Dilma Rousseff. Não dele, titular da Fazenda.
Reportagem de Sofia Fernandes, Valdo Cruz, Gustavo Patu e Eduardo Cucolo, na Folha de São Paulo,  destaca que ele está sendo criticado por setores do próprio governo e pelo PT, que discordam do rumo traçado para a política econômica. Na equipe da Fazenda, acrescentam os repórteres, surge a versão de que Nelson Barbosa resolveu fazer um alerta diante do risco do agravamento da crise, havendo possibilidade até dele vir a deixar o governo, como aconteceu com seu antecessor, Joaquim Levy. Como alternativa, Barbosa coloca a perspectiva de um enfrentamento imediato dos problemas.
Mas ele coloca tal alternativa para quem? Outra pergunta importante de ser respondida. Pelo tom, ele está inevitavelmente se dirigindo à própria presidente Dilma Rousseff e a ninguém mais. Pois a única pessoa que pode adotar medidas imediatas é logicamente a presidente da República. Assim agindo, o ministro da Fazenda está dirigindo a pressão exatamente sobre quem usou a caneta do poder para nomeá-lo. Em relação a quem mais poderia ele estar direcionando a mensagem? Ao presidente do Congresso, Renan Calheiros? Ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha? Não faria o menor sentido. Seu alvo político, dessa forma, só pode ser o Palácio do Planalto. Melhor teria agido o ministro se, ao invés de ameaçar, colocasse o cargo à disposição da presidente.
ATITUDE INOPORTUNA
Não pode haver outra interpretação sobre sua atitude. Acima de tudo, absolutamente importuna, em face do momento político que o país atravessa, profundamente contrário ao governo no qual se enquadra. Será que Nelson Barbosa não possui uma política à altura da responsabilidade a que está investido? É o que parece, em face da imaturidade de suas palavras. Desprezou a teoria de meu saudoso amigo Antônio Houaiss, que separava o significado do significante.
Sob este ângulo de análise, as expressões às quais recorreu transformaram-se em verdadeiro desastre. Não para a opinião pública de modo geral, mas para aqueles que sabem traduzir uns momentos políticos especiais de outros em panoramas gerais. Nelson Barbosa acendeu uma luz vermelha na porta de entrada, ou de saída, do gabinete que ocupa na Esplanada dos Ministérios. Ele conseguiu entrar. Conseguirá ficar? Ou deveria sair mais cedo do que ele poderia supor.
Isso porque todo planejamento econômico repousa num contexto político. A frase, aliás, não é minha. Seu autor foi o ministro Roberto Campos, quando assumiu o Ministério do Planejamento no governo Castelo Branco, abril de 64, logo após ter sido embaixador do governo João Goulart nos Estados Unidos. Campos pedia atenção para o contexto que começava a se formar no horizonte do Brasil. Ele seria demitido, em 67, pelo governo Costa e Silva. O contexto político dividia o sistema militar de poder. No lugar de Roberto Campos, Delfim Neto no comando da economia. O vento levou.
Agora pode também levar Nelson Barbosa, pouco depois de levar Joaquim Levy para o Banco Mundial. Está em Washington.

22 de março de 2016
Pedro do Coutto