"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

BANDIDOS & LETRADOS

“Bandidos & Letrados” foi publicado no Jornal do Brasil em 26 de dezembro de 1994. Pouco mais de 20 anos se passaram e o texto continua essencial para o entendimento da criminalidade brasileira. 
Os últimos casos absurdos de menores estuprando uma menina no banheiro da escola e de menores esfaqueando pessoas no Rio de Janeiro nos fazem pensar sobre o abismo em que o Brasil se encontra.


Bandidos & Letrados

Amigos sugerem-me que escreva alguma coisa sobre o caso do banqueiro-cineasta Moreira Salles, que se notabilizou menos como diretor de filmes do que como protetor do traficante Marcinho VP. Seria bom escrever, sim. 

Na verdade, já escrevi. Escrevi com cinco anos de antecedência, e o fiz não por ser dotado de especiais virtudes proféticas, mas por viver num país acachapantemente previsível. 
Sim, onde as pessoas não pensam, elas agem por reflexos condicionados, e com um pouquinho de observação o mais sonso aprendiz de Pavlov já fica sabendo tudo o que vão pensar, dizer, fazer e padecer até o último dia de suas vidas, se é que isso é vida. “Bandidos & Letrados” foi publicado no Jornal do Brasil em 26 de dezembro de 1994 (depois reproduzido em O Imbecil Coletivo, Rio, Faculdade da Cidade Editora, 1997). 

O sr. Moreira Salles e Marcinho VP já estavam lá, sem os seus nomes, é certo, mas descritos com todos os detalhes da programação cibernética que molda os seus destinos padronizados. Na verdade, nunca me senti tão pouco profeta como ao constatar agora, pela milésima vez, que Aquilo Del Nisso. 
Aquilo sempre dá nisso. É um miserável e repetitivo samsara. Terei de escrever, agora, sobre aonde vai dar a gestão do sr. Luís Eduardo Soares no cargo de guru policial, sobre aonde vai dar o seu plano de armar os habitantes dos morros (alegadamente para que “se policiem a si mesmos”) após ter desarmado os habitantes do resto da cidade? Ora! Vou exercitar meus dons proféticos onde pelo menos haja alguma surpresa. O Brasil não precisa de profetas. Precisa apenas de cidadãos capazes de admitir o peso do óbvio antes de ser esmagados por ele. Leiam e verão. –O. de C.

Entre as causas do banditismo carioca, há uma que todo o mundo conhece mas que jamais é mencionada, porque se tornou tabu: há sessenta anos os nossos escritores e artistas produzem uma cultura de idealização da malandragem, do vício e do crime. Como isto poderia deixar de contribuir, ao menos a longo prazo, para criar uma atmosfera favorável à propagação do banditismo?

De Capitães da Areia até a novela Guerra sem Fim, passando pelas obras de Amando Fontes, Marques Rebelo, João Antônio, Lêdo Ivo, pelo teatro de Nelson Rodrigues e Chico Buarque, pelos filmes de Roberto Farias, Nelson Pereira dos Santos, Carlos Diegues, Rogério Sganzerla e não-sei-mais-quantos, a palavra-de-ordem é uma só, repetida em coro de geração em geração: ladrões e assassinos são essencialmente bons ou pelo menos neutros, a polícia e as classes superiores a que ela serve são essencialmente más (1).

Não conheço um único bom livro brasileiro no qual a polícia tenha razão, no qual se exaltem as virtudes da classe média ordeira e pacata, no qual ladrões e assassinos sejam apresentados como homens piores do que os outros, sob qualquer aspecto que seja. Mesmo um artista superior como Graciliano Ramos não fugiu ao lugar-comum: 
Luís da Silva, em Angústia, o mais patológico e feio dos criminosos da nossa literatura, acaba sendo mais simpático do que sua vítima, o gordo, satisfeito e rico Julião Tavares — culpado do crime de ser gordo, satisfeito e rico. 
Na perspectiva de Graciliano, o único erro de Luís da Silva é seu isolamento, é agir por conta própria num acesso impotente de desespero pequeno-burguês: se ele tivesse enforcado todos os burgueses em vez de um só, seria um herói. O homicídio, em si, é justo: mau foi cometê-lo em pequena escala.

Humanizar a imagem do delinqüente, deformar, caricaturar até os limites do grotesco e da animalidade o cidadão de classe média e alta, ou mesmo o homem pobre quando religioso e cumpridor dos seus deveres — que neste caso aparece como conformista desprezível e virtual traidor da classe —, eis o mandamento que uma parcela significativa dos nossos artistas tem seguido fielmente, e a que um exército de sociólogos, psicólogos e cientistas políticos dá discretamente, na retaguarda, um simulacro de respaldo “científico”.

À luz da “ética” daí resultante, não existe mal no mundo senão a “moral conservadora”. Que é um assalto, um estupro, um homicídio, perto da maldade satânica que se oculta no coração de um pai de família que, educando seus filhos no respeito à lei e à ordem, ajuda a manter o status quo? 
O banditismo é em suma, nessa cultura, ou o reflexo passivo e inocente de uma sociedade injusta, ou a expressão ativa de uma revolta popular fundamentalmente justa. Pouco importa que o homicídio e o assalto sejam atos intencionais, que a manutenção da ordem injusta não esteja nem de longe nos cálculos do pai de família e só resulte como somatória indesejada de milhões de ações e omissões automatizadas da massa anônima. 

A conexão universalmente admitida entre intenção e culpa está revogada entre nós por um atavismo marxista erigido em lei: pelo critério “ético” da nossa intelectualidade, um homem é menos culpado pelos seus atos pessoais que pelos da classe a que pertence (2). Isso falseia toda a escala de valores no julgamento dos crimes. 

Quando um habitante da favela comete um crime de morte, deve ser tratado com clemência, porque pertence à classe dos inocentes. Quando um diretor de empresa sonega impostos, deve ser punido com rigor, porque pertence à classe culpada. 
Os mesmos que pedem cadeia para deputados corruptos fazem campanha pela libertação do chefe do Comando Vermelho. 

Os mesmos que sempre se opuseram vigorosamente à pena de morte para autores de homicídios citam como exemplar a lei chinesa que manda fuzilar os corruptos, e repreendem o deputado Amaral Netto, um apologista da pena de morte para os assassinos, por ser contrário à mesma penalidade para os crimes de “colarinho branco”. 
O Congresso, ocupado em castigar vulgares estelionatários de gabinete, mostra uma soberana indiferença ante o banditismo armado. 
Assim nossa opinião pública passa por uma reeducação, que terminará por persuadi-la de que desviar dinheiro do Estado é mais grave do que atentar contra a vida humana — princípio que, consagrado no Código Penal soviético, punia o homicídio com dez anos de cadeia, e com pena de morte os crimes contra a administração: dize-me quem imitas e eu te direi quem és (3).

Se levada mais fundo ainda, essa “revolução cultural” acabará por perverter todo o senso moral da população, instaurando a crença de que o dever de ser bom e justo incumbeprimeira e essencialmente à sociedade, e só secundariamente aos indivíduos. Muitos intelectuais brasileiros tomam como um dogma infalível esse preceito monstruoso, que resulta em abolir todos os deveres da consciência moral individual até o dia em que seja finalmente instaurada sobre a Terra a “sociedade justa” — um ideal que, se não fosse utópico e fantasista em si, seria ao menos inviabilizado pela prática do mesmo preceito, tornando os homens cada vez mais injustos e maus quanto mais apostassem na futura sociedade justa e boa (4). 
Um dos maiores pensadores éticos do nosso século, o teólogo protestante Reinhold Niebuhr, mostrou que, ao longo da História, o padrão moral das sociedades — e principalmente dos Estados — foi sempre muito inferior ao dos indivíduos concretos. Uma sociedade, qualquer sociedade, pode permitir-se atos que num indivíduo seriam considerados imorais ou criminosos. 
Por isto mesmo, a essência do esforço moral, segundo Niebuhr, consiste em tentar ser justo numa sociedade injusta (5). Nossos intelectuais inverteram essa fórmula, dissolvendo todo o senso de responsabilidade pessoal na poção mágica da “responsabilidade social”. Alguns consideram mesmo que isto é muito cristão, esquecendo que Cristo, se pensasse como eles, adiaria a cura dos leprosos, a multiplicação dos pães e o sacrifício do Calvário para depois do advento da “sociedade justa”.

É absolutamente impossível que a disseminação de tantas idéias falsas não crie uma atmosfera propícia a fomentar o banditismo e a legitimar a omissão das autoridades. O governante eleito por um partido de esquerda, por exemplo, não tem como deixar de ficar paralisado por uma dupla lealdade, de um lado à ordem pública que professou defender, de outro à causa da revolução com a qual seu coração se comprometeu desde a juventude, e para a qual a desordem é uma condição imprescindível. 
A omissão quase cúmplice de um Brizola ou de um Nilo Batista — homens que não têm vocação para tomar parte ativa na produção cultural, mas que têm instrução bastante para não escapar da influência da cultura produzida — não é senão o reflexo de um conjunto de valores, ou contravalores, que a nossa classe letrada consagrou como leis, e que vêm moldando as cabeças dos brasileiros há muitas décadas. 
Se o apoio a medidas de força contra o crime vem sempre das camadas mais baixas, não é só porque são elas as primeiras vítimas dos criminosos, mas porque elas estão fora do raio de influência da cultura letrada. Da classe média para cima, a aquisição de cultura superior é identificada com a adesão aos preconceitos consagrados da intelligentzianacional, entre os quais o ódio à polícia e a simpatia pelo banditismo.

Seria plausível supor que esses preconceitos surgiram como reação à ditadura militar. Mas, na verdade, são anteriores. A imagem do crime na nossa cultura compõe-se em última análise de um conjunto de cacoetes e lugares-comuns cuja origem primeira está na instrução transmitida pelo Cominternem 24 de abril de 1933 ao Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, para que procurasse assumir a liderança de quadrilhas de bandidos, imprimindo um caráter de “luta de classes” ao seu conflito com a lei (6).

A instrução foi atendida com presteza pela intelectualidade comunista, que produziu para esse propósito uma infinidade de livros, artigos, teses e discursos. Os escritores comunistas não eram muitos, mas eram os mais ativos: tomando de assalto os órgãos de representação dos intelectuais e artistas (7), elevaram sua voz acima de todas as outras e, logo, suas idéias prevaleceram ao ponto de ocupar todo o espaço mental do público letrado. 
Hoje vemos como foi profunda a marca deixada pela propaganda comunista na consciência dos nossos intelectuais: nenhum deles abre a boca sobre o problema da criminalidade carioca, que não seja para repetir os velhos lugares-comuns sobre a miséria, sobre os ricos malvados, e para lançar na “elite” a culpa por todos os assaltos, homicídios e estupros cometidos pelos habitantes das favelas.

Ninguém ousa por em dúvida a veracidade das premissas em que se assentam tais raciocínios — o que prova o quanto elas fizeram a cabeça da nossa intelectualidade, o quanto esta, sem mesmo saber a origem de suas idéias, continua repetindo e obedecendo, por mero automatismo, por mera preguiça mental, os chavões que o Comintern mandou espalhar na década de 30.

De nada adianta a experiência universal ensinar-nos que a conexão entre miséria e criminalidade é tênue e incerta; que há milhares de causas para o crime, que mesmo a prosperidade de um wellfare State não elimina; que entre essas causas está a anomia, a ausência de regras morais explícitas e comuns a toda a sociedade; que uma cultura de “subversão de todos os valores” e a glamurização do banditismo pela elite letrada ajudam a remover os últimos escrúpulos que ainda detêm milhares de jovens prestes a saltar no abismo da criminalidade. 
Contrariando as lições da História, da ciência e do bom senso, nossos intelectuais continuam presos à lenda que faz do criminoso o cobrador de uma dívida social. Alguns crêem mesmo nela, com uma espécie de masoquismo patético, resíduo de uma sentimentalidade doentia inoculada pelo discurso comunista nas almas frágeis dos “burgueses progressistas”: o escritor Antônio Callado, vendo sua casa arrombada, levados seus quadros preciosos, repetia para si, entre inerme e atônito, a sentença de Proudhon: 
“A propriedade é um roubo”. Deveria recitar, isto sim, o poema de Heine, em que um homem que dorme é atormentado em sonhos por uma figura que, ameaçando-o com uma arma, lhe diz: “Eu sou a ação dos teus pensamentos” (8).

Infelizmente, os pensamentos dos intelectuais não voltam só contra seus autores os seus efeitos materiais. Erigida em crença comum, a lenda do “Cobrador” — título de um conto aliás memorável de Rubem Fonseca — produz devastadoras conseqüências reais sobre toda a população. 
Ela transforma o delinqüente, de acusado, em acusador. Seguro de si, fortalecido em sua auto-estima pelas lisonjas da intelligentzia, o assassino então já não aponta contra nós apenas o cano de uma arma, mas o dedo da justiça; de uma estranha justiça, que lança sobre a vítima as culpas pelos erros de uma entidade abstrata — “o sistema”, “a sociedade injusta” —, ao mesmo tempo que isenta o criminoso de quase toda a responsabilidade por seus atos pessoais. 
Perseguida de um lado pelas gangues de bandidos, acuada de outro pelo discurso dos letrados, a população cai no mais abjeto desfibramento moral e já não ousa expressar sua revolta. 
Qual uma mulher estuprada, envergonha-se de seus sofrimento e absorve em si as culpas de seu agressor. Ela pode ainda exigir providências da autoridade, mas o faz numa voz débil e sem convicção — e cerca seu pedido de tantas precauções, que a autoridade, após ouvi-la, mais temerá agir do que omitir-se. Afinal, é menos arriscado politicamente desagradar uma multidão de vítimas que gemem em segredo do que um punhado de intelectuais que vociferam em público.

Os intelectuais, neste país, são os primeiros a denunciar a imoralidade, os primeiros a subir ao palanque para discursar em nome da “ética”. Mas a ética consiste basicamente em cada um responsabilizar-se por seus próprios atos. E nunca vi um intelectual brasileiro, muito menos um de esquerda, fazer um exame de consciência e perguntar-se: “Será que nós tambémnão temos colaborado para a tragédia carioca?”

Não, nenhum deles sente a menor dor na consciência ao ver que sessenta anos de apologia literária do crime de repente se materializaram nas ruas, que as imagens adquiriram vida, que as palavras viraram atos, que os personagens saltaram do palco para a realidade e estão roubando, matando, estuprando com a boa consciência de serem “heróis populares”, de estarem “lutando contra a injustiça” com as técnicas de combate que aprenderam na Ilha Grande. 
Os intelectuais literalmente não sentem ter colaborado em nada para esse resultado. Não o sentem, porque décadas de falsa consciência alimentada pela retórica marxista os imunizaram contra quaisquer protestos da consciência moral. 
Eles possuem a arte dialética de sufocar a voz interior mediante argumentos de oportunidade histórica. Ademais, detestam o sentimento de culpa — que supõem ter sido inventado pela Igreja Católica para manter as massas sob rédea curta. Não desejando, portanto, assumir suas próprias culpas, exorcizam-nas projetando-as sobre os outros, e tornam-se, por uma sintomatologia histérica bem conhecida, acusadores públicos, porta-vozes de um moralismo ressentido e vingativo. Imbuídos da convicção dogmática de que a culpa é sempre dos outros, eles estão puros de coração e prontos para o cumprimento do dever. Qual dever? O único que conhecem, aquele que constitui, no seu entender, a missão precípua do intelectual: denunciar. 
Denunciar os outros, naturalmente. E aquele que denuncia, estando, por isto mesmo, ao lado das “forças progressistas”, fica automaticamente isento de prestar satisfações à “moral abstrata” da burguesia, a qual, sem nada compreender da dialética histórica, continua a proclamar que há atos intrinsecamente maus, independentemente das condições sociais e políticas: “moral hipócrita”, ante a qual —pfui! — o intelectual franze o nariz com a infinita superioridade de quem conhece a teleologia da história e já superou — ou melhor, aufhebt jetzt — na dialética do devir o falso conflito entre o bem e o mal…

Mas a colaboração desses senhores dialéticos para o crescimento da criminalidade no Rio foi bem mais longe do que a simples preparação psicológica por meio da literatura, do teatro e do cinema: foram exemplares da sua espécie que, no presídio da Ilha Grande, ensinaram aos futuros chefes do Comando Vermelho a estratégia e as táticas de guerrilha que o transformaram numa organização paramilitar, capaz de representar ameaça para a segurança nacional. 
Pouco importa que, ao fazerem isso, os militantes presos tivessem em vista a futura integração dos bandidos na estratégia revolucionária, ou que, agindo às tontas, simplesmente desejassem uma vingança suicida contra a ditadura que os derrotara: o que importa é que, ensinando guerrilha aos bandidos, agiram de maneira coerente com os ensinamentos de Marcuse e Hobsbawn — então muito influentes nas nossas esquerdas —, os quais, até mesmo contrariando o velho Marx, exaltavam o potencial revolucionário doLumpenproletariat.

Nenhum desses servidores da História sente o menor remorso, a menor perturbação da consciência, ao ver que suas lições foram aprendidas, que suas teorias viraram prática, que sua ciência da revolução armou o braço que hoje aterroriza com assaltos e homicídios a população carioca. 
Não: eles nada fizeram senão acelerar a dialética histórica — e não existe mal senão em opor-se à História. Com a consciência mais limpa deste mundo, eles continuam a culpar os outros: o capitalismo, a política econômica do governo, a polícia, e a verberar como “reacionários” e “fascistas” os cidadãos, ricos e pobres, que querem ver os assassinos e traficantes na cadeia.

Mas os intelectuais da esquerda não se limitaram a criar o pano de fundo cultural propício e a elevar pelos ensinamentos técnicos o nível de periculosidade do banditismo; eles deram um passo além, e colheram os frutos políticos do longo namoro com a delinqüência: o apoio dos bicheiros — o que é o mesmo que dizer: dos traficantes — foi a principal base de sustentação popular sobre a qual se ergueu no Rio o império do brizolismo, a ala mais tradicional e populista da esquerda brasileira.

Sob a égide do brizolismo, as relações entre intelectualidade esquerdista e banditismo transformaram-se num descaradoaffaire amoroso, com a ABI dando respaldo à promoção do livro Um contra Mil, em que o quadrilheiro William Lima da Silva, o “Professor”, líder do Comando Vermelho, faz a apologia do crime como reação legítima contra a “sociedade injusta”.

Um pouco mais tarde, quando a criminalidade organizada já estava bem crescida a ponto de requerer uma intervenção do governo federal, o que se verificou foi que a esquerda não se limitara a colaborar com os bandidos, mas se ocupara também de debilitar seus perseguidores; que a CUT e o PT, infiltrando-se na Polícia Federal, haviam tornado esta organização mais ameaçadora para o governo federal do que para traficantes e quadrilheiros (9).

E finalmente, quando o governo federal, vencendo resistências prodigiosas, finalmente se decide a agir e incumbe o Exército de dirigir a repressão ao banditismo no Rio, a intelectualidade de esquerda, como não poderia deixar de ser, inicia uma campanha surda de desmoralização do comando militar das operações, seja com advertências alarmistas quanto à possibilidade de “abusos” contra os moradores das favelas, seja com toda sorte de gracejos e especulações sobre as fragilidades da estratégia adotada, seja com argumentações pseudocientíficas sobre a inconveniência do remédio adotado, dando a entender que os riscos de uma intervenção militar são infinitamente maiores que o da anarquia sangrenta instalada no Rio. 
Tudo isto prepara o terreno para uma investida maior, em que entidades autonomeadas representantes da “sociedade civil” — as mesmas que promoveram a elevação dos chefes do Comando Vermelho ao estatuto de “lideranças populares” — se unirão para pedir a retirada das Forças Armadas e a devolução dos morros a seus eternos governantes, lá entronizados pelas graças da deusa História (10).

Resumindo, pela ordem cronológica: a esquerda, primeiro, criou uma atmosfera de idealização do banditismo; segundo, ensinou aos criminosos as técnicas e a estratégia da guerrilha urbana; terceiro, defendeu abertamente o poder das quadrilhas, propondo sua legitimação como “lideranças populares”; quarto, enfraqueceu a Polícia Federal como órgão repressivo, fortalecendo-a, ao mesmo tempo, como instrumento de agitação; quinto, procurou boicotar psicologicamente a operação repressiva montada pelas Forças Armadas, tentando atrair para ela a antipatia popular. 
Não é humanamente concebível que tudo isso seja apenas uma sucessão de coincidências fortuitas. Se a continuidade perfeitamente lógica das iniciativas da esquerda em favor do banditismo não reflete a unidade de uma estratégia consciente, ela expressa ao menos a unanimidade de um estado de espírito, a fortíssima coesão de um nó de preconceitos contra a ordem pública e a favor da delinqüência. 
Para a nossa esquerda, decididamente, assassinos, ladrões, traficantes e estupradores estão alinhados com as “forças progressistas” e destinados a ser redimidos pela História pela sua colaboração à causa do socialismo. Quanto a seus perseguidores, identificam-se claramente com as “forças reacionárias” e irão direto para a lata de lixo da História. No que diz respeito às vítimas, enfim, pode-se lamentá-las, mas, como dizia tio Vladimir, quê fazer? Não se pode fritar uma omelette sem quebrar os ovos…

Para completar, é mais que sabido que artistas e intelectuais são um dos mais ricos mercados consumidores de tóxicos e que não desejam perder seus fornecedores: quando defendem a descriminalização dos tóxicos, advogam em causa própria. Mas eles não são apenas consumidores: são propagandistas. 
Quem tem um pouco de memória há de lembrar que neste país a moda das drogas, na década de 60, não começou nas classes baixas, mas nas universidades, nos grupos de teatro, nos círculos de psicólogos, rodeada do prestígio de um vício elegante e iluminador. Foi graças a esse embelezamento artificial empreendido pelaintelligentzia que o consumo de drogas deixou de ser um hábito restrito a pequenos círculos de delinqüentes para se alastrar como metástases de um câncer por toda a sociedade: Si monumentum requires, circumspicii.

É de espantar que nessas condições o banditismo crescesse como cresceu? É de espantar que, enquanto a população maciçamente clama por uma intervenção da autoridade e aplaude agora a chegada dos fuzileiros aos morros, a intelectualidade procure depreciar a atuação do Exército e não se preocupe senão com a salvaguarda dos direitos civis dos eventuais suspeitos a serem detidos, como se a eliminação do banditismo armado não valesse o risco de alguns abusos esporádicos?

O que seria de espantar é que os estudos pretensamente científicos sobre as causas do banditismo jamais assinalem entre elas a cumplicidade dos intelectuais, como se os fatores econômicos agissem por si e como se a produção cultural não exercesse sobre a ordem ou desordem social a menor influência, mesmo quando essa cumplicidade passa das palavras à ação e se torna um respaldo político ostensivo para a ação dos quadrilheiros. Seria de espantar, digo, se não se soubesse quem são os autores de tais estudos e as entidades que os financiam.

Há décadas nossa intelligentzia vive de ficções que alimentam seus ódios e rancores e a impedem de enxergar a realidade. Ao mesmo tempo, ela queixa-se de seu isolamento e sonha com a utopia de um amplo auditório popular. Mas é a incultura do nosso povo que o protege da contaminação da burrice intelectualizada. “Incultura” é um modo de falar: será incultura, de fato, privar-se de consumir falsos valores e slogansmentirosos? 
Não: mas quando houver neste país uma intelectualidade à altura de sua missão, ela será ouvida e compreendida. Por enquanto, se queremos ver o nosso Rio livre do flagelo do banditismo, a primeira coisa a fazer é não dar ouvidos àqueles que, por terem colaborado ativamente para a disseminação desse mal, por mostrarem em seguida uma total incapacidade de arrepender-se de seu erro, e finalmente por terem o descaramento de ainda pretender posar de conselheiros e salvadores, perderam qualquer vestígio de autoridade e puseram à mostra a sua lamentável feiúra moral


21 de maio de 2015
Olavo de Carvalho

RICARDO PESSOA, O HOMEM-BOMBA

Pessoa é a esperança de investigação chegar ao Executivo

Um indivíduo provoca pesadelos no PT: Ricardo Pessoa, o dono da UTC Engenharia, apontado pelo Ministério Público como coordenador do suposto cartel de empreiteiras. Ele era também, até outro dia, amigão de Lula. Consta que os meses que passou na prisão abalaram suas certezas sobre essa amizade. E ele estaria disposto a falar. Vai depor na semana que vem, em Brasília, depois de ter feito um acordo de delação premiada, que, por alguma razão, demorou bastante a sair.
A expectativa é que entregue o nome de políticos.
Pessoa já confessou doações ao PT feitas pelo caixa dois e lavadas na forma de contribuições legais. Só em 2014, afirma, doou R$ 30 milhões a candidatos do PT. Contratou ainda os serviços da empresa de consultoria de José Dirceu. À diferença de alguns outros empreiteiros, que já andaram conversando, ainda que indiretamente, com seus antigos parceiros  — sim, eu me refiro aos petistas —, consta que o dono da UTC anda refratário a qualquer tipo de aproximação. Verdade ou não, veremos com o andamento dos fatos.
Consta que Pessoa vai entregar políticos que participaram da lambança. Haverá ainda personagens a revelar? E isso me dá a oportunidade de, mais uma vez, lhes propor uma reflexão.
Você já atentaram para a lista de políticos oficialmente enrolados no petrolão? Com todo o respeito e ressalvando-se uma exceção ou outra, trata-se de uma coleção de mediocridades. Alguns deles não devem ter influência nem no condomínio em que moram. Sim, há gente graúda, como o senador Renan Calheiros (AL) e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), respectivamente presidentes do Senado e da Câmara. Mas, reitero, são casos excepcionais. E a ironia das ironias: os investigados mais graduados são… peemedebistas.
O que estou a dizer, em suma, é que sempre me causa estranheza que um escândalo dessa magnitude tenha como protagonistas apenas empreiteiros, figuras do Legislativo e ex-diretores da Petrobras. Sim, há um peixão petista: João Vaccari Neto. Mas para por aí. Cadê o Poder Executivo nessa história?
É simplesmente impossível que esquema criminoso tão azeitado não estivesse obedecendo a um comando político ao qual, certamente, toda aquela gente se subordinava. Quem sabe Pessoa seja a esperança de chegar, vamos dizer, ao mandante ou aos mandantes.
Tomara!

21 de maio de 2015
Reinaldo Azevedo

A TÁTICA DOS DOSSIÊS



A tática dos dossiês. Sempre que é acuado, Lula se vale da tática dos dossiês. Lula saca um histórico armado até os dentes e começa a alvejar a reputação de quem o colocou na alça de mira.

Essa técnica de reverter situações foi sempre muito praticada pelo babalorixá baiano, Antonio Carlos Magalhães, o ACM para seus eleitores e Toninho Malvadeza para os desafetos.

O alvo de Lula agora é o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes que fez um pedido de explicações ao Instituto Lula, ao BNDES e à Odebrecht para apurar as suspeitas de tráfico de influência do incherido ex-presidente em favor da construtora, velha companheira de guerra.



Ao invés de responder às indagações para, se não demonstrar sua inocência, pelo menos dizer que quem não deve não teme, Lula não se defendeu; Lula contra-atacou.

Lula simplesmente passou a mostrar postagens do procurador nas redes sociais, ora manifestando simpatia à candidatura de Marina Silva; ora promovendo Aécio Neves.

Então tá. Essa tática de assassinar reputações, prova que Lula é inocente? Neca de pitibiriba! Absolutamente nada! No máximo, demonstra que o procurador não votou em Dilma Vana.

Assim é que, pelas pistas e documentos em mãos do procurador Cordeiro Lopes, Lula continua a ser mais suspeito do que nunca de ter cometido tráfico de influência.



Isso não seria novidade alguma. Eis que permanecem até hoje as evidências de que Lula intermediou o término das obras do Itaquerão, quando Lula chegou por lá com o executivo da Odebrecht à tira-colo e o BNDES fez mais uma vez o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes graúdos.

E nada é diferente hoje do que acontecia às pampas em termos de lobby, consultoria e tráfico de influência no tempo do escritório-lupanar em São Paulo então gerenciado por Rose como se fosse a segunda-dama da República até que o mafuá foi desmantelado pela Operação Porto Seguro, da Polícia Federal.


21 de maio de 2015
Laoviah Raziel

A PETROBRAS E A INTELECTUALIDADE CORRUPTA



Um manifesto assinado por expoentes da assim chamada ”intelectualidade brasileira”, como Fábio Konder Comparato, Marilena Chauí, Cândido Mendes, Celso Amorim, João Pedro Stédile, Leonardo Boff e Maria da Conceição Tavares (e haja fôlego!), denuncia a Operação Lava Jato como tentativa de destruição da Petrobras, de seus fornecedores e de mudança do modelo que rege a exploração de petróleo no Brasil.

Vejam bem, segundo estes senhores, a destruição da Petrobras vem da apuração dos crimes feitos pela Justiça e pela Polícia Federal; não provém dos próprios crimes praticados pela máfia petista encastelada na máquina pública.

Conspiração
O texto do dito manifesto aponta ainda uma “conspiração” para desestabilizar o governo; as investigações, segundo esses “expoentes intelectuais”, atropelam o Estado de Direito.

Chamo de novo a atenção: não são os crimes cometidos pela máquina corrupta do Partido dos Trabalhadores para consumar seu projeto de poder anti-democrático – e reduzidos por estes luminares a simples “malfeitos” – os que abalam o Estado de Direito; o que abala o Estado de Direito é a ação da Polícia e da Justiça, transformada numa “conspiração para desestabilizar o governo”.

Para finalizar e acentuar a má-fé que perpassa o texto, o manifesto conclui por afirmar que “o Brasil viveu, em 1964, uma experiência da mesma natureza”, a qual nos custou “um longo período de trevas e de arbítrio”. Qual o fundamento para esta aproximação arbitrária e gratuita?

Subversão das ideias, distorção dos fatos
Consolida-se hoje, de Norte a Sul do Brasil, um sentimento de aversão e repulsa em face da imensa máquina de corrupção instalada pelo PT (e associados) na Petrobrás, em diversas outras instâncias dos negócios do Estado e nas instituições, com a finalidade de consumar um projeto de poder totalitário. É bom e louvável que assim seja.

Mas é preciso atentar para um aspecto talvez mais perigoso do que a corrupção material! Uma corrupção intelectual na tentativa de inverter a realidade dos fatos, de destruir a objetividade das análises e de subverter a reta razão dos indivíduos. Não se esqueçam, é este tipo de “intelectualidade” e de “lógica” perversa que constitui o esteio de regimes tirânicos e genocidas, como o da Alemanha de Hitler, o da União Soviética de Lênin e Stalin, o da China de Mao, o do Camboja de Pol-Pot, entre tantos outros.

Manifesto que exala agonia
Convido os leitores do Radar da Mídia a lerem trechos do artigo“Que agonia”, que Vinícius Mota publica na Folha de S. Paulo(23.fev.2015):
  • Ao final da longa purgação que apenas se inicia, a Petrobras e todo o complexo político-empresarial ao seu redor terão sido desidratados. Do devaneio fáustico vivido nos últimos dez anos restará um vulto apequenado, para o bem da democracia brasileira.

    As viúvas do sonho grande estão por toda parte. Um punhado de militantes e intelectuais fanáticos por estatais monopolistas acaba de publicar um manifesto que exala agonia.

    O léxico já denota a filiação dos autores. A roubalheira na Petrobras são apenas "malfeitos". O texto nem bem começa e alerta para a "soberania" ameaçada, mais à frente sabe-se que por "interesses geopolíticos dominantes", mancomunados, claro, com "certa mídia", em busca de seus objetivos "antinacionais".

    Que agenda depuradora essa turma teria condição de implantar se controlasse a máquina repressiva do Estado. Conspiradores antipatrióticos poderiam ser encarcerados, seus veículos de comunicação, asfixiados, e suas empresas, estatizadas para abrigar a companheirada. (...)

    Quanto maior é o peso de empresas estatais na economia, mais amplos são os meios para o autoritarismo. Imagine se o governo ainda tivesse em mãos a Vale, a Embraer e as telefônicas para fazer política. Quais seriam os valores da corrupção, se é que sobrariam instituições independentes o bastante para apurá-los?
21 de maio de 2015
in radar da mídia

UMA QUESTÃO DE PONTO DE VISTA...

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21 DE MAIO DE 2015

INDICAÇÕES E REFORMAS

O mal-estar com a política nacional tem dado impulso aos clamores por uma reforma política. Digo "uma" e não "a" reforma política, pois cada um pode esperar dela o que bem entender - se é que espera algo em particular, ou entende algo a seu respeito. A insatisfação com o modo de fazer política é de tal magnitude e tão disseminada que a palavra de ordem da reforma política ganhou paulatinamente mais e mais adeptos. Tornou-se inclusive, um tema popular - sucesso de público e mídia. Já perdi a conta das palestras e entrevistas sobre o tema para as quais fui convidado e para as quais tenho tido pouca paciência.

Para alguns parece óbvio que já que a política vai mal, a solução é reformar as instituições. O problema é que reformar pode significar coisas não só distintas, mas também opostas. E, problema ainda maior, esse clamor sem foco por uma reforma política abre uma caixa de Pandora da qual brotam as maiores estultices. Veja-se o caso da escalafobética ideia de ampliar o mandato dos senadores para dez anos. Não basta já serem pouco efetivos os controles dos eleitores sobre os eleitos, e se propõe ampliar o tempo que os segundos podem passar sem o escrutínio dos primeiros. Felizmente, o desatinado propositor da ideia foi obrigado a retroceder.

Ainda mais mirabolante é a ideia de unificar todas as eleições - de vereador a presidente da República - num único pleito, sob as alegações ingênuas de que isso reduz os gastos e impede que o país fique paralisado a cada dois anos. Além de introduzir maior complexidade nas decisões eleitorais (o cidadão teria de escolher pessoas para sete ou oito cargos), tornaria o debate eleitoral um cipoal, pois ter-se-ia que discutir da tampa do bueiro à atuação do Brasil na ONU. Difícil imaginar um desserviço maior à qualidade da discussão política e à compreensão pelo cidadão dos problemas que lhe afetam.

Reforma política, para ser mais que uma temerária palavra de ordem, precisa ser dotada de foco. Mais produtivo seria escolher um ou dois temas principais e debatê-los a fundo. Qual nosso maior problema atual? O financiamento das campanhas? Então que se reformem as regras de financiamento, não sem antes deliberar cuidadosamente sobre a questão. Se o tema for outro, que se faça o mesmo com relação a ele.

Nada disso impede que se discutam outros problemas ao longo do tempo, mas sem a sanha por uma "mãe de todas as reformas", incapaz de parir qualquer coisa - ou, ao menos, algo que preste.

Em meio a essa discussão confusa pudemos testemunhar a apreciação, pelo Senado, de indicações feitas pela presidente da República para cargos cuja ocupação depende de aval parlamentar - o mais importante deles sendo o de um Ministro do supremo tribunal Federal. Eis aí um tema que mereceria maior consideração e, quem sabe, aprimoramento institucional. Nada que precise ser feito com urgência e com a ilusão de que, uma vez mudadas as regras, todos os problemas seriam resolvidos. Mesmo porque, ao abrir discussão sobre tal assunto sempre se cria o risco de tornar as coisas piores.

Os processos da aprovação de Luiz Fachin para o STF e da rejeição de Guilherme Patriota para a OEA são instrutivos a esse respeito. No caso do magistrado, tivemos uma inaudita discussão pública sobre o indicado. Decerto, em toda a nossa experiência democrática nunca houve tamanha atenção da imprensa à apreciação do nome, nunca se levantaram tantas informações sobre ele e nem se discutiu (no Senado e fora dele) de forma tão acalorada uma indicação. Nem mesmo os controversos nomes de Gilmar Mendes (ainda durante os anos FHC) e Dias Toffoli (já no governo Lula) renderam tamanho debate. O próprio Fachin montou uma campanha pública em defesa de sua indicação, com esclarecimentos e vídeos na internet.

Seria ótimo que fosse sempre assim, como é a tradição norte-americana. Lá, a apreciação de um juiz para a Suprema Corte recebe atenção pública similar à de uma disputa eleitoral, com posicionamentos contra e a favor do nome e a revelação de fatos de sua vida pregressa. Em suma, ocorre uma alentada discussão na sociedade sobre o nome indicado, de modo que a deliberação no Senado e a sua decisão final tornam-se apenas o desfecho de um processo que conta com a participação da cidadania. Entre nós a rotina são os casos em que poucos dias se passaram entre a indicação do nome pela Presidência da República, sua sabatina pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, finalmente, sua aprovação pelo Plenário. Houve mesmo situações em que sabatina e aprovação ocorreram no mesmo dia, sem tempo para a repercussão pública da arguição do indicado pelos senadores.

Seriam desejáveis aprimoramentos institucionais que tornassem o debate público sobre os nomes indicados algo rotineiro e não algo possível apenas quando o governo se vê às turras com o Congresso. Por que não uma sabatina também pela CCJ da Câmara, algumas semanas antes da feita pelo Senado, de modo a deixar o indicado exposto ao sereno do escrutínio público até que uma nova arguição parlamentar o ponha a teste? Nesse meio tempo, novidades poderiam surgir e explicações públicas teriam de ser dadas. Em vez de reformas nessa linha, que aumentariam o controle social sobre a composição da Corte, o que vimos foi o casuísmo da PEC da Bengala, que aumentou o tempo de permanência no cargo dos juízes - dando-lhes mandatos de longevidade nobiliárquica.

A reação do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) à rejeição de Guilherme Patriota para a OEA é emblemática. Lamentou ele: "É a primeira vez que um diplomata de carreira é rejeitado no plenário do Senado". O estranho não foi o que aconteceu agora, mas o que nunca ocorreu antes. Se no caso das nomeações para o STF jamais houve maior discussão pública, menos ainda ela se deu no que concerne a outros cargos de indicação presidencial e aprovação senatorial, como diplomatas, diretores do Banco Central e membros dos Tribunais de Contas. Eis aí um tema que mereceria atenção e, por que não, até mesmo reforma.


21 de maio de 2015
Claudio Gonçalves Couto, Valor Econômico

IMPRESSÃO DIGITAL

Arthur Maia (BA), líder do Solidariedade na Câmara, apresentou duas emendas a uma medida provisória do ajuste fiscal cujos arquivos eletrônicos são assinados por um gerente jurídico da Braskem --empresa que doou R$ 130 mil para sua campanha em 2014. Uma das emendas trata da inclusão de créditos fiscais em um programa de parcelamento de dívidas do governo federal de 2009. A outra, de Imposto de Renda sobre venda de imóveis. Nenhuma das duas foi para o relatório final.

Outro lado 1 Maia sustenta que a ideia das emendas é "exclusivamente" dele. Disse que acionou um tributarista em Salvador para que redigisse os textos das emendas e que esse advogado usou um arquivo digital antigo que recebera da Braskem --por isso a assinatura do funcionário.

Outro lado 2 A Braskem diz que as emendas "não são do interesse da empresa" e "tampouco partiram dela". Afirma que a primeira só diz respeito a pessoas físicas e que sua dívida referente ao programa de parcelamento da segunda foi paga em 2014.

Filme B A cúpula da CPI alega ter recebido informações de que o ex-deputado José Janene fechou um acordo com Alberto Youssef em 2010 e recebeu uma parte do dinheiro desviado da Petrobras para forjar sua morte e fugir para a América Central.

Geladeira 1 Renan Calheiros (PMDB-AL) engavetou indicações para cargos em agências reguladoras que foram atribuídas a ele.

Geladeira 2 O presidente do Senado devolveu para a secretaria-geral nomes de quatro conselheiros da Anvisa e da ANS e disse a aliados que eles não serão votados.

Eu não O governo trata como escolhas do peemedebista Fernando Mendes (Anvisa) e José Carlos Abrahão (ANS). Renan tem dito que não quer cargos federais.

Freezer Também foram arquivados por ora nomes indicados por Arthur Chioro (Saúde): Jarbas Barbosa, para a Anvisa, e Martha Regina de Oliveira, para a ANS.

Barragem Aliados de Renan preveem batalhas duras com o Planalto na votação de vetos de Dilma Rousseff nas próximas semanas. Há expectativa de derrubada de vetos à limitação de migração partidária e à alíquota extra do FGTS para domésticas.

Nome de... Luiz Fachin decidiu adotar Edson Fachin como seu nome de ministro no Supremo Tribunal Federal. Era a alcunha original escolhida por sua mãe, em homenagem a Thomas Edison.

... batismo O novo membro do STF só virou Luiz por sugestão do padre que o batizou, que insistiu que o bebê precisava ter nome de santo.

Boca de urna Fachin passou a Michel Temer no domingo uma lista com 21 votos considerados contrários e 16 incertos para sua aprovação no Senado. O vice contatou um a um os nomes da lista.

Sexta 13 O Planalto admite que os números de emprego do Caged desta sexta-feira devem consolidar o quadro de deterioração da economia. Os dados sairão horas antes do bloqueio do Orçamento.

Motim A bancada do PT no Senado vai avisar nesta quinta-feira ao Planalto e a Joaquim Levy (Fazenda) que pretende votar em massa a favor das alterações no fator previdenciário --e pedirá que a presidente não vete o item.

Santinho O Planalto ficou furioso com as declarações de Lindbergh Farias (PT-RJ) contra o ajuste. Auxiliares de Dilma dizem que o senador foi "inconsequente" e colocou em risco todo o pacote e a reconquista da base aliada.

Nem aí Alheio à reação, Lindbergh diz que pode reunir 11 senadores no grupo, além de movimentos sociais, e nega que o ex-presidente Lula lidere o motim. "Nem liguei para ele, com medo de que tentasse me dissuadir."

com BRUNO BOGHOSSIAN e PAULO GAMA

TIROTEIO

"Apesar do sobrenome, o indicado para a OEA seria melhor representante da Venezuela do que do Brasil. Por isso acabou rejeitado."

DE CÁSSIO CUNHA LIMA (PSDB-PB), líder da bancada no Senado, sobre rejeição da indicação do embaixador Guilherme Patriota para a representação na OEA.

CONTRAPONTO

A voz do povo

Rachada, a bancada do PT no Senado teve um debate quente sobre as medidas do ajuste fiscal na terça-feira. Os petistas reclamaram que as bases sociais do partido estavam se descolando cada vez mais da sigla devido ao arrocho dos benefícios trabalhistas e previdenciários.

Donizeti Braga (PT-TO) contou que, em viagem ao interior de seu Estado, ouviu críticas às propostas de alteração na aposentadoria, que permitiriam benefício integral quando a idade e o tempo de contribuição somarem 85 anos para mulheres e 95 anos para homens.

--Ouvi de um eleitor: "Isso vai acabar com a gente! Homem só vai poder se aposentar aos 95 anos de idade!".



21 de maio de 2015
Vera MagalhãeS, Folha de SP

POLÍTICA DO COTIDIANO, DO JORNALISTA CLAUDIO HUMBERTO

JOÃO VACCARI AMEAÇA O PT COM DELAÇÃO PREMIADA

O ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, que está preso em Curitiba, deixou a direção do partido em pânico. Sentindo-se “abandonado”, ameaça fazer acordo de delação premiada e revelar à Justiça o papel da “cumpanherada” no assalto à Petrobras. Ligado a Lula, de quem é homem de confiança, Vaccari mandou recados exigindo “postura firme” do partido em sua defesa, inclusive fazendo pressão no Judiciário.

DEPRESSÃO

Familiares e amigos próximos de João Vaccari se dizem preocupados com informações sobre o “estado depressivo” do petista na cadeia.

ESTÁ NO PRAZO

Acordos de delação na Lava Jato têm sido propostos pelos acusados ao final do primeiro mês de prisão. Vaccari está preso há 36 dias.

A ERA PETISTA


Vaccari tem muito a revelar: segundo o ex-gerente Pedro Barusco, o PT recebeu até R$ 200 milhões de propina, entre 2003 e 2013.

BLINDAGEM

João Vaccari anda preocupado com a situação da família, inclusive da cunhada que chegou a ser presa. Ele exige imunidade para todos eles.

REJEITADO, PATRIOTA VOLTA AO EXÍLIO DE LUXO EM NY

Rejeitado pelo Senado para a missão do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), o embaixador Guilherme Patriota volta à rotina de subordinado do próprio irmão, Antonio Patriota, na ONU, em Nova York, em seu apartamentaço de R$ 54 mil mensais pagos pelo povo brasileiro. Os irmãos são acusados de ofender a Lei 8.112, que trata de nepotismo, e proíbe a relação de subordinação entre eles.

O QUE DIZ A LEI

A art. 117, VIII, da Lei 8.112, proíbe servidor de manter sob sua chefia imediata “cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil”.

CHEFE E CHEFIADO

Ex-Ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota chefia a missão do Brasil na ONU desde 2013. O irmão Guilherme é o seu “vice”.

ESQUERDA COM CAVIAR

Adorador do bolivarianismo atrasado, Guilherme Patriota não quis Caracas, La Paz ou Quito. Prefere o “circuito Helena Rubinstein”.

CHAVE DE CADEIA


Ex-ministro que frequenta o Instituto Lula diz que preocupa mais o ex-presidente a delação do seu amigo empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, do que as ameaças de outro amigo, João Vaccari Neto.

NITROGLICERINA PURA

Maranhão vive a expectativa das revelações à polícia do ex-vendedor de bananas Rosivaldo Pacovan, hoje um milionário acusado de agiotagem junto a prefeituras e até de financiar campanhas políticas.

FLOR DE PESSOA

Delicada como papel de embrulhar pregos, Dilma reagiu assim a um segurança, leitor da coluna, que, carro em movimento, sugeriu fechar o vidro para a chuva não molhar os cabelos: “Por que, p(*)? Por acaso você vai dormir comigo?” Ele ficou insone, achando que seria demitido.

COMO SE FAZ

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), conseguiu o que Dilma vem tentando sem sucesso: levou a Brasília os 27 governadores, e para discutir o pacto federativo.

DISTRITÃO É...

Pelo “distritão”, que tanto apavora alguns dos atuais parlamentares, metade da Câmara é eleita pelo voto distrital (o mais votado em cada região) e a outra metade proporcionalmente, pelo voto no partido.

ROGANDO A DEUS

O senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) recorreu a Deus na votação que aprovou Luiz Edson Fachin para o Supremo Tribunal Federal. Segundos antes de iniciar a votação, ele fez o sinal da cruz.

TÔ FORA

O senador Antonio Reguffe (PDT-DF), que se opôs à indicação de Luiz Fachin ao STF, defende enfaticamente rompimento do seu partido com Dilma. Na prática, já está na oposição: vota sempre contra o governo.

UM APAIXONADO

O deputado Damião Feliciano (PDT-PB) usou o horário político do partido para promover a mulher, vice-governadora Lígia Feliciano. Damião sonha elegê-la governadora em 2018.

ABSOLUTISMO

A personalidade autoritária do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), já lhe rendeu um apelido entre os colegas: “Dom Eduardo I”.


PODER SEM PUDOR


RECADO DAS TREVAS


Carlos Fehlberg chegava à redação do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, onde trabalhava, e encontrou o recado: deveria comparecer imediatamente ao QG do III Exército. Como sabia da forte repressão do regime militar, ele se escondeu, enquanto amigos sondavam os militares sobre o que pesava contra ele. Logo veio o alívio: Fehlberg não sabia que o comandante do III Exército, general Emílio Garrastazzu Médici, havia sido o escolhido para ser presidente da República e o queria como assessor, em Brasília.

21 de maio de 2015

A MORAL DOS COITADINHOS

A democracia contemporânea tem como um dos seus eixos a crença num contrato social baseado numa contabilidade de direitos. Todos querem direitos. Existe uma fé muito clara de que o direito a qualquer coisa que seja "é por si só um direito".

Filósofos britânicos dos séculos 18 e 19, entre eles Edmund Burke e Jeremy Bentham, integrantes do que a historiadora americana Gertrude Himmelfarb chama de iluminismo britânico, suspeitavam que uma democracia de direitos poderia levar à dissolução da relação entre direitos e deveres. E, por aí, a uma dissolução da noção de responsabilidade moral. Em termos contemporâneos, uma democracia de coitadinhos que pedem direito a tudo.

Os britânicos colocavam essa separação entre direitos e deveres na conta do delírio jacobino. A ideia dos britânicos era que se você trabalha muito (dever), você tem direito ao descanso. Se você é corajoso (dever), você tem direito à reverência daqueles que gozam da vida graças à sua coragem. Se você cuida bem de sua família (dever), você tem direito ao reconhecimento por parte daqueles cuidados por você.

Esses britânicos, que segundo Himmelfarb faziam uma sociologia das virtudes, entendiam que direitos e deveres são objetos da moral e jamais da política. Os jacobinos achavam que a política é que devia gerir os direitos. Para os britânicos, ao tornar isso objeto da política, os franceses eliminavam o fator esforço (dever) do ganho (direito).

Os franceses teriam inventado a ideia de que existem direitos "inalienáveis" do homem, pelo simples fato de que são homens. Acho a ideia fofa, mas continuo pensando como os britânicos: se dissociarmos direitos de deveres, viramos bebês chorões que só sabem exigir direitos.

Dito isso, vamos ao caso dos coitadinhos de hoje, no espírito de uma antropologia do ressentimento, a melhor ciência para compreendermos o espírito contemporâneo.

Vejamos o caso dos homens (gênero, não espécie) que estão começando a reclamar dos deveres masculinos. Na base dessa queixa está o bom e velho ressentimento.

Uma das demandas desses homens é o direito ao "aborto social". O termo é derivado de coisas como "nome social" para se referir a nomes transgêneros (ou seja, aceitos pela sociedade, mas sem referência ao sexo biológico, como uma menina que quer ser homem e passa a se chamar Roberto em vez de Alice, seu nome de nascimento).

"Aborto social" refere-se ao direito dos homens recusarem legalmente a paternidade de uma criança. Se o direito pega, o chamado "golpe da barriga" acaba. Nem a mãe nem a criança podem pedir grana (que é o que se pede, normalmente, em casos como esse, apesar de dinheiro não ser a coisa mais importante do mundo...).

A verdade é que, hoje, muitos homens mais jovens se sentem coitadinhos diante de mulheres superpoderosas. E já que as mulheres podem abortar os filhos, biologicamente (poder único da mulher), os homens reclamantes exigem o direito de abortar "socialmente" o feto. Sinto cheiro de ressentimento e vingança nessa, você não?

Mas existem fenômenos mais "sofisticados". Logo uma namorada vai ouvir do parceiro: "Você deve buscar funções que remunerem bem porque eu não estou disposto a arcar com o peso da obrigação de ser o provedor".
E aí, meninas superpoderosas, o que fazer com esses coitadinhos que não aguentam o peso e a solidão das obrigações? Nada a fazer, pois cobrar do homem o papel de provedor é "opressão", não?

Nada de ser professora de criança, nem de fazer artes plásticas, nem de trabalhar meio período, nem de trabalho "como escolha". Apenas a dura obrigação de prover. O trabalho deixa de ser uma opção existencial e se torna maldição cotidiana.

Claro que muitas meninas já vivem isso. Resta saber se estão confortáveis nesse lugar. Sendo a mentira a base de grande parte do pensamento público hoje, pouca gente tem a coragem de reconhecer a fria em que se meteu.

Ninguém quer deveres, só direitos. Mas são os deveres que sustentam a formação de vínculos; os direitos apenas geram demandas, por isso servem para políticos e embusteiros.



21 de maio de 2015
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP

O MELHOR GOVERNO DO BRASIL

Nesses tempos bicudos, tudo pode incomodar Lula da Silva e Dilma Vana. Nada, porém, é mais perturbador e incomodativo para a dupla dinâmica do que a petulante ousadia da independência e eficácia da Polícia Federal.



Faz tempo que Lula e Dilma perdem o sono - cada um no seu devido leito de deleite - bolando uma forma de aparelhar a corporação dos Federais.

Não tem dado nada certo; não há estratégia de coalizão que tenha poder de chantagem capaz de comprar o poder de investigação e a liberdade de ir e vir dos Intocáveis de Sérgio Moro.

Lula e Dilma, como o velho e conhecido espermatozoide capenga, chegam sempre depois do fato consumado e não têm conseguido apagar o velho brocardo que ensina que o criminoso sempre volta ao local do crime.

Valer-se da investidura do bosseiro-remendão Zé Eduardo Cardozo como arauto das ordens da dupla impagável tem saído pior, muito pior que a encomenda.



Como ministro da Justiça do Governo do PT, Cardozo não consegue passar do triste desenho animado de um J. Edgar Hoover, papa do FBI, na tentativa de abater o poder de fogo de Sérgio Moro, o Eliot Ness brasileiro nesses dias de chumbo grosso para a pandilha de sevandijas que tomou de assalto esse país.

Assim é que, malgrado a perturbadora incomodação de Lula e Dilma Vana, pela independência da Polícia Federal e pela contínua penetração da Vara de Sérgio Moro e sua equipe, a Operação Lava-Jato se consagra como o melhor tipo de governo para o Brasil da Silva, pátria descoberta por Luiz Inácio, quando aportou com todas as suas segundas intenções na rampa do Planalto, em 2002.


21 de maio de 2015
Laoviah Raziel

TUDO DEPENDE

O Brasil, apesar de toda a torcida e de todos os esforços em contrário, é uma democracia há pelo menos trinta anos - funciona mal, mas funciona em modo pleno, e isso é o que interessa no mundo das realidades. Todos os direitos individuais são respeitados. A liberdade de expressão é completa. 

O governo tem de obedecer às leis. O exercido da atividade política é perfeitamente livre para todos. Não há nenhuma ideia proibida, e por aí se vai. Não existe problema algum, portanto, para que pessoas, organizações, partidos ou seja lá quem for defendam em público os valores que acham corretos. 
Acontece que a mente humana não é um lugar necessariamente lógico; quando se pergunta quanto são 2 mais 2, por exemplo, é surpreendente a quantidade de pessoas que respondem: 

"Depende". Além disso, estamos no Brasil - e no Brasil, sobretudo hoje em dia, há uma extraordinária coleção de coisas que "dependem". A que está chamando mais atenção no momento, entre outras, é a defesa de valores por parte de quem tem obrigação de defendê-los. Após trinta anos de democracia, pregar a favor deste ou daquele valor deveria ser uma atitude rigorosamente comum no dia a dia da vida pública. Mas não é - "depende". Ou, como se diz, não "rola".

Como acontece em nossa terra com certas leis, o debate às claras sobre questões de princípio não "pegou", apesar de toda a liberdade política que existe à disposição dos interessados. Poucas vezes isso esteve tão claro como nos últimos dias, quando foi preciso que o mundo político dissesse com clareza se é a favor ou contra o pacote de pontos de vista do advogado Luiz Fachin, indicado pela presidente Dilma Rousseff para completar o quadro de onze ministros do supremo tribunal Federal. 

E poucas vezes a dificuldade de defender abertamente alguma postura moral ficou tão bem demonstrada como na deserção generalizada do PSDB, o principal partido de oposição do país, diante das obrigações que tem perante seus eleitores. 
O problema não está no doutor Fachin, que não precisa da autorização de ninguém para pensar o que pensa, ou dizer o que pensa - sobre casamento, família e paternidade, por exemplo, questões que a seu ver estão contaminadas por leis obsoletas, ou sobre o direito à propriedade privada, que segundo ele só pode valer se servir para funções sociais que ninguém sabe quais seriam, ou sobre invasões de terra, das quais é um entusiasta. 

Ele também tem todo o direito de escrever coisas como "transubjetivação", "espacialidade", "diárquico" ou "eudemonista", ou de chamar o morto de de cujus - é apenas a obsessão de ser incompreensível que comanda os circuitos mentais de quase todos os brasileiros empenhados em provar que são juristas. 
O problema, por inteiro, está com o PSDB, que nessas horas é incapaz de dizer abertamente se acredita ou não, para valer, em alguma coisa. Vai ao contrário, exatamente, do PT, o partido que faz mais uso do seu direito constitucional de dizer o que pensa e o que quer - ou dos cultos evangélicos que não têm medo de agir em defesa da sua própria fé.

Para simplificar: o maior partido brasileiro de oposição é a favor da propriedade privada, ou da validade do contrato civil de casamento tal como está escrito na lei? Não pode haver nada mais simples - basta dizer "sim" ou "não". Mas o PSDB da vida real não consegue, como ficou comprovado mais uma vez na indicação do novo magistrado. Suas principais lideranças construíram o prodígio de estar em Nova York justo no dia em que o Senado fez a sabatina de Fachin; um recorde, provavelmente, em matéria de correr da raia. Se não querem nem fazer perguntas, como esperar que tenham respostas? Outro de seus arquiduques foi ainda mais longe: ficou logo de uma vez a favor do nome proposto, por conveniência política pessoal.

O PSDB de hoje, na verdade, até que se mostra capaz de fazer oposição ao governo; estão aí seus discursos, votos no Congresso, participação em CPIs, pedidos de investigação. Mas o partido, salvo exceções, desaparece quando se trata de assumir alguma posição relativa a valores - o terreno onde a vida realmente se complica e a franqueza pode trazer riscos. Age como se valores fossem uma linha de ônibus, que as pessoas só tomam para ir ao lugar que lhes interessa. Não pode haver nada de bom nesse tipo de conduta. Um partido que tem medo de deixar que o verdadeiro e o falso sejam discutidos no livre mercado de ideias é um partido que tem medo das maiorias; seus chefes se condenam a viver na situação de desertores permanentes.


21 de maio de 2015
J. R; Guzzo, Veja

OPORTUNIDADES E CUIDADOS NOS NEGÓCIOS DA CHINA

Enquanto Pequim tem um projeto estratégico de buscar matérias primas onde for, o Brasil precisa saber qual o seu, e evitar uma relação ‘colonial’ com o parceiro

O pacote de acordos assinados terça-feira em Brasília entre a presidente Dilma e o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, chega em providencial momento, quando o país padece de grave falta de investimentos, principalmente na infraestrutura. Estima-se que a China pode financiar projetos no país num volume de até US$ 53,3 bilhões. O dinheiro será importante contrapeso numa fase de inexorável ajuste fiscal — portanto, de poucos recursos públicos disponíveis — e também de grande necessidade de investimentos externos.

O ponto de interrogação em tudo isso é saber se o dinheiro virá mesmo. Costuma-se dizer que a negociação com os chineses começa depois que o contrato é assinado. São lembradas as promessas feitas em 2011 de um investimento, em seis anos, de US$ 12 bilhões e geração de 100 mil empregos, com a vinda da Foxconn, empresa chinesa fabricante de produtos Apple. Não passava de um conto chinês, reproduzido pelo governo brasileiro.

Tudo parece ser um “negócio da China”, por isso é preciso ser realista. Pequim já demonstrou saber “comprar na baixa”. Socorre os sufocados venezuelanos, os endividados argentinos e agora chega ao Brasil para “ajudar” a Petrobras, também sem acesso ao mercado financeiro mundial, e apoiar o próprio país, ainda soterrado sob os escombros da “nova matriz macroeconômica”.

Trata-se, é certo, de uma oportunidade que não pode ser descartada. Mas se os chineses têm um claro projeto estratégico, de dimensões globais — garantir acesso a matérias primas, ao menor custo possível —, Brasília precisa tirar o máximo que necessita e ter o seu plano também.

Devido às necessidades crescentes de alimentos, matérias primas e energia, a China é hoje grande financiadora de ferrovias, portos, projetos de exploração de petróleo etc. em todo o planeta. Nesse aspecto, o Brasil tem prioridade por já ser importante fornecedor de minério e soja aos chineses. Tanto que a China ultrapassou os EUA como mercado importador do Brasil. Justifica-se, então, por exemplo, a ferrovia de acesso ao Pacífico, caminho mais curto para a Ásia.

Mas será um erro histórico o Brasil se acomodar a uma aliança “colonial” com os chineses: fornecedor de matérias primas e importador de bens manufaturados, inclusive equipamentos para esses projetos. Por uma dessas ironias, mais uma, terá sido um governo do “anti-imperialista” PT que consolidará laços com os chineses de ranço mercantilista, típicos de séculos passados, como aqueles com os quais metrópoles ataram o Brasil.

Será decisivo, portanto, também modernizar a indústria, algo que o PT “desenvolvimentista” impede, ao continuar com o sonho delirante da “substituição de importações" ao estilo Geisel. Sem integrar a indústria brasileira a cadeias globais de produção, o segundo governo Dilma terá apenas dado um vigoroso passo para transformar Pequim no que Lisboa e Londres já foram para o Brasil.



21 de maio de 2015
Editorial O Globo

A DIFICULDADE DE DESAPRENDER

Avanços institucionais fundamentais para o futuro do país foram revertidos nos governos do PT nos últimos anos. Velhas ideias ressuscitaram. Instituições fiscais foram desmontadas. Promoveu-se uma guinada protecionista que tornou o Brasil, na análise de Pascal Lamy, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), um dos únicos países em que o nível de protecionismo cresceu nos últimos dez anos. "Nenhum outro país, especialmente desse tamanho, retrocedeu tanto", disse Lamy.

Uma explicação para o retrocesso é a dificuldade de desaprender. "Somos extremamente lentos para desaprender, o que nos limita a capacidade de mudar velhos conceitos", disse João Batista Araújo e Oliveira em livro recente (Repensando a Educação Brasileira, 2015). O contexto é o da vantagem do computador sobre o ser humano para lidar com informações e processá-las rapidamente, mas a afirmação vale para caracterizar a incapacidade de entender o envelhecimento de ideias válidas no passado.

O PT deu marcha a ré em grande parte do trabalho de abertura da economia que havia sido a resposta ao esgotamento da estratégia de industrialização por substituição de importações. Tal estratégia deixa de funcionar quando se prolonga além do tempo e sem avaliação de custos e benefícios. Infelizmente, na época em que era necessária uma revisão, o Brasil foi atingido pelas crises do petróleo de 1973 e 1979, período em que os preços do produto mais do que decuplicaram.

A reação do governo Geisel às crises foi dobrar a aposta na substituição de importações, intensificando a produção interna de bens de capital e de insumos básicos (produtos siderúrgicos, químicos e petroquímicos, e álcool para fins carburantes). As barreiras à importação foram ampliadas e se exacerbou a regra de conteúdo local. No início dos anos 1980, os sinais de ineficiência e alta inflação se espalhavam. Caíram a produtividade e o potencial de crescimento do país.

Essa política visava a reduzir a dependência externa, mas acabou gerando déficits crescentes no balanço de pagamentos em conta-corrente. Por certo tempo, a estratégia sustentou-se mediante ampliação do endividamento externo. Contudo, a moratória mexicana de 1982 secou o crédito para a América Latina e escancarou os seus problemas. Estudos realizados enquanto se buscava enfrentar a crise identificaram a necessidade de abrir a economia para submeter a indústria brasileira à competição internacional e assim aumentar a eficiência e a produtividade.

A abertura começou em 1988/1989, com duas rodadas de redução da proteção aduaneira, corte de 85% da lista de bens com importação suspensa e revisão de incentivos fiscais. O processo se acelerou em 1990 e atingiu seu máximo depois do Plano Real. A privatização, a concessão de serviços públicos e o saneamento do sistema financeiro público foram parte da nova estratégia. A indústria se modernizou e o potencial de crescimento voltou a crescer.

"O PT cedeu a pressões para restabelecer o protecionismo. Poderia ter mantido a estratégia de abertura, como o fez em relação ao tripé macroeconômico - que somente seria abandonado por Dilma. Preferiu o retrocesso"

O PT, crítico da abertura, cedeu a pressões para restabelecer o protecionismo logo que chegou ao poder. Bem que poderia ter mantido a estratégia, como o fez em relação ao tripé macroeconômico - que somente seria abandonado por Dilma -, mas preferiu o retrocesso.

Barreiras à importação foram restabelecidas. Emendas à Lei de Licitações criaram margem de preferência de 25% para empresas nacionais. A regra de conteúdo local mínimo - já discutível na era Geisel - foi restabelecida e ampliada. Nas obras de mobilidade urbana chega a 80% em material rodante e a 100% em serviços de engenharia. No pré-sal, vai de 37% a 85% dos equipamentos e serviços.

Voltou a prática de escolha de campeões nacionais pelo BNDES. A indústria naval renasceu, mas a Petrobras paga muito mais por navios e sondas. A empresa foi usada como instrumento de política industrial, o que prejudicou sua eficiência. A recaída protecionista contribuiu para a estagnação da economia.

Dificilmente a situação se reverterá até 2018, pois Dilma "tem certeza" da validade das velhas ideias que abraçou. A virada na política econômica não chegará à política industrial. Em próximo governo, o crescimento mais forte dependerá da restauração da relevância da abertura da economia.


21 de maio de 2015
mailson da nóbrega, Veja

TERCEIRA VIA

À medida que a disputa política fica mais acirrada, com PT e PSDB buscando espaços para se firmarem como polos que se contrapõem, abre-se um caminho para uma terceira via que tanto pode ser de uma direita que começa a se organizar, quanto de esquerda, representada pela Rede de Marina Silva ou por dissidências mais radicais.

O surgimento de potenciais candidaturas "de direita", como a do senador Ronaldo Caiado, do DEM de Goiás, ou de direita radical, como o deputado Jair Bolsonaro, retiram do PSDB a pecha de "direitista" que o PT há anos tenta pespegar nos tucanos.

Candidaturas radicais de esquerda, como do PSOL, por exemplo, também tendem a colocar o PT mais para o centro, cujo eleitorado também será disputado pela Rede. Não surgiu ainda no horizonte político nenhuma terceira via sem filiação partidária, mas o ex-Ministro do STF Joaquim Barbosa permanece como uma alternativa que agrada a parte do eleitorado em busca de solução nova para a disputa entre PT e PSDB.

Apontar o juiz Sérgio Moro como aspirante à Presidência é apenas uma manobra rasa dos que querem inviabilizar seu trabalho. A verdadeira comoção que ele provoca ao aparecer em público, assim como os aplausos que a presença de Barbosa continua a estimular, mostram que há um público ávido por novas figuras, não comprometidas com o jogo político atualmente em disputa.

PT e PSDB, no entanto, continuam sendo os catalisadores da maioria do eleitorado brasileiro, e no momento a oposição, não apenas o PSDB, parece dominar o sentimento generalizado, levando a crer que o ciclo petista tende a terminar, se não antes do fim do mandato de Dilma, na eleição de 2018.

O próprio Lula já tem admitido, segundo relatos, que não tem condições de ser candidato à sucessão de Dilma caso seu governo não se recupere, e nada indica que isso vá acontecer a tempo de dar condições de disputa a um candidato petista, mesmo que ele seja um Lula já em franco desgaste.

As diversificadas e permanentes revelações sobre a atuação governista no escândalo do petrolão, se não provocarem um processo de impeachment de Dilma, necessariamente manterão um clima político contrário à pretensão do PT de permanecer 20 anos ou mais no poder.

O programa do PSDB de terça-feira foi dos mais violentos já feitos pela oposição ao PT, e não é à toa que a direção petista anunciou que irá ao Tribunal Superior Eleitoral(TSE) contra o que classificou de "campanha suja, odiosa e reacionária dos tucanos e seus sequazes".

Não vai dar em nada, pois a democracia pressupõe que os adversários se debatam em campo aberto. O PT não está acostumado a sofrer esse tipo de ataque, só a desferi-lo, quando esteve fora do poder central. O ataque petista virá na mesma dimensão, pelo que anuncia a nota oficial do partido, que acusa o PSDB de diversos "malfeitos e ilicitudes".

Ambos os partidos tratam as denúncias como motivadas por disputas políticas apenas, mas o desgaste é inevitável. O perigo é que fique no eleitorado a ideia de que os dois têm razão.

A agressividade com que o PSDB vem atuando na oposição, e mais sua disposição de votar contra as medidas propostas pelo governo Dilma para o ajuste fiscal - mesmo quando algumas delas, como o fator previdenciário, eram defendidas pelo partido até pouco tempo atrás -, estão trazendo desconforto para eleitores tradicionais dos tucanos, que não se reconhecem mais no radicalismo assumido.

Outros, ao contrário, exigem posições mais firmes, como o apoio oficial a um eventual impeachment da presidente Dilma, ainda que sem provas que o sustentem. A tendência é que o embate entre as duas forças que polarizam a política brasileira há mais de 20 anos continue se adensando à medida que as investigações dos escândalos, e as crises políticas e econômicas, tendem a aumentar.

O caminho para uma terceira via está aberto, e até o PMDB começa a se enveredar por ele.


21 de maio de 2015
merval pereira, O Globo

OPOSIÇÃO MOVE AÇÃO POR CRIME COMUM CONTRA DILMA NA PGR

AÇÃO POR CRIME COMUM NA PGR PODE LEVAR A AFASTAMENTO POR 6 MESES


A INTENÇÃO É AFASTAR DILMA DO PODER COM O 
IMPEACHMENT. FOTO: ROBERTO STUCKERT FILHO/PRO)


PSDB, DE, PPS e SD se uniram e decidiram ingressar na Procuradoria-Geral da República (PGR) com duas representações contra a presidente Dilma Rousseff por crime comum. As denúncias são em razão das pedaladas fiscais de 2013 a 2015, já que a lei veda que bancos públicos como Caixa, Banco do Brasil e BNDES financiem seu controlador, no caso a União. As alegações são de crime contra o sistema financeiro e o objetivo é conseguir o mesmo efeito do impeachment da presidente, mas de outra maneira, pois a oposição não conseguiu pareceres jurídicos que sustentem um pedido de impedimento por crime de responsabilidade.

A ação foi redigida pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Justiça, Miguel Reale Júnior, o mesmo que, recentemente, deu parecer contrário ao pedido de impeachment por crime de responsabilidade. Caso a PGR e o STF acatem a representação, a Câmara dos Deputados não terá alternativa, a não ser votar a abertura de inquérito, o que obriga o afastamento imediato de Dilma da Presidência por seis meses. Ainda assim, a oposição tenta aproveitar o momento de racha na base do governo na Câmara para facilitar a obtenção dos 342 votos necessários para aprovar o inquérito.



21 de maio de 2015
diário do poder

POR QUE TANTA PRESSA?

A correria generalizada para a aprovação da Reforma Política sinaliza que os políticos perceberam que não há mais escapatória e que estamos no tempo de mudanças? Entenderam que é preciso estabelecer alguma conexão com as pessoas, depois das manifestações das ruas de 2013, 2014 e 2015? Tudo indica que sim. Outra variável importante é a proximidade (2016) das eleições para prefeito e vereador.

Só que o carro-chefe das mudanças é o “distritão”, projeto apoiado e articulado pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB), que já passou pela Comissão de Reforma Política e deve seguir para votação na Câmara. Lastimavelmente, a população está completamente alheia ao debate.

Argumentam os ideários da reforma que essa pressa na tramitação teria o objetivo de responder com celeridade os pedidos de “mudança” das ruas. Trata-se interpretação equivocada e maldosa, além de contrária ao verdadeiro desejo das ruas.

Ao promover a votação a galope, o que os líderes da comissão conseguem, de fato, é isolar o povo, votando uma nova lei sem consulta ou discussão. Será que não enxergam que estão errados porque as ruas querem participação e mudança com representação?

Sem informação e discussão, o debate quase inexistente sobre a reforma política continua fraco. Como vai funcionar o distritão? Bem, o “distritão” é maestria política: o mais votado ganha. Uma proposta de simples entendimento e de fácil adesão.

A questão, porém, não é tão simples. A proposta favorece o lançamento de “candidatos celebridades”, como é definido o caso do Tiririca. Ou seja, o que se procura abolir com a reforma política, se tornaria ainda mais comum. Outras desvantagens: haveria muitos candidatos, o que manteria a escolha confusa, e muitos locais ficariam sem representantes. É preciso advertir ainda que o parlamentar e o povo poderiam continuar sem conexão. Além disso, o projeto tornaria as campanhas para os candidatos proporcionais (deputados federais e estaduais e vereadores) ainda mais caras!

Um contra-ataque de última hora ao “ distritão” do PMDB começou a se formar numa aliança entre o PT e o PSDB, em favor do Distrital Misto. Neste sistema, metade dos candidatos seriam eleitos por lista fechada (vontade do PT) e a outra metade pelo Distrital. Na lista fechada, o partido escolhe os candidatos e os coloca em ordem, numa lista. O eleitor vota apenas no partido, assim elege os mais votados na ordem decidida por cada partido. Em resumo: o eleitor não vai mais nem digitar o número do candidato, nem ver a sua foto. Vai digitar apenas o número do partido escolhido. E esquecer mais rápido quem elegeu.

Já a outra metade dos deputados e vereadores seria eleita pelo Voto Distrital, sistema em que a eleição é decidida em pequenos distritos, por poucos candidatos. Com isso, o eleitor iria conhecer e lembrar em quem votou e o político seria cobrado por uma população mais unida, mais coesa, mais próxima e, pretensamente, mais forte. A pressão seria maior. Ao mesmo tempo, o custo de campanha seria menor, pois a distância a ser atravessada diminuiria, e tanto maiorias quanto minorias seriam representadas no Congresso.

Temos que encontrar uma forma de discutir direito, e sem pressa, a reforma política. Democracia não é só “o desejo da maioria”. Na democracia o povo cobra seus representantes e os representantes conversam com o povo.

Precisamos saber as razões que levam o voto distrital a incomodar grande parte da elite política do país. Com a manipulação do discurso das ruas e a força do jogo político, o PMDB lidera a luta pelo “distritão”, mas sem buscar conexão com o povo. Acontece que só mudar não é suficiente, pois Tiririca estava errado: pior do que está dá pra ficar, sim.


21 de maio de 2015
Felipe Schulman

O MITO DA JUSTIÇA

O Brasil é um País inédito. Temos o maior numero de faculdades de direito do planeta, de bacharéis e comparativamente com outras Nações, a exemplo da França. 
O que se forma por ano é o total de advogados que lá militam, o que dá bem uma noção do sistema mercantilista e sem freios que tomou conta e se prolifera para ações na justiça desritmadas e desconexas com o tempo da realidade e formação da jurisprudência.

O Presidente do STF reconhece que a população procura insistentemente pela justiça e isso não seria um bom sinal, na medida em que as desigualdades sociais não se modulam no seio do judiciário, raramente tal acontece. 
O que precisamos é estabelecer o caminho do diálogo e criar uma verdadeira sociedade e não castas ou blocos que se isolam mantidos pelo poder econômico.

Vivemos numa economia surreal que agora se aproxima da realidade, com a secura do dinheiro público e privado e o apelo para o capital estrangeiro. 
Os preços são caros e artificiais para uma população sem poder econômico, corroído pela inflação e mais grave ainda sem poupança interna. 

Os milhões de feitos que estão na justiça, boa parte se refere à execução fiscal, e se começa a pensar como uma Nação que arrecada um trilhão de reais ano, ou seja, um terço do seu produto interno bruto poderia ter entrado em colapso,para um inadiável ajuste fiscal.

A primeira vista parece complexa a resposta, mas é simples: gastos exagerados, ajudas para os países vizinhos, descontrole, descalabro e corrupção, ingredientes os quais funcionam como uma bomba relógio.

No exterior as ações contra as empresas estatais caminham e elas prestam informações que aqui no mercado brasileiro não dispomos. Os titulares de ADRs estão perseguindo seus prejuízos e notadamente haverá mais cedo ou mais tarde um acordo para pagamento.


No triste Brasil tudo caminha a passo de cágado sem rumo ou norte, e as autoridades de mercado somente cogitam mudanças, mas depois da casa arrombada nada que possa nos convencer de melhorias a curto prazo. 
A justiça então,pela ineficiência do setor administrativo, e pela falta de um contencioso, sofre dos revezes de uma guerra silenciosa entre aqueles que sonegam os direitos e outros que os reivindicam ainda que depois de uma década para obter.

E quanto maior for o poder econômico mais difícil será alcançar o êxito em curto espaço de tempo, em razão das infindáveis vias recursais sempre procuradas pelos interessados em retardar o cumprimento da ordem judicial.

O mercantilismo das empresas jurídicas deve ser filtrado e pulverizado para que o mercado tenha futuro, pois que não conseguirá mais absorver a grande quantidade de formados, inclusive em cursos não presenciais. 
Apenas para que se tenha uma idéia em São Paulo nos aproximamos de quase 400 mil advogados inscritos, e isso afoga qualquer administração da justiça. Preparar profissionais técnicos em mediação e conciliação seria uma saída apenas para evitar a litigiosidade excessiva.

Em síntese uma carga tributária anômala, excesso de advogados no mercado e ausência de infra estrutura tornam a justiça brasileira lenta e custosa, mas sem uma revisão do modelo em profundidade continuaremos a remar contra a maré em alta pela grave crise social que nos fragiliza e suscita conflitos na justiça.


21 de maio de 2015
Carlos Henrique Abrão