Chego ao Brasil. Pego táxi de cooperativa no Aeroporto Internacional Tom Jobim, nosso sempre velhusco Galeão, no Rio de Janeiro. Puxo conversa com o taxista. Seu nome não é revelado, por motivos óbvios. Ele não sabe que sou jornalista. O desabafo dura a corrida inteira.
“A economia tá parada, só um ou outro avião vem cheio. Nossa economia vive da corrupção. Sem propina, paralisa. Meu faturamento caiu 40%. Tínhamos na cooperativa um contrato com a Odebrecht. Foi cancelado agora. Tudo aqui neste país você precisa dar 10% a mais. Eu tinha de pagar também para a Odebrecht. Nossas corridas eram todas superfaturadas para o diretor que pegava o táxi levar o dele.”
“E a violência? Tá aqui em cima, olha (indicando o painel do carro, junto à janela), bem à vista, meu celular falso, para eu dar pra vagabundo. Todo dia tem algum arrastão na Linha Vermelha. Na minha casa, no Méier, não posso esperar o portão da garagem abrir para eu entrar. Já tive três carros roubados assim, à mão armada. Três.”
“Recuperei os carros roubados, mas tudo depenado. E não são os bandidos que depenam não. É a polícia. Eles tiram, antes de devolver, o tal kit PM. Rodas, rádio, tudo o que der para tirar. E a gente, para recuperar, precisa pagar à polícia a taxa de resgate. E a mídia não fala nada disso. Só sabe mesmo quem tá na rua, trabalhando.”
“Depois as autoridades vêm me falar das UPPs. Isso aí ninguém quer. Nem os bandidos nem os policiais. Tenho um sobrinho que saiu do Exército e não quer ficar em UPP. O que ele diz é: ‘Tio, nós somos humilhados ali. Jogam água, jogam mijo na gente. Não podemos dar um tiro que a gente vai preso. Ficamos ali só gastando combustível e enxugando gelo’.”
“Isto aqui, se não ficar igual à China, não vai dar certo. Tem de ter uma ditadura rígida, pena perpétua, morte. Se os caras não ficarem com medo, vão continuar. Tem corrupção em tudo que é lugar. No Detran, nas delegacias, nos batalhões, nos hospitais. E o governo leva também o seu, por trás de toda essa engrenagem. Isso não vai acabar nunca. A não ser que a gente adote a seguinte regra para todo mundo: escreveu, não leu, o pau comeu.”
O taxista está revoltado. Com a Odebrecht, com a PM, com os governos, com os bandidos. É duro ouvir. Nem falo nada. Não adianta.
Lá de fora, acompanhamos a novela atual de maior audiência, o petrolão. Mais ex-diretores da Petrobras no xilindró. Prejuízo da corrupção sobe aos píncaros, R$ 19 bilhões. Surgem golpes simplórios contra quem mais necessita: promessas falsas de emprego, tirando R$ 20 de um, R$ 50 de outro. Os sanguessugas pagam fiança e respondem em liberdade. Assaltos a banco, tiroteios nas favelas, falência de empresas, novos aumentos de combustível e luz.
Lula atordoado, atacando Dilma. Dilma atordoada, atacando delatores. Congresso atordoado, vaivém na redução da maioridade penal. E toma mais provocação do Senado – aprovado o reajuste de 59% a 78% para os servidores do Judiciário, com impacto de R$ 25,7 bilhões nos cofres públicos. Eduardo Cunha e Renan Calheiros, os populistas cavaleiros do apocalipse, se unem por um único credo: hay gobierno, soy contra. Veta, Dilma, veta.
Enquanto isso, a mãe dos pobres resolve economizar R$ 8 bilhões em cima do abono salarial, devido neste semestre a quem ganha até dois salários mínimos. Devo, não nego, pago quando puder. Tudo pelo ajuste, para fechar as contas em 2015. Injusto.
Continua a esquizofrenia do país duplo. De um lado, ferro na iniciativa privada, desestímulo a quem quer abrir um negócio, burocracia enlouquecedora, impostos altíssimos cobrados de quem produz e sem beneficiar o povo. Do outro lado, benesses para servidores públicos, que já dispõem de aposentadoria integral e vitalícia.
O que mais choca, no entanto, é a miséria de nossa Educação. O relatório do Movimento Todos pela Educação é desolador. Mais de 2 milhões de crianças ainda estão fora das escolas. Em regiões carentes, as escolas são precárias, e o ensino de baixa qualidade. Entre 15 e 17 anos, 1,6 milhão abandonam os estudos. Só 9,3% dos que concluem o ensino médio sabem matemática. Só 27,2% dominam o português. Na outra ponta do ensino, a maior universidade federal do país, a UFRJ, com greve e obras paradas por corte de verbas, ameaça fechar em setembro, sem condições de pagar por limpeza, segurança, portaria.
Só confiarei num presidente que mude essa tragédia, de verdade. Uma maciça parcela da população (e não é a elite) quer hoje pena de morte, armas, ditadura e se lixa para direitos humanos. Também é resultado de falta de Educação. Cair na real não precisa ser cair no abismo. Acorda, Brasil.
10 de julho de 2015
Ruth de Aquino