"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A ECONOMIA DOS PODERES MÁGICOS DA MENTE

A presidente Dilma Rousseff é uma batalhadora. Essa virtude ninguém pode negar. Ela briga com as palavras, a lógica, os fatos, os números, a teoria econômica e os princípios mais simples da administração. Não é uma vida fácil, até porque os números têm o hábito lamentável de atacar traiçoeiramente. Enquanto ela pregava otimismo aos empresários, na quarta-feira à tarde, o Tesouro Nacional divulgava as contas do governo central, com mais um déficit primário - de R$ 1,95 bilhão em junho - e mais uma coleção de cifras assustadoras. No dia seguinte o Banco Central (BC) mostrou um quadro ainda mais feio, ao publicar as contas consolidadas do setor público. Segundo seu critério, o mês de junho havia terminado com um buraco de R$ 2,7 bilhões na administração central e de R$ 2,1 bilhões no conjunto, com desempenho pouco melhor dos governos regionais e das empresas controladas. Na sexta-feira, novo ataque dos números mostrou mais um tombo da produção industrial: o volume foi 1,4% inferior ao de maio e 6,9% menor que o de junho do ano passado.

No mesmo dia, à tarde, as cifras do comércio exterior pareceram trazer alguma ajuda: as contas de julho foram fechadas com superávit de US$ 1,57 bilhão. Mas pouco mais de metade desse valor, US$ 866 milhões, foi garantido pela exportação fictícia de uma plataforma de exploração de petróleo. Além disso, no acumulado do ano restou um déficit de US$ 916 milhões. Sem aquela operação - legal, mas fictícia, porque a plataforma continua no País - o déficit de janeiro a julho ainda seria US$ 1,78 bilhão.

Mas a presidente, auxiliada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, continua cobrando otimismo de todos, como se isso garantisse um desempenho melhor da economia brasileira. Os dois atribuem os problemas - pequenos, naturalmente - ao pessimismo espalhado pelos mercados e às condições da economia internacional. Na Confederação Nacional da Indústria (CNI), na quarta-feira, a presidente chegou a falar em protecionismo no mundo rico para explicar o enfraquecimento das exportações. Em relação ao comércio exterior e à competitividade, os números e dados conhecidos também têm sido adversos às teses presidenciais.

A presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda têm aplicado à economia uma criativa mistura de ideias. As teses de Norman Vincent Peale, autor do best-seller O Poder do Pensamento Positivo, aparecem mescladas com crenças primitivas em faculdades mágicas da mente. Além de injusta em relação ao pastor Peale, essa mistura passa longe de qualquer ideia econômica sobre a importância das expectativas. Decisões sobre consumo, produção e investimento são realmente afetadas por expectativas, e isso os economistas sabem há muito tempo. Mas os fatos são muito mais complexos e, quando se trata de explicar o desempenho de uma economia, é sempre bom levar em conta a qualidade da política. Expectativas podem ser importantes, mas a competência de quem conduz a política também pesa.

De janeiro a junho deste ano a produção industrial foi 2,6% menor que a do primeiro semestre do ano passado. Em 2013 o produto industrial aumentou 2%, mas havia diminuído 2,3% em 2012. Nem retornou, portanto, ao nível de 2011, quando o pífio crescimento havia ficado em 0,4%. Desde o primeiro ano do governo Rousseff, qualquer iniciativa rotulada como política industrial fracassou, portanto, de forma indisfarçável.

Atribuir esse resultado ao pessimismo generalizado seria um exagero, até porque os consumidores demonstraram boa disposição e considerável otimismo durante boa parte desse período. Talvez seja o caso, diante desses dados, de abandonar a conversa sobre expectativas pessimistas e explicar o fiasco da política pelo mau-olhado. Por que não, se o poder mágico da mente é tão relevante? A culpa deve ser de oposicionistas, de neoliberais invejosos e, de modo geral, de pessoas sem patriotismo. Afinal, o crítico do governo, segundo o discurso oficial, sempre torce pelo pior e é inimigo da Pátria.

Mas as falas da presidente e do ministro revelam algo mais que a crença nos poderes mágicos do pensamento, positivo ou negativo Denunciam também uma concepção muito especial da expectativa. Uma estranha noção está implícita nessa conversa: as pessoas podem ser pessimistas ou otimistas em relação aos fatos ou dados conhecidos. Se são conhecidos, no entanto, como falar de pessimismo ou otimismo? Um fato é claro: o mau humor de empresários e analistas está associado em primeiro lugar a informações amplamente difundidas, como a persistência de pressões inflacionárias, o emperramento da indústria, a piora das contas públicas e as más condições do comércio exterior.

Informações mais detalhadas podem tornar pior esse humor. Exemplo: de janeiro a junho deste ano, a produção de bens de capital, isto é, de máquinas e equipamentos, foi 8,3% menor que a do primeiro semestre do ano passado. Em 2012 e 2013 essa produção ficou estagnada. Além disso, entre janeiro e julho o valor gasto com a importação de bens de capital foi 6% menor que o dos mesmos meses de 2013. Conclusão inescapável: os brasileiros estão investindo menos na ampliação e na modernização da capacidade produtiva. Como o crescimento da economia depende do investimento, exceto quando há grande capacidade ociosa, o potencial de expansão do Brasil continua comprometido. É uma relação elementar. Não é questão de pessimismo. Embora seja difícil calcular aquele potencial, respeitáveis economistas concordam pelo menos quanto a um ponto: sem investir muito mais o Brasil pouco poderá crescer nos próximos anos.

As autoridades às vezes parecem admitir esse raciocínio. Mas continuam falando como se os fatos conhecidos fossem positivos e as más expectativas, infundadas, George Orwell chamou de "duplipensar" a sustentação de ideias incompatíveis. Em alguns casos, talvez fosse mais adequada outra palavra: "semipensar".


04 de agosto de 2014
Rolf Kuntz, O Estado de S.Paulo

OS ABUTRES DO BEM

Governo brasileiro tem autoridade para defender a Argentina nesse momento difícil, porque segue a mesma escola

Lula da Silva pediu a cabeça de uma funcionária do Santander. O banco entregou-lhe a cabeça dela. Era uma funcionária abutre, dessas que atacam os cordeirinhos socialistas, escrevendo coisas desagradáveis sobre o governo popular. Como ousa essa agente do capitalismo selvagem dizer que a queda de Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais anima o mercado?

É bem verdade que a queda de Dilma nas pesquisas anima o mercado, mas... precisava dizer isso para todo mundo? A analista do Santander não poderia ser mais discreta com seus clientes? Não dava pelo menos para falar mais baixo? Ou mudar de assunto? Não dá para entender por que esses analistas de conjuntura insistem em falar de coisa triste. Em vez desses boletins sisudos e cinzentos, poderiam mandar mensagens coloridas e alegres, prevendo um PIB maravilhoso e garantindo que a inflação está quietinha no seu canto. Se o ministro da Fazenda faz isso, por que um banco não pode fazer? São mesmo uns pessimistas. Abutres!

Mas aqui no nosso terreiro, financista estrangeiro não vai cantar de galo, não. Como avisou Dilma na Copa do Mundo, o brasileiro já superou seu complexo de vira-latas. Os pastores alemães sentiram na carne o que significa isso. E os pitbulls do governo popular foram para cima do Santander: Dilma rosnou, Lula mordeu, e o banco teve que engolir suas palavras. Onde quer que esteja agora, o companheiro Hugo Chávez deve estar explodindo de orgulho dos seus amigos petistas. Lula já dissera que a Venezuela chavista é um modelo de democracia, e agora mostra que não estava brincando.

A reação do filho do Brasil em defesa da reeleição de sua criatura foi um ato de estadista. O que fazer diante de uma análise desfavorável ao governo do PT? Elementar: fuzilar o analista. Com classe: “Não entende porra nenhuma de Brasil.” Quase é possível ouvir a reação eufórica do coronel Chávez: “Meu garoto!”

Aqui na Terra, a parceria chavista também é só alegria. Depois de destroçar a economia argentina com seu populismo cor-de-rosa, Cristina Kirchner deu o calote e recebeu o caloroso abraço do Brasil. “Não podemos aceitar que a ação de alguns poucos especuladores coloquem em risco a estabilidade e o bem-estar de países inteiros”, declarou Dilma em Caracas, lugar ideal para esse tipo de ternura. Estão vendo como esses abutres são maus? Atacam uma viúva indefesa, que é leal ao falecido e mantém irretocável a reputação caloteira da família.

O abraço de Dilma em Cristina é pleno de simbolismo. A presidente brasileira deve muito à companheira argentina. Foi Cristina quem começou, corajosamente, a esconder os indicadores feiosos da economia, e a fabricar números novinhos em folha — tornando os índices de inflação, por exemplo, até simpáticos. Dilma tomou coragem e foi atrás, implantando no governo brasileiro a contabilidade criativa — sem dúvida uma das realizações mais engenhosas do PT no poder. Numa triangulação mágica entre o Tesouro, o BNDES e estatais como a Petrobras e a Caixa, o governo popular aprendeu a esconder déficits e assim ampliar o orçamento do fisiologismo. Nem a seleção alemã pôs o Brasil na roda com tanta maestria.

Entre outras maravilhas da bravura bolivariana, os Kirchner arruinaram as empresas de energia — base do crescimento — para garantir a conta de luz baratinha, que o povo adora. Os abutres pensam que é fácil enganar o povo, mas enganados estão eles: custa caríssimo. Propaganda populista, truques assistencialistas, engordar a máquina para enriquecer os aliados — isso tudo custa dinheiro. Como declarou Dilma, é um absurdo que esses urubus não tenham um mínimo de sensibilidade para com o bem-estar dos marajás da viúva.

E o governo brasileiro tem autoridade para defender a Argentina nesse momento difícil, porque segue a mesma escola de abutres do bem: além dos números amestrados, por aqui o setor elétrico também foi depredado em favor da bondade tarifária — que ajudou adicionalmente a sumir com metade do valor da Petrobras (fora o antro de negociatas, que ninguém é de ferro). E, para provar que o Brasil faz questão de estar no mesmo barco da Argentina, o governo Dilma acaba de bater um novo recorde, depois de construir os estádios de futebol mais caros do mundo: o primeiro semestre de 2014 registrou o maior déficit nas contas públicas do século 21.

É bem verdade que o PT ainda não conseguiu torpedear a imprensa com a eficiência dos Kirchner. Mas tem suas listas negras, e continuará caçando essa gente que não entende porra nenhuma de Brasil.

04 de agosto de 2014
Guilherme Fiuza

O SOFISMA ANTISSEMITA

O vírus antissemita sofreu uma mutação, recobrindo-se com a capa de proteína do antissionismo

O antissemitismo em estado cru, aquele dos Protocolos dos Sábios do Sião, sobrevive nos subterrâneos, quase clandestino, mas seus axiomas formam o texto oculto de uma versão repaginada, publicável, da aversão aos judeus. "Israel é aberração; os judeus, não" --o título da coluna de Ricardo Melo (28/7) sintetiza essa versão, que escolhe não dizer seu nome.

O antissemita polido mobiliza um sofisma básico: a distinção entre antissemitismo e antissionismo. Israel, o fruto do sionismo, deve ser destruído, mas nada tenho contra os judeus --eis a afirmação sofística. Israel, contudo, é o Estado judeu: a expressão política de uma nação. A esmagadora maioria dos judeus, em Israel ou fora dele, defende ativamente a existência do Estado de Israel. Um século atrás, a distinção entre antissemitismo e antissionismo era um argumento político admissível; desde pelo menos 1948, não passa de camuflagem do ódio aos judeus.

O sofisma básico é protocolarmente acompanhado por um sofisma auxiliar: Israel é uma criação artificial. O antissemita polido imagina que existem Estados "naturais", um qualificativo apropriado a rios, mares e montanhas, não a obras da história humana. Todos os Estados-nações, esses produtos do nacionalismo, são "artificiais" (a "França de 15 séculos", fundada em 499, na hora do batismo de Clóvis 1º, é um mito católico do século 19). Israel é um Estado construído por colonos, que se estabeleceram em terras previamente povoadas. Alguém sugere extinguir os Estados Unidos, a Austrália ou... o Brasil?

Invariavelmente, junta-se ao sofisma auxiliar a acusação de que Israel promove o "genocídio" dos palestinos. Genocídio é o extermínio deliberado de um povo. A Alemanha de Hitler praticou genocídio contra os judeus, enviando-os às câmaras da morte. O uso abusivo do termo, escolhido por Marco Aurélio Garcia para condenar a ofensiva em curso na faixa de Gaza, tem um propósito definido: identificar Israel ao nazismo. O antissemita polido almeja apropriar-se da tragédia que vitimou milhões de judeus para convertê-la em ferramenta política de negação da legitimidade do Estado judeu.

O "genocídio palestino" só existe no discurso utilitário dos antissemitas. Na faixa de Gaza, tanto hoje quanto em 2008 e 2012, o governo israelense faz "uso desproporcional da força" e também comete crimes de guerra em área com estatuto de território ocupado, bombardeando cidades e campos de refugiados. Essa segunda acusação, mais grave, não consta da nota do Itamaraty, pois nossos "anões diplomáticos" preferem circundar a implicação lógica de estendê-la ao Hamas, que lança foguetes desgovernados sobre Israel e utiliza os civis palestinos como escudos humanos para seus combatentes. A ira santa do antissemita polido é sempre cuidadosamente seletiva.

A análise política diferencia as nações de seus governos eventuais: os governos passam, a nação fica. O antissemita polido decreta uma cláusula de exceção a essa regra quando se trata de Israel. Ele não aponta o dedo para o governo israelense, mas traça um círculo abrangente em torno do Estado judeu. Na sua peculiar gramática discursiva, o complemento necessário da distinção entre antissemitismo e antissionismo é a identificação do governo de Israel ao Estado de Israel.

O ódio aos judeus nasceu nas profundezas da Europa medieval e difundiu-se no mundo moderno, como reação ao cosmopolitismo liberal, a partir das monarquias cristãs conservadoras. "O antissemitismo é o socialismo dos idiotas." A frase, atribuída ao socialista alemão August Bebel, evidencia que a moléstia já contaminava a esquerda no outono do século 19. De lá para cá, sob o impacto do Holocausto, o vírus antissemita sofreu uma mutação, recobrindo-se com a capa de proteína do antissionismo, mas continuou a se multiplicar. Aí está a verdadeira "aberração".

 

MERCOSUL É MAIS GRUPO IDEOLÓGICO QUE BLOCO COMERCIAL

O projeto de integração por meio do comércio foi adiado de uma vez por todas. Até porque a Argentina, em crise cambial, empurrará o comércio para o fundo do poço

Admitamos que o estratégico projeto do Mercosul, a união aduaneira criada entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai houvesse dado minimamente certo. Ainda assim, a crise de dimensões institucionais por que passa a Argentina desse 2001, com a implosão do câmbio fixo, seria um obstáculo muito difícil de transpor pelo mercado comum.

As dificuldades da Argentina, o segundo parceiro mais importante do bloco, já teriam levado a uma revisão do tratado do Mercosul, para reduzir sua abrangência a uma aliança de livre comércio, a fim de que cada país pudesse negociar acordos comerciais sem a camisa de força da união aduaneira. Só não aconteceu por razões político-ideológicas.

Aliás, a união aduaneira foi revogada na prática há muito tempo, desde que a Argentina passou a erguer barreiras protecionistas contra exportações brasileiras. Ali, a união acabou de fato. Sua característica são fronteiras abertas ao comércio entre países do bloco, com tarifas externas comuns para o resto do mundo. É o que não existe há tempos.

O Mercosul é mantido formalmente como está apenas por interesses político-ideológicos comuns aos governo do PT no Brasil, ao kiercherismo na Argentina, bolivarianos e chavistas em Venezuela, Equador e Bolívia. Para a conversão do Mercosul de bloco econômico e comercial em plataforma política foi essencial a coincidência de Lula e Néstor Kirchner chegarem ao poder em Brasília e em Buenos Aires juntos, em 2003. Ambos se uniram para soterrar de vez as negociações em torno da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), vista pelo Planalto e Casa Rosada como instrumento do “Império”. A partir da aliança entre Lula/PT/Dilma e os Kirchner, o resto veio pela força da gravidade.

Um dos piores momentos do período em curso foi a no mínimo temerária inclusão da Venezuela chavista no bloco, por meio de vergonhosa manobra de expulsão temporária do Paraguai, para que a não aprovação da entrada do novo sócio pelo Congresso paraguaio não impedisse a unção dos chavistas.

A última reunião de cúpula do Mercosul, esta semana, em Caracas, foi prova irrefutável da conversão da entidade numa plataforma política: boa parte do tempo foi gasta com declarações de apoio à Argentina de Cristina Kirchner, convertida em vítima de fundos “abutres”, por terem estes ganhado na Justiça americana seus direitos como credores, e críticas a Israel pelos ataques em Gaza.

Para fortalecer o projeto de um Mercosul como trincheira política terceiro-mundista, tratou-se de incorporar também a Bolívia de Evo Morales, outro produto do chavismo.

Pode-se considerar que o projeto original do Mercosul, de integração de economias pelo comércio, foi adiado de uma vez por todas. Até porque a Argentina, em fase de agravamento da sua crise cambial, empurrará ainda mais o comércio no bloco para o fundo do poço. Resta fazer discurso, como em Caracas.
 
03 de agosto de 2014
Editorial O Globo

PECADILHO ESTÉTICO

Talvez seja, por definição, um título frívolo, mas é ainda assim digno de nota que o Brasil tenha deixado os Estados Unidos para trás na disputa pelo maior número de cirurgias plásticas do mundo.

Segundo a Isaps (Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética), em 2013 foram realizados 1,49 milhão de procedimentos cirúrgicos estéticos por aqui, contra 1,45 milhão no país da América do Norte, o antigo campeão global.

A pequena vantagem torna-se acentuada quando se considera que os EUA têm população quase 60% maior que a brasileira e uma renda per capita 340% superior.

Moldar o próprio corpo costuma exigir somas significativas de dinheiro, mas os médicos brasileiros, premidos pela baixa remuneração dos planos de saúde, passaram a oferecer pacotes promocionais --ao que tudo indica, com sucesso.

Agora o paciente pode pagar a intervenção em módicas prestações; o mercado, como seria de esperar, abriu-se para um grande contingente populacional.

Nos EUA, por sua vez, a medicina continua especialmente cara. Assim, muitos americanos viajam a outros países, incluindo o Brasil, para realizar suas cirurgias estéticas. O fenômeno já tem nome: "turismo médico". É improvável, contudo, que ajustes estatísticos para corrigir esse efeito mudem de forma expressiva o quadro geral.

Chama a atenção, em todo caso, que 88% desses procedimentos feitos no Brasil ocorram em mulheres (os favoritos são lipoaspiração, aumento das mamas por silicone e elevação dos seios); nos EUA, a fatia é semelhante, 90%.

Para o cientista comportamental Gad Saad, cirurgias plásticas --assim como maquiagem, sutiã e salto alto-- equivalem ao que os biólogos chamam de sinalização enganosa. Trata-se de imitar ou realçar características que tragam alguma vantagem em termos de sobrevivência ou reprodução.

Os homens, se recorrem pouco ao esteticista, nem por isso se isentam de "truques". Grandes relógios (mesmo falsos) e carrões (de preferência importados) estão entre os itens preferidos para simular ou destacar status social elevado.

Nesse modelo, a vaidade é um fenômeno biológico: eles são atraídos pela aparência, elas se deixam seduzir pelo poder. Não é por acaso que, em geral, eles exageram altura, salário e currículo, enquanto elas remodelam peso, idade e, cada vez mais, aspectos físicos --tudo para tentar tornar os jogos sexuais mais interessantes do que o mero sucesso reprodutivo.
 
03 de agosto de 2014
Editorial Folha de SP

LIXÕES: ATÉ QUANDO?

 
"O Brasil não perde oportunidade de perder oportunidades." Cunhada por Roberto Campos, a frase se tornou lugar-comum. Não sem razão. Com a rotina da procrastinação, deixa-se para amanhã o que se pode fazer hoje. Se possível, para depois de amanhã. A cultura do jeitinho contribui para o êxito do desrespeito ao calendário e ao disposto em normas legais.
É o caso da Lei nº 12.305. Publicada em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) fixou prazo de quatro anos para os municípios darem resposta adequada ao desafio dos lixões - signos do atraso, do subdesenvolvimento e da irresponsabilidade administrativa. No período, deveriam apresentar plano diretor de gerenciamento de resíduos e instalação de aterros sanitários.

O prazo vence hoje. Dados da Confederação Nacional dos Municípios informam que, mais uma vez, o trem passou sem encontrar os passageiros na estação. Menos de 40% (38,3%) dos municípios se adequaram à legislação. Os reprovados não se restringem a pequenas povoações que, dada a dimensão, a atividade econômica e o poder aquisitivo da população, produzem menos lixo.

Cidades grandes, que abrigam mais de 100 mil habitantes, também ignoraram uma das mais importantes
iniciativas cuja concretização tem impacto direto na saúde e no meio ambiente. É o caso, entre outros, de Brasília, Rio de Janeiro, Belém e Porto Velho, que convivem com inaceitáveis toneladas diárias de resíduos sem destinação adequada.

Como sói acontecer, prefeitos pedirão tempo mais elástico. Projeto de Lei que tramita no Congresso propõe generosos oito anos adicionais. Considerada a tradição nacional, poucos duvidarão que, em 2022, os números terão tido variação insignificante. Impõem-se cobranças eficazes para que a lei pegue.

Municípios que necessitam de ajuda financeira ou técnica devem ser assistidos. Os demais, cobrados. O século 21 dispõe de instrumentos aptos a acompanhar o cronograma de execução da obra sem exigir despesas extraordinárias. Basta que os dados sejam exibidos na internet. No caso, não só o governo terá o poder de fiscalizar. O cidadão poderá fazê-lo e, informado, exigir ação efetiva.

Em outubro, haverá eleições. A sociedade organizada pode - e deve - cobrar dos candidatos projetos de destinação e tratamento dos resíduos. A resposta pode significar, segundo estudo do Banco Mundial e da Climate Network, a geração de 110 mil empregos em menos de 20 anos. Sem contar, é claro, com os benefícios à saúde e ao meio ambiente.

03 de agosto de 2014
 

CRISE NA RODADA COMERCIAL

O comércio internacional, uma das fontes mais importantes de crescimento econômico e de bem-estar, está ameaçado, mais uma vez, de ficar preso num emaranhado de acordos parciais. O Brasil, sem participação na maior parte desses acordos, será um dos grandes prejudicados. A perspectiva de abertura mais ampla e mais equitativa de todos os mercados foi de novo perdida. A Rodada Doha, a negociação multilateral mais ambiciosa já empreendida, está novamente paralisada. Sete meses depois da última conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Bali, mais um esforço de reativação fracassou. O fiasco foi causado pela intransigência de um governo, o indiano. A Índia foi apoiada por Venezuela e Cuba.

Reunidos em Bali em dezembro, ministros de todo o mundo concordaram em dar um primeiro passo, modesto e aparentemente seguro, para retomar com segurança a Rodada Doha. As últimas tentativas de reativação haviam sido abandonadas em 2009. O passo inicial seria um acordo de facilitação de comércio. Todos se esforçariam para eliminar entraves burocráticos, harmonizar procedimentos e simplificar as condições de movimentação internacional de mercadorias.

Mesmo com a permanência de outras barreiras, sujeitas a negociações mais complexas, a facilitação de comércio poderia produzir benefícios consideráveis. As mudanças poderiam proporcionar, segundo se estimou, acréscimo de até US$ 1 trilhão aos fluxos comerciais. Países menos desenvolvidos poderiam receber ajuda técnica para implementá-las.

O otimismo durou alguns meses. A simplificação pode abater custos importantes e beneficiar todos os países. Esta é uma avaliação bastante objetiva. Mas o governo indiano decidiu impor condições especiais para a aprovação final do acordo, necessária à sua implementação. O prazo terminou no fim de julho. No dia 31 o diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, anunciou o fracasso da tentativa e alertou os 160 membros da organização para algumas das consequências mais perigosas.

O risco mais preocupante é o enfraquecimento da OMC como centro ordenador do mercado internacional. Criado em 1948, quando se estabeleceu o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), o sistema facilitou a ordenação progressiva e a liberalização crescente do comércio. A regulação foi completada com um mecanismo de solução de controvérsias, uma das mais importantes e promissoras inovações da ordem internacional, apesar de imperfeições ainda presentes.


A eficácia poderia ser maior, mas mesmo as economias mais poderosas têm acatado as decisões ou assumido o risco de uma retaliação autorizada. É preciso aperfeiçoar o sistema e elevar a eficácia das decisões, mas esse e outros objetivos serão postos de lado se a OMC perder prestígio e se enfraquecer.

Mesmo se preservado o regime de solução de controvérsias, a OMC perderá importância como foro regulador, se a negociação multilateral ficar interrompida e os acordos bilaterais e inter-regionais continuarem proliferando. O governo americano já indicou a disposição de se voltar prioritariamente para esses acordos. Um de seus objetivos principais será concluir com a União Europeia a formação do mais ambicioso de todos os pactos de integração. Se isso se confirmar, pior para o Brasil. Pior para o Brasil, também, se outras negociações bilaterais, regionais e inter-regionais continuarem prosperando e multiplicando-se rapidamente.

Uma alternativa já comentada será o desenvolvimento, no âmbito da OMC, das chamadas negociações plurilaterais, sem participação necessária dos 160 membros do sistema. Poderá ser uma forma eficiente de avançar em entendimentos mais amplos de liberalização comercial. Se nem todos os parceiros estratégicos escolhidos pelo Itamaraty - como Índia, Cuba e Venezuela - quiserem participar, o governo brasileiro, se ainda tiver algum bom senso, poderá aproveitar as oportunidades. Se for capaz de agir sem as amarras do Mercosul, tanto melhor.
 
03 de agosto de 2014
Editorial O Estadão

POLÍTICA DO COTIDIANO, DO JORNALISTA CLAUDIO HUMBERTO

“Governo não pode ser para benefício próprio de uma família”
Sem olhar para o próprio umbigo, ex-presidente Lula critica construção do ‘aeroneves’



TEMER TRANQUILIZA DILMA SOBRE PALANQUE DE SKAF

O vice-presidente da República Michel Temer aproveitou o bom humor da chefe Dilma Rousseff durante a inauguração do Templo de Salomão da Igreja Universal, na quinta (30), para avisar que conseguiu contornar as divergências com Paulo Skaf. O peemedebista – que teve a candidatura ao governo bancada por Temer – havia se recusado a apoiar Dilma em São Paulo, onde Alexandre Padilha (PT) não sai do lugar nas pesquisas.

MENOS MAL

O bom humor de Dilma tem motivo: pesquisa Ibope apontou a petista à frente de Aécio em São Paulo e no Rio, e perdendo em Minas por 10 pontos.

PSDB AGRADECE

Temer se reuniu por horas na quinta com Skaf, a quem tentou convencer que refutar Dilma só ajuda Geraldo Alckmin a se reeleger no 1º turno.

VAI QUE COLA

Sob ameaça de perder apoio do PMDB em SP, Skaf prometeu soltar uma nota avisando que jamais ficaria contra o padrinho Temer, vice de Dilma.

SAIA JUSTA

Após peça publicitária onde usa o bordão ‘sabe de nada, inocente’, ao ser questionado se apoia Dilma, Skaf vai suar para explicar a reviravolta.

TJ-RJ PODE DOBRAR DURAÇÃO DE MANDATO

Ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o desembargador Luiz Zveiter encaminhou emenda ao regimento interno do tribunal para que cargos de direção sejam ocupados por até oito anos. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional, no artigo 102, e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não permitem a reeleição do presidente, e tampouco que os outros cargos diretivos sejam ocupados por mais de quatro anos.

EIS A QUESTÃO


O TJ-RJ deve decidir na segunda (4) se Luiz Zveiter pode se candidatar a presidente da Casa de novo. As eleições estão marcadas para dezembro.

POLÊMICA

Zveiter presidiu o Tribunal entre 2009 e 2011, quando negou proteção policial à juíza Patrícia Acioli, que acabou brutalmente assassinada.

BENESSE

A presidente do TJ-RJ, Leila Mariano, enviou à comissão de legislação minuta criando auxílio-educação a dependente de servidor e magistrados.

APAGÃO NO CERIMONIAL

O ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) ficou irritado com a equipe do cerimonial, que não sabia para onde conduzir a presidente Dilma após retorno da energia elétrica na inauguração do Templo Salomão, em SP.

TERMÔMETRO

O presidente do PT, Rui Falcão, considerou o ponto auge da sabatina de Dilma com empresários na CNI a declaração taxativa a favor do plebiscito sobre reforma política: “Foi o primeiro grande aplauso que ela recebeu”.

PAD NA PF

Um agente da Polícia Federal em Pernambuco conseguiu indenização de R$ 10 mil por danos morais após “ser perseguido” por descumprir ordem do delegado da unidade, que exigiu presença no trabalho durante greve.

AERONEVES

O deputado Bala Rocha (SD-AP) disse no Twitter que o presidenciável Aécio Neves (PSDB-MG) “tirou de letra o lance da pista: uma obra pública em benefício da população de Cláudio”. Então tá, né?

NEM TE ESCUTO

Os ataques do presidenciável Eduardo Campos ao PMDB não tiram sono de caciques peemedebistas. O discurso não encontrou eco nas ruas, e o socialista naufraga nas disputas internas com sua vice Marina Silva.

ENTRE FAMÍLIA

O ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PRTB) gravou vídeo de apoio à reeleição do senador Gim Argello (PTB), frisando que Weslian Roriz, sua esposa, será a primeira suplente para vaga no Senado.

FAKES

O partido Solidariedade no Ceará reclama do excesso de perfis falsos de candidatos do partido nas redes sociais. “Estamos tomando providências legais”, avisa o presidente da legenda, Genecias Noronha.

CARINHO COM BOLSO CHEIO

Felipão pediu carinho à torcida ao se apresentar para comandar o Grêmio de Porto Alegre. Antes disso, levou R$ 4 milhões de indenização da CBF, ou seja, mais de R$ 500 mil por gol sofrido da Alemanha no Mundial.

BATATA QUENTE

O Planalto responsabiliza o PT, que culpa Dilma Rousseff. E Lula, bem ao seu estilo, acusa a direção e a sucessora pelo desgaste da sigla nas eleições.


PODER SEM PUDOR

POVO, UM DETALHE

O ex-ministro Armando Falcão, aquele que nada tinha a declarar, foi candidato ao governo do Ceará em 1954. Na ocasião, ele pediu a um amigo, deputado estadual Ernesto Gurgel Valente, que o ajudasse a organizar um comício de arromba. É claro que o deputado o atendeu, providenciando palanque, som, iluminação, tudo. Só faltou um detalhe:

- E o povo, seu Ernesto, cadê o povo? - cobrou Falcão, ao chegar.

- Se eu tivesse a capacidade de trazer povo para comício, Armando, o candidato não seria você. Seria eu.

 
03 de agosto de 2014

O FUTEBOL DO FUTURO?

Didi dizia que quem devia correr não era o jogador, mas a bola. Hoje, o esporte exige que todo mundo defenda e ataque, que o atleta se movimente o tempo todo

Do jogo lento e cadenciado dos anos 60, dos ancestrais ferrolhos suíços e retrancas italianas que não deixavam o adversário jogar, dos craques dispondo de amplos espaços para exibir seu futebol-arte, do carrossel holandês maravilhando o planeta, do tiki-taka espanhol campeão do mundo ao futebol-total da Alemanha em 2014, o futebol mudou muito.

Nos tempos da bola de couro, os jogadores corriam uns três ou quatro quilômetros durante a partida, a preparação física era precária, craques como Gerson e Sócrates fumavam, Didi dizia que quem devia correr não era o jogador, mas a bola. Hoje, o futebol exige que todo mundo defenda e ataque, que o jogador se movimente o tempo todo e corra 12 quilômetros por jogo.

Até 1970, a Fifa não permitia substituições em partidas oficiais, ou o time jogava com dez ou o jogador ficava em campo se arrastando, inválido, como Pelé na Copa de 62. Nem o goleiro podia ser substituído, em caso de contusão grave algum jogador da linha vestia a sua camisa e ia para o gol. Como Pelé fez em jogos do Santos, se saindo bem até como goleiro.

Sob pressão internacional e em benefício do espetáculo, em 1970 a Fifa passou a permitir duas substituições e em 1995, três. Não se sabe por que três, e não quatro ou seis, mas melhorou muito o jogo, permitindo mudanças de tática durante a partida, com a troca de jogadores machucados, exaustos ou num mau dia. Hoje nos times de ponta as substituições são exploradas como recurso técnico e tático, com vários jogadores se revezando nas posições para melhor rendimento da equipe. Para ser campeão, já não basta um grande time, é preciso um elenco.

Com a evolução dos sistemas táticos, no futebol moderno o desgaste é brutal, os jogadores terminam mortos em campo, um esforço sobre-humano é exigido nos momentos finais das partidas e mais ainda nas prorrogações devastadoras. Então por que não podemos ter cinco, seis ou até 11 substituições?

Afinal, o objetivo é melhorar o jogo, tornando-o mais rápido, intenso e bem jogado, ou que os atletas sofram cada vez mais, submetidos a grandes sacrifícios em nome... do quê mesmo?

 
03 de agosto de 2014
Nelson Motta, O Globo

EME

Meu fascínio pelo M começou muito cedo, praticamente no dia em que registraram meu nascimento. Meu nome completo é Martha Mattos de Medeiros, o que tornou inevitável o protagonismo que a 13ª letra do alfabeto (incluindo o K) passou a exercer sobre mim. E não parou por aí. Passei a desenvolver simpatia também pelas portadoras de duplo M, como Marilyn Monroe, Malu Mader, Marisa Monte, Monica Martelli, Mallu Magalhães. E Madonna, lógico, com seu M único, mas que potência.

Não demorou até eu expandir a atenção que dava aos nomes próprios: um dia percebi que o mundo feminino era quase todo regido pela mesma letra. Me acompanhe: mulher, moça, menina, mãe, maternidade, menstruação, menopausa, miss, modelo, manequim, musa, madrasta, madame, madre, mama, mana, matriarca, meretriz, mina. Sem falar em Maria, nossa Senhora. Ou a Maria que trabalha em nossa casa, santa também.

Foi quando, na virada dos anos 2000, resolvi escrever um livro salientando todos os emes (e por que não, as emes) que norteavam minha vida, porém comecei o trabalho de um jeito e terminei de outro: virou um romance chamado Divã, que escapou da minha intenção inicial e acabou virando uma história de ficção, ainda que com forte interferência da maneira como vejo o mundo. Agora você sabe: o fato de a protagonista se chamar Mercedes e a melhor amiga dela, Monica, não veio do nada.

Foi só um descaminho, não uma desistência. Continuei com a ideia fixa de colocar meus emes para trabalhar, e hoje não tenho dúvida de que a internet é o canal mais adequado. O mundo se virtualizou de uma forma que não tem volta, e mesmo pouco familiarizada com todos os recursos tecnológicos disponíveis, está mais do que na hora de me aventurar. Então, é essa a novidade que trago: estou lançando meu primeiro site oficial.

Ele não apresentará nada de extravagante: apenas minha agenda de compromissos profissionais, meu currículo até aqui, algumas opiniões que não merecem mais do que três linhas, compartilhamentos de músicas, livros e demais preferências particulares. E os emes que me fizeram ser quem sou. M de Mochila, M de Movimento, M de Monareta, M de Marrocos, M de Maverick, M de Medo, M de Máquina de Escrever e tantos outros. Uma biografia em cápsulas. Não vai faltar assunto, espero.

Tudo curto e rápido, mas certamente M de Meu.

Como já disse, não sou a melhor representante desse mundo dinâmico, então não haverá atualizações num piscar de olhos e o conteúdo será M de Modesto, mas se ainda assim você achar que vale a pena dar uma olhada, gratíssima. Anote aí: martha-medeiros.com

A partir de amanhã. Misericórdia.

 
04 de agosto de 2014
Martha Medeiros, Zero Hora

A CULPA É DAS NUVENS

Sou partidário de não chorar no cinema.

Não choro, não adianta vir com lupa em meus cílios.

É muito mais emocionante não chorar do que chorar. Transbordar e não se esvair. Acumular a chuva nas calhas e não infiltrar as paredes do rosto.

É um dom masculino – não nos tire essa característica ancestral. É um longo treino militar.

Faço questão de assistir a filmes românticos, extremamente açucarados, somente para exercitar a firmeza das pálpebras. Se no roteiro tem um par jovem, se tem uma doença incurável, se tem morte trágica de um deles, estou dentro, aceito o convite na hora.

Choro com as mãos, choro com os pés, choro com a cabeça, não com os olhos.

Eu fracassei na infância com o filme O Campeão. Eu me perdoei, pois não apresentava antecedentes, estava com sete anos e ninguém me explicou a importância do truque. Desde lá, levei a sério o compromisso com a sétima arte. Nunca mais passei nenhum constrangimento e nem fui obrigado a simular gripe.

Aprendi a segurar o choro pela boca, que é o volante do desabafo. Domino as terminações nervosas dos lábios. A tática é fazer careta, esticar a face, para conter a primeira lágrima.

Além de viril, o exercício nos poupa rugas e pés de galinha. Evitará o vexame de plásticas no futuro.

Tampouco teria graça chorar com a mesma intensidade que sua mulher, acabaria com o espetáculo solo. Ela veio preparada para se desmanchar, veio de batom, de rímel e de sombras – não tem comparação com a nossa pobreza de efeitos especiais, é desmerecer o trabalho de uma profissional.

Começaria também uma disputa, uma gincana de suspiro, soluço e lenços entre o casal. Acho que você não gostaria de transmitir a impressão de gato no cio no escuro da sala – é terminar a sessão e todos os espectadores tentarão identificá-lo (para descobrir quem é aquele sujeito que atrapalhou o silêncio da obra).

Você deve respeitar sua companhia. Se chorar, não poderá oferecer o ombro e o colo, perderá o direito de ampará-la na saída. Interromperá o processo natural feminino. Ela ficará assustada e engolirá metade de suas lágrimas. Comprovado cientificamente que não é saudável engolir as lágrimas.

Deixe a mulher chorar sozinha, para de sentir ciúme e inveja, para de querer aparecer mais do que ela, para de demonstrar que é sensível e compreensível. Não seja abusado.

Não tem sensação mais agradável do que não chorar e ela questionar o motivo da imobilidade sentimental diante de uma história emocionante; é despertar seu interesse, ganhar atenção de fortaleza intransponível, produzir mistérios simpáticos para a atração física.

Não tem sensação mais desagradável do que chorar loucamente e seguir ao estacionamento enquanto sua mulher recomenda que experimente reposição hormonal.

A Culpa é das Estrelas é uma prova perfeita para construir o dique imaginário. Necessita ser macho para não se transformar nas cataratas de Foz do Iguaçu.

Vá lá, acredito em você. Por precaução, leve óculos escuros.

 
04 de agosto de 2014
Fabrício Carpinejar, Zero Hora

UM CASO DE POLÍCIA

A divulgação de um vídeo gravado dentro de um carro-patrulha da Polícia Militar do Rio deixou-me chocado

Não faz muito tempo, escrevi aqui uma crônica em que procurava mostrar que a desmoralização da polícia não ajuda os cidadãos e, sim, ao contrário, ajuda os criminosos.

Dizia, portanto, apenas o óbvio, uma vez que a polícia é um órgão do Estado, criado e mantido por ele, para garantir a segurança dos cidadãos. Admitia, claro, que muitos policiais abusam da autoridade que lhes é delegada por nós e chegam mesmo a agir como bandidos.

Mas não é assim que age a maioria dos policiais. Esses merecem nosso respeito e nosso reconhecimento, já que a sua função implica frequentemente em pôr a própria vida em risco.

Isso afirmei naquela ocasião e o mantenho, porque é essencialmente verdade. Não obstante, a divulgação de um vídeo gravado dentro de um carro-patrulha da Polícia Militar do Rio de Janeiro deixou-me chocado e revoltado. Não tenho dúvida de que essa terá sido a reação de todas as pessoas que o viram.

No carro estavam dois cabos da PM que haviam prendido três garotos suspeitos de praticarem furtos no centro da cidade.

Puseram os garotos na mala do carro e rumaram para o morro do Sumaré, que fica acima da floresta da Tijuca, local habitualmente deserto.

Enquanto viajavam para lá, estavam sendo filmados por um equipamento de vídeo instalado no veículo, com o propósito de controlar a ação dos seus ocupantes.

Os soldados pareciam se divertir com aquela tarefa e conversavam: "Vamos descarregar a arma neles?...", disse um deles, e o outro: "Jogar eles lá de cima". Conversavam e riam, como se falassem de coisas engraçadas.

Finalmente, chegaram ao alto do Sumaré. Fizeram o terceiro garoto descer e seguiram até o ponto em que estacionaram e um deles saiu para tirar os garotos do porta-malas. Em seguida, o outro guarda também saiu do carro. Dava para ver o momento em que abriram a mala, mas a partir daí a gravação parou.

Não se viu nem ouviu o que aconteceu, para onde os levaram, o que fizeram com eles.

Depois de um tempo, retornam e a gravação recomeça. Dão a volta no carro e, mais adiante, pegam o garoto que haviam deixado na estrada. Por que o deixaram ali e agora o pegam de volta? Para que não visse o que iam fazer com os outros dois?

Fazem-no sentar no banco traseiro e um dos guardas diz a ele que, se souberem que alguém andou falando do que ocorreu ali, a coisa vai engrossar.

Avisam-lhe que deve ficar de bico calado, não sabe de nada, não aconteceu nada. Mais tarde, quando certamente já estão de volta à cidade, fazem o garoto descer e seguem seu caminho, sorridentes, felizes da tarefa realizada. Mas que tarefa foi essa: matar os dois pivetes?

Inacreditável, pensei comigo mesmo. Que há policiais que matam bandidos, todo mundo sabe. Mas, neste caso, havia uma coisa surpreendente: aqueles dois cabos da PM disseram o que disseram, dando a entender que iam executar os garotos, sabendo que estavam sendo gravados pelas duas câmeras instaladas no carro.

As câmeras não são postas ali sem o conhecimento de quem usa o veículo; são postas ali para que eles saibam que estão sendo vigiados. E sabem também que as gravações são depois levadas para a sede da polícia e armazenadas para serem posteriormente analisadas por oficiais da corporação.

E mesmo assim aqueles dois cabos deixavam claro que iam dar fim aos meninos e ainda ameaçam o terceiro para que não conte nada do que houve?

Ou seja, se o menino não falar, nada se saberá. Mas e a gravação?

Pois, sim, se os policiais sabiam que tudo o que diziam estava sendo gravado, se deixaram claro que puseram os garotos na mala do carro, que depois os tiraram de lá e os executaram e o vídeo mostra isso, a pergunta inevitável é esta: eles estavam certos de que, ainda que o comando da PM viesse a saber do crime que praticaram, nada lhes aconteceria?

Ou seja, o comando da PM está de acordo com a execução de suspeitos?

Sinceramente, sem pretender fazer juízo antecipado de ninguém, acho que o comando da Polícia Militar do Rio de Janeiro deve uma explicação à opinião pública.

 
04 de agosto de 2014
Ferreira Gullar, Folha de SP

FIU-FIU

Existe coisa mais melancólica do que uma mesa de quatro pessoas, num restaurante, em que três estão dedilhando seus smartphones e uma está falando sozinha?

Lançaram agora um celular à prova d’água, que você pode usar no chuveiro. Ou em qualquer outro lugar embaixo d’água. No mar, por exemplo.

— Bem, não me espere para o jantar...

— Onde você está?

— Sabe a nossa pesca submarina?

— O que houve?

— Pensei que fosse uma garoupa e era um tubarão. E ele está vindo na minha direção.

— Você ainda está embaixo d’água?!

— Estou.

— E o seu arpão?

— O tubarão engoliu!

— Ligue para a Guarda Costeira!

São cada vez mais raros os lugares em que você pode se ver livre de celulares, e agora nem as piscinas estão seguras.

Os celulares são práticos e se tornaram indispensáveis, eu sei, mas empobreceram a vida social. Existe coisa mais melancólica do que uma mesa de quatro pessoas, num restaurante, em que três estão dedilhando seus smartphones e uma está falando sozinha? Ou um casal em outra mesa, os dois mergulhados nos respectivos celulares sem nem se olharem, o que dirá se falarem — a não ser que estejam trocando mensagens silenciosas entre si, o que é ainda mais triste?

Os celulares podem ser perigosos de várias maneiras, mesmo que não derretam o cérebro, como se andou espalhando há algum tempo. Imagino uma velhinha que ganhou um celular dos netos sem que estes se dessem ao trabalho de explicar seu funcionamento para a vovó. Não contaram, por exemplo, que o celular dado assobia quando recebe uma mensagem. É um assovio humano, um nítido fiu-fiu avisando que alguém ligou, e que pode soar a qualquer hora do dia ou da noite. E imagino a vovó, que mora sozinha, dormindo e, de repente, acordando com o assovio. Um fiu-fiu no meio da noite! A vovó, se não morrer imediatamente do coração, pode ficar apavorada. Quem está lá? Um ladrão ou um fantasma assoviador? E o assovio tem algo de galante. A vovó pode muito bem sair da cama, sem saber se está acordada ou sonhando, e caminhar na direção do fiu-fiu sedutor, como se tivessem vindo buscá-la. Alguém pensou nas vovós solitárias quando inventou o assovio?

O fato é que não há mais refúgio. Nem castelos anti-smartphones com um fosso em volta. Eles agora podem atravessar o fosso.

 
04 de agosto de 2014
Luís Fernando Veríssimo, O Globo

BLANQUETTE DE VEAU

– Mmm. Blanquette de veau...

– Gosta? – É meu prato preferido.

– Eu sei. – Sou um especialista em blanquettes de veau.

– Eu sei. – Acho que o teste de um bom cozinheiro, ou de uma boa cozinheira, é a blanquette de veau. E não tenho paciência com quem se mete a fazer blanquettes de veau sem saber como. Certa vez, fechei um restaurante com a minha crítica ao seu blanquette de veau. O dono leu a minha crítica e fechou o restaurante no mesmo dia. Ouvi dizer que ele se suicidou.

– É verdade. – Um crítico gastronômico precisa ser implacável. Senão os incompetentes – ou, pior, os pretensiosos – tomam conta.

– Espero que o senhor aprove a minha blanquette.

– A senhorita sabe, claro, que eu não deveria estar aqui. Como crítico gastronômico, não posso aceitar convites como o que me fez. Mas não pude resistir.

– Talvez o meu decote o tenha convencido.

– Certamente ajudou.

– Mas coma, coma... Quero ver se o seu paladar é mesmo aguçado como dizem. Minha blanquette tem alguns ingredientes incomuns...

– Mmmm... Vamos ver. Não posso fazer feio. Detecto o vinho branco seco de qualidade, como convém... A vitela e o creme no ponto... Manteiga, farinha, perfeito. E um certo gosto forte de... sal do Himalaia?

– Cinza. – Cinza?!

– As cinzas do meu pai, que foi cremado depois de se suicidar por causa da sua crítica.

– Cinza. Interessante. Mas há algo mais... Eu diria...Tomilho?

– Não. – Estragão? – Veneno.

– Veneno. Claro. Esta não é uma blanquette de veau, é uma vingança.

– Acertou. – Eu deveria ter desconfiado do decote...

 
04 de agosto de 2014
Luís Fernando Veríssimo, O Estadão

OTIMISTAS E PESSIMISTAS

Entre os otimistas e pessimistas, onde se encaixam os realistas?

Em tom de campanha eleitoral, nos últimos dias o governo partiu para o ataque: tentou desqualificar os que criticam sua gestão econômica e atribuiu os males e fracassos que aparecem em pesquisas de indicadores econômicos a um suposto "pessimismo artificial" desses críticos contra o governo Dilma. Nos discursos diários da presidente e em entrevistas do ministro Guido Mantega, o "pessimismo" desponta como o grande culpado.

Se o resultado das contas públicas é o pior dos últimos 14 anos, cai a arrecadação de impostos, aumentam as despesas do governo e a meta fiscal ameaça não ser cumprida, a culpa é dos pessimistas, que não enxergam um futuro fantástico e promissor que se desenha para o segundo semestre. Para Mantega, não existe represamento das tarifas de combustíveis, insistentemente reclamadas pela Petrobrás, nem da de energia elétrica, que levou o governo a repassar às empresas elétricas R$ 9,8 bilhões em 2013 e R$ 17,7 bilhões de dois empréstimos este ano, além de R$ 9 bilhões previstos no Orçamento de 2014, tudo para evitar o aumento da tarifa, que poderia tirar votos da candidata do PT. Essa história de socorro às elétricas e um tarifaço em 2015, previsto pelo próprio governo para pagar os empréstimos, são "conversa pra boi dormir", na interpretação de Mantega.

E o que dizer da queda das exportações e do crescente déficit externo? E da espantosa combinação de inflação alta com crescimento econômico estagnado? E juros nas alturas para empresas e pessoas físicas? E a persistente queda na produção industrial? E a crise de confiança dos empresários, que freia investimentos? E o dinheiro público subsidiando usinas elétricas paradas por falta de linhas de transmissão? Para Dilma e seu ministro da Fazenda tudo isso não existe, não passa de invenção de renitentes pessimistas - que, teimosos desde o início do governo Dilma, não enxergam que o futuro vai melhorar, a economia vai acelerar nos próximos meses, o cenário ruim será superado e o País será só sorrisos. Afinal, não custa ser otimista, não é mesmo? O negócio é que a realidade não tem confirmado esse otimismo: passados quase quatro anos de Dilma, o futuro promissor não chegou e o PIB foi caindo ano a ano (cresceu 2,7% em 2011, 0,9% em 2012, 2,3% em 2013 e em 2014 deve crescer 0,97%), segundo o Boletim Focus, do Banco Central. Distante de outros emergentes, como Chile, Colômbia e Peru, que têm crescido a uma média de 4% a 6% nesses anos.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) também entrou no rol dos pessimistas, por ter divulgado relatório apontando o Brasil como um dos emergentes mais vulneráveis às mudanças da economia mundial. De 1996 a 2001 o Brasil sofreu seguidas crises influenciadas por mudanças da economia mundial. As crises da Ásia e da Rússia, em 1997/1998, a moratória da Argentina e o ataque às Torres Gêmeas nos EUA, em 2001, encontraram um Brasil frágil em seus fundamentos econômicos, e o Plano Real ameaçou naufragar. Passados 13 anos, o País estaria vivendo novamente situação parecida?

Certamente não, porque os dois momentos são diferentes. Naquele passado, o País começava sua reconstrução, iniciada em 1994 com a derrubada da hiperinflação e o real em circulação. Os fundamentos econômicos ainda eram frágeis e entre eles despontava o câmbio, que, por servir de moeda de troca com o resto do mundo, era o mais sensível às mudanças externas. As fracas reservas cambiais não conseguiram barrar as crises que vieram de fora. Introduzido no segundo mandato de FHC, o tripé (câmbio flutuante, superávit primário e meta de inflação) foi fundamental para FHC e Lula começarem a construir paredões contra ataques externos. Os bons ventos que sopravam de fora no primeiro mandato de Lula fizeram o resto, e o Brasil acumula hoje US$ 380 bilhões de reservas cambiais. Suficientes para neutralizar efeitos de mudanças externas? Não deixam de ser um anteparo. Só que no governo Dilma o setor externo da economia tem enfraquecido de forma acelerada, deixando o País vulnerável, como alerta o FMI. Infelizmente.

 
04 de agosto de 2014
Suely Caldas, O Estadão

RECESSÃO "TÉCNICA" E MENTAL

No meio da campanha, resultados do PIB podem levar debate eleitoral para picuinhas numéricas

NO MEIO DA campanha eleitoral sai o resultado do crescimento da economia na primeira metade do ano. No próximo dia 29, vamos saber do andar da carroça do PIB no segundo trimestre, o que deve dar pano para a manga oposicionista ou, com muita sorte, para o governo, caso não venha o resultado previsto pelos "pessimistas".

Pode ser que se ouça a conversa da "recessão técnica". E daí? Daí, nada. "Recessão técnica" é um apelido dado a dois trimestres de crescimento abaixo de zero, de encolhimento da renda nacional por um semestre. Pode ser que o PIB do tumultuado segundo trimestre decresça algo em torno de 0,2% e, nada improvável, se revise o crescimento do primeiro trimestre para algo abaixo de zero também.

"Técnico" é um adjetivo que parece conferir seriedade a um substantivo. A reportagem sobre governos, por exemplo, costuma dizer que a nomeação de fulana ou sicrano para um cargo foi "técnica" quando a pessoa estudou alguma coisa, em tese não tem inclinação para negócios público-privados ou não é francamente ladra. Pode ser uma besta, mas é "técnica".

Por que a recessão é "técnica"? Porque, talvez, um trimestre apenas de encolhimento do PIB seja acidental. Com dois trimestres de crescimento abaixo de zero, a coisa fica com mais cheiro de queimado, mas vai pouco além a tecnicidade da definição. Qual a dife- rença de um ritmo de crescime- nto de -0,2% seguido de 0,2% de outro, digamos, de -0,1% e -0,1%? Neres de nada, picuinhas, políticas em especial. Em si mesmo, o número assim diz pouco sobre o andamento e a qualidade do estado da economia.

Muita gente que se dedica ao assunto não define recessões apenas pelo andar do PIB, nem há definição incontroversa do conceito. Além do mais, em termos práticos e eleitorais, o PIB é uma abstração real, digamos, de modo irônico.

Pode acontecer, como no Brasil recente, de o crescimento ir de mal a pior e o estado geral da economia prenunciar dias ainda piores, mas a população ainda não sentir na carne os problemas.

Por exemplo, é provável que o PIB da segunda metade do ano seja melhorzinho que o do primeiro semestre, mas, no dia a dia, a sensação térmica vai ser pior, com o mercado de trabalho esfriando mais.

Recessão "técnica", espiritual, mental, estagnação, ou seja lá o que aparecer na roleta de agosto, o fato é que o Brasil cresce muito pouco enquanto apresenta sintomas de uma economia que cresce excessivamente (inflação e deficit ex- terno relativamente altos, para ser breve).

Trata-se do pior de dois mundos. Sem dar conta disso, de desarranjos econômicos elementares, não se pode passar a discutir coisa mais séria, alternativas de desenvolvimento econômico, que se prestam a muita controvérsia (coisas como inflação e gasto público se prestam a pouca controvérsia).

Se todos os candidatos relevantes a presidente disserem coi- sas sensatas a respeito, em vez de bobagens, picuinhas e sujida- des eleitorais, pode ser que a recuperação econômica comece até um tico antes.

É o que o colunista tem a esperança de ver quando voltar de férias, em setembro.

 
04 de agosto de 2014
Vinicius Torres Freire, Folha de SP

LEILÃO POLÊMICO

O governo sente urgência em fazer o leilão de novas frequências para a quarta geração da telefonia celular (4G), previsto para o mês que vem. O edital deve receber o sinal verde do Tribunal de Contas da União (TCU) na quarta-feira e ser publicado no dia seguinte pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

O dinheiro da venda da faixa de 700 MHz para uso na 4G é visto como essencial para fechar as contas públicas neste ano. "Estou contando com os R$ 8 bilhões", disse, na semana passada, o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Mas as operadoras de telecomunicações não parecem tão animadas assim.

Como foi noticiado pelo Estado, a Telefônica (dona da Vivo) e a Oi defendem um adiamento. A Claro não se manifestou, mas Daniel Hajj, presidente da América Móvil (controladora da Claro), já havia dito há alguns meses, em entrevista de divulgação de resultados, que não via necessidade de mais espectro para a 4G no Brasil atualmente.

Acontece, no entanto, que essa faixa de 700 MHz não é para hoje. Atualmente, ela é ocupada pelos canais analógicos de TV aberta, e o governo quer receber agora por frequências que só vai conseguir entregar a partir de 2016.

O cronograma de desligamento da TV analógica prevê que os canais vão sair do ar no Distrito Federal em abril de 2015, em São Paulo em maio, em Belo Horizonte em junho, e assim sucessivamente, até a última cidade em 2018.

E as regras da Anatel preveem que as operadoras só poderão usar os canais depois de 12 meses da desocupação. Rodrigo Abreu, presidente da TIM (a única empresa que se mostrou interessada num leilão agora), disse considerar um exagero ter de esperar um ano pela limpeza da faixa depois do desligamento do sinal de TV.

Segundo dados da Anatel, em junho, somente 1% dos 275 milhões de celulares brasileiros eram 4G. Atualmente, a quarta geração opera em 2,5 GHz. Por questões físicas, essa faixa tem algumas desvantagens em relação à de 700 MHz. O raio de alcance das antenas em 2,5 GHz é menor, o que significa gastar mais dinheiro para conseguir uma boa cobertura. Além disso, o sinal em 2,5 GHz tem mais dificuldade de atravessar paredes e garantir uma boa recepção em ambientes fechados.

Na verdade, as operadoras têm muito interesse na faixa de 700 MHz. Só não querem pagar agora por alguma coisa que só vão receber entre 2016 e 2019. Também estão preocupadas com o preço. Os R$ 8 bilhões que o Tesouro quer receber não incluem obrigações que as empresas de telefonia terão de assumir para financiar uma transição sem interferências para a TV digital, que podem chegar a R$ 3,5 bilhões.

Para comparar, em 2012, quando fez o leilão da faixa de 2,5 GHz para a 4G, o governo arrecadou R$ 2,9 bilhões.

 
04 de agosto de 2014
Renato Cruz, O Estadão

SOFISMA NAS LICITAÇÕES

O mais provável é que o poder público pague mais caro que o correto

São unânimes dentro do poder público brasileiro as críticas à Lei Geral de Licitações. A 8666/93 é a “Geni” dos governantes, feita para apanhar por “engessar” a máquina administrativa com procedimentos ultrapassados, não abranger serviços inexistentes há duas décadas e se mostrar inócua no combate às práticas ilícitas.

Corroborando a visão do jurista Márcio Pestana quanto à “inapetência legislativa” do Brasil sobre contratações públicas, só agora entra na reta final a revisão da lei, com a inclusão do projeto de lei 559/2013 na pauta da sessão do Senado de 5 de agosto.

O projeto, porém, erra ao prever a perpetuação da “contratação integrada” de obras públicas. Nessa modalidade, o poder público — União, estados, Distrito Federal e municípios — licita uma obra apenas com um anteprojeto de arquitetura ou urbanismo. A empreiteira contratada fica com a responsabilidade de elaborar e desenvolver os projetos completo e executivo, as obras em si, os testes e demais operações necessárias para a conclusão do empreendimento.

No marco legislativo atual, a “contratação integrada” só pode ser usada em obras licitadas sob o polêmico Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), criado para as contratações de obras e serviços relacionados da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, depois utilizado nos empreendimentos do PAC e vários outros.

Os dispositivos gerais do PLS 559/2013 revogam a lei que implantou o RDC, mas, paradoxalmente, institucionalizam de vez e ampliam o uso da ferramenta instituída justamente para viabilizar o regime. Em outras palavras, o fim do RDC é um sofisma.

Sem um projeto completo elaborado de forma antecipada e independente da contratação da obra, a administração não tem parâmetros para especificar orçamentos justos, determinar a qualidade do empreendimento, controlar prazos e saber o quanto gastará em sua manutenção.

Os defensores do projeto 559/2013 argumentam que também o construtor assumirá riscos, esquecendo-se que ele naturalmente irá embutir isso na matriz de custos de sua proposta. E, como o poder público não sabe qual é orçamento justo, o mais provável é que pague mais caro que o correto. E sem que se exclua de vez qualquer possibilidade de aditivos no decorrer da obra.

Uma das hipóteses é outro sofisma. Permitem-se reajustes “por necessidade de alteração de projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação”. Ora, como quem faz o projeto é o próprio construtor, será ele o maior interessado em propor mudanças, que o poder público terá que engolir a seco.

Não se trata apenas de discutir a ampliação do potencial de corrupção. O principal aspecto a ser enfatizado é que, com a “contratação integrada”, o poder público abdica de seu papel de planejador da infraestrutura do país, dos espaços e das edificações públicas das cidades, delegando para as empreiteiras a definição da qualidade do meio ambiente construído brasileiro. Será o reconhecimento da “inapetência do Estado” pelo planejamento. É isso que a sociedade quer?

 
04 de agosto de 2014
Haroldo Pinheiro, O Globo

CRISE E AJUSTES NAS EMPRESAS

A indústria enfrenta uma situação cada vez mais difícil, apesar do ativismo governamental. Neste caso, o passado recente ilustra bem o que não deve ser feito: colocar na rua uma saraivada de medidas pontuais e localizadas, que não produzem efeitos perceptíveis e que custam recursos públicos.

Do ponto de vista do segmento, uma melhora da situação certamente depende de três coisas: um avanço no arranjo macroeconômico, a retomada de reformas (na qual a tributária vem, claramente, adiante) e a solução de algumas questões específicas, notadamente na problemática área de energia elétrica e de combustíveis. Também é indispensável um conjunto de regras claras e estáveis que possam permitir um avanço substancial na questão da infraestrutura.

O ajuste macroeconômico permitiria dar um horizonte para uma queda sustentada da taxa de juros, que, e sem intervenções artificiais no mercado de câmbio como as atuais, levaria a uma desvalorização cambial. Mais racionalidade na tarifação de energia completaria a primeira fase de rearranjo de preços relativos, atualmente tão fora do lugar. A partir daí, muitos investimentos poderão ser retomados.

Em paralelo, as empresas, industriais e outras, que vêm enfrentando situações e mercados difíceis já há algum tempo, têm de responder com estratégias de ajustes. Estas podem ser diversas. Sem pretender ser exaustivo, e utilizando a experiência de mais de 35 anos da MB, vejo que várias rotas têm sido utilizadas. São elas as seguintes:

- Ajuste defensivo via redução de custos

- Ajuste via consolidação e ganho de escala

- Ajuste via diferenciação de produtos e nichos

- Ajuste via mudança no modelo de negócios

- Ajustes via avanço tecnológico

O chamado ajuste defensivo é a primeira reação a uma queda nos mercados e se concentra na redução de custos e de pessoal. Inclui, normalmente, uma revisão na linha de produtos oferecidos, muitas vezes reduzindo ou encerrando a produção de itens de menor margem ou de margem negativa. Neste contexto, novos investimentos e projetos são postergados. Revisões periódicas de custos são sempre bem-vindas e úteis para as companhias, uma vez que com o tempo muitas despesas se tornam desnecessárias; a imagem usual é que custos crescem como cabelo e têm, portanto, de ser periodicamente desbastados. Entretanto, o ajuste defensivo é aquele que realmente reduz o tamanho da companhia, para enfrentar uma situação mais difícil.

Se isso ocorre por um certo tempo, não existe um problema mais grave, uma vez que a empresa pode voltar a acelerar quando o mercado melhorar. Entretanto, é preciso atenção, pois a redução de tamanho da empresa pode levar a que ela acabe por ser ultrapassada pela concorrência, perdendo valor que dificilmente será recuperado. Em casos mais radicais a empresa acaba por desaparecer do mercado.

Para os leitores com alguma quilometragem, quero lembrar que esse foi o caso da G Aronson, que chegou a ser o maior revendedor de utilidades domésticas de São Paulo (devo a lembrança a Marcel Solimeo).

O ajuste via consolidação e ganho de escala é o oposto do caso descrito acima. Em muitos mercados, frente a uma situação difícil, algumas empresas mais capitalizadas ou mais ágeis vão absorvendo alguns concorrentes, ganhando escala e, com isso, a liderança dos mercados. No setor de açúcar e álcool, esse foi o caso da Cosan, hoje Raízen. A consolidação é sempre facilitada por uma crise, mas ela pode ocorrer simplesmente como resultado de um sistema mais eficiente, de produção ou de gestão, que pode resultar numa vantagem de custos. Um caso conhecido, recente, é o que ocorreu com as farmácias (Drogasil, Pharma, etc.): a constituição de uma rede permite fazer compras com menores preços, manter um estoque central menor e outras vantagens, de sorte a gerar mais resultado do que unidades isoladas.

A mesma coisa vem ocorrendo na área de laboratórios de análises clínicas, como a Dasa. Os três outros modelos de ajustes são mais sofisticados. Encolher ou consolidar implica, essencialmente, numa atividade de gestão, adequação, integração de sistemas, etc. Os mercados são os mesmos, assim como a produção.

Os outros ajustes têm desafios e riscos maiores, porque também mexem com os processos produtivos e suprimentos; além disso, os mercados podem ser diferentes, assim como os canais de comercialização. Consideremos, por exemplo, a questão dos alimentos orgânicos e sustentáveis que se contrapõem aos alimentos mais tradicionais. As exigências para a produção e certificação são enormes, necessitando de tempo, investimentos e esforço no processo de aprendizado. Os consumidores serão algo diferentes e quase que certamente, os custos e riscos serão mais elevados. Como consequência, a própria empresa muitas vezes tem de ser redesenhada. O açúcar Native é um exemplo de sucesso nesse modelo, no qual muitas tentativas não têm sido muito bem-sucedidas.

No próximo artigo trataremos das mudanças no modelo de negócios e nas questões de avanço tecnológico.

 
04 de agosto de 2014
José Roberto Mendonça de Barros, O Estadão

NÃO É GRIESA, É O GASTO PÚBLICO

Desde a criação do Banco Central, em 1935, a Argentina já destruiu cinco símbolos monetários corroídos pela inflação

O calote não é inédito para a economia argentina. Desde a Segunda Guerra Mundial, o país interrompeu pagamentos mais de 50% do tempo em quatro períodos diferentes. Mas, ao mesmo tempo, desde que foi criado o banco central (BCRA), em 1935, a Argentina destruiu cinco signos monetários. O peso moeda nacional, o peso lei 18.188, o peso argentino, o austral e este que está agonizando.

A pergunta é: por que tantos calotes e destruições monetárias? A resposta é muito simples: o gasto público não parou de crescer durante todo o século XX e no XXI até agora, e por isso o aumento da pressão fiscal a níveis de confisco é insuficiente para financiá-lo. Dito de outra maneira, o populismo imperante na Argentina há décadas fez disparar o gasto público a tal ponto que o déficit fiscal requereu o endividamento público externo (por isso a dívida pública e os frequentes calotes) para financiar o desequilíbrio das contas públicas.

E por que a dívida em moeda estrangeira? Porque as diferentes moedas que tivemos nunca o foram no sentido estrito da palavra, já que não foram reserva de valor. A inflação as assemelha a barras de gelo que se derretem. Mas, o mais importante, os ataques persistentes à propriedade privada, fundamentalmente via sistema impositivo, fizeram com que a poupança dos argentinos fugisse para o exterior em busca de segurança jurídica, razão pela qual o mercado interno de capitais sempre foi muito reduzido.

Há pouca oferta de poupança interna porque os que poupam preferem fazê-lo no exterior, em busca de segurança jurídica. Recordemos que a poupança é a contrapartida do crédito: sem aquela, que é a renda não consumida, não existe crédito. De forma que um país como a Argentina, submetida a décadas de populismo, gerou escassa riqueza, isto é, renda. Como esta é reduzida, a poupança também, e boa parte foge para o exterior.

Portanto, a oferta de poupança interna é tão reduzida que, se o Estado entrar no mercado para tomar créditos para financiar o gasto público, deslocará rapidamente o setor privado, elevará os juros e vai gerar recessão. Um exemplo simples pode nos dar ideia de quão diminuto é o mercado de capitais interno. Muito se fala das reservas de gás não convencional de Vaca Morta. O tempo dirá se são tão importantes como se diz ou se é outra fantasia que inventamos nós, os argentinos.

O certo é que, para além do verdadeiro potencial da jazida, ninguém pensa que os investimentos necessários para explorá-la podem ser feitos com a poupança interna. Todos pensam em investidores de fora do país, com acesso fácil ao mercado externo de capitais. Bem, se a poupança interna não é suficiente para financiar os investimentos em Vaca Morta, muito menos para financiar o gigantesco déficit fiscal em que incorremos em cada uma das festas populistas que elevam o gasto público a níveis exorbitantes.

Não é por casualidade, então, que os argentinos vivemos destruindo nossos signos monetários e dando calote. É o alto nível de gasto público que requer financiamento extra, emissão monetária e endividamento externo, até chegar a um ponto em que a inflação dispara, destruindo por completo a moeda e tornando a dívida impagável.

Nosso problema não é o juiz Thomas Griesa, nem a cláusula Rufo, nem o stay (liminar) nem os holdouts (os que não aceitaram os termos da renegociação). Nosso problema é o gasto público, que requer níveis de financiamento que, chegando a determinado ponto, nos levam ao calote e à inflação, megainflação e hiperinflação, porque nessa matéria também tivemos de tudo.

Obviamente, o gasto cresce porque boa parte da liderança política nos vendeu que ela tem o monopólio da bondade e solidariedade, e assim deve elevar o gasto para redistribuir, fazer planos que chamam de sociais e contratar legiões de burocratas que nada fazem de produtivo. Mas se dedicam a entorpecer os que produzem. Entre os funcionários públicos nacionais, estaduais e municipais e os que vivem dos chamados planos sociais são cada vez mais os que consomem sem produzir e cada vez menos os que produzem para sustentar o aparato estatal.

Quem leu “Rebelión de Atlas”, de Ayn Rand, pode chegar a pensar se o livro não foi escrito para a Argentina atual. Porque, como ocorre com ele, finalmente as pessoas produtivas se cansam de ser exploradas por burocratas e param de produzir ou buscam outros países para o fazer.

Nosso problema é que temos um Estado que não só gasta fortunas de forma ineficiente, mas também se encarrega de complicar a vida dos que produzem e pagam impostos. Com isto, o gasto público termina sendo não financiável e, de tempos em tempos, fazemos alguma labareda inflacionária para baixá-lo em termos reais e/ou caloteamos a dívida. Na realidade, nos encanta fazer uma combinação de ambas.

Já estamos em níveis brutais de carga tributária. Não há poupança interna que possa financiar este nível de gasto. Cada vez se torna mais difícil cobrar do povo o imposto inflacionário e não temos acesso ao mercado de crédito externo. Tudo isto quer dizer que, com Griesa ou sem ele, com ou sem Rufo, o nível do gasto público chegou a um ponto que já não se pode financiar e que as atuais regras do jogo são insustentáveis.


04 de agosto de 2014
Roberto Cachanosky, O Globo

AGENDA CARREGADA

Os debates eleitorais mal começaram e já dá para verificar que o governo não quer admitir ter cometido erros graves na condução da política econômica.

Na sabatina realizada em Brasília por iniciativa do jornal Folha de S.Paulo e nos debates realizados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a presidente Dilma insistiu em que nada há de especialmente errado com a inflação e que o baixo crescimento econômico deve ser debitado à crise global, e não a coisas nossas. Ao contrário do que vem espalhando o cordão de pessimistas, afirma a presidente, as finanças públicas estão sob controle e mais superávit não dá para fazer porque, afinal, outros países também não conseguem.

Alguns observadores vêm advertindo de que, se vencer as eleições, a presidente Dilma insistirá compulsivamente na linha de política econômica do primeiro mandato. Será – dizem estes – mais do mesmo. No entanto, as distorções que pedem correção imediata são tão grandes que parece impossível evitar mudanças mais profundas na política econômica, mesmo com a presidente Dilma sendo reconduzida a um novo mandato.

O Banco Central não poderá, por exemplo, continuar a despejar cerca de US$ 90 bilhões (em sete meses) em swaps no câmbio futuro apenas para evitar novas desvalorizações do real. É um preço alto demais, em desalinhamento dos preços relativos em relação aos internacionais e em perda de competitividade da indústria, apenas para evitar um ou dois pontos a mais de inflação.

Também não dá para manter indefinidamente represados os preços de produtos e serviços públicos, como energia elétrica, combustíveis e transportes urbanos (veja gráfico no Confira).

Ainda que não seja por meio de tarifaços, como garante a presidente Dilma, será preciso corrigi-los e, mais do que isso, será preciso definir critérios claros para correções subsequentes. Até agora, dependeram da vontade da autoridade superior.

Também não é possível manter os juros básicos a 11% ao ano ou até puxar para novas altitudes para tentar conter a inflação, quando o resto do mundo convive hoje com juros rastejantes.

Mesmo que a opção do governo for pelo gradualismo – o que não parece a melhor solução -, essas correções, por sua vez, exigirão mais austeridade na condução das contas públicas, portanto, a obtenção de um superávit primário (sobra de arrecadação) bem maior, destinado a conter o endividamento e a criação excessiva de demanda interna descolada do aumento da produção.

E, por falar em produção, não é possível garantir um avanço sustentável do PIB sem recuperação ampla da confiança, sem forte impulsão dos investimentos e sem incentivos ao aumento da poupança interna, o que aparentemente só será possível com a reforma da Previdência Social.

Tudo isso não poderá se limitar a uma simples troca da hoje desacreditada equipe econômica nem a uma cirurgia plástica apenas para fins estéticos. Exigirá mudanças bem mais radicais. Se vitoriosa nas urnas, ou a presidente Dilma enfrenta essa agenda e, nesse caso, terá boa possibilidade de garantir uma virada na economia ou, então, não a enfrenta e corre grave risco de inviabilizar a administração da política econômica brasileira.

 
04 de agosto de 2014
Celso Ming, O Estadão

O BANCO CENTRAL NÃO É VÍTIMA

BC viabiliza a irresponsabilidade fiscal. Se não concorda, instituição tem a obrigação de mudar o discurso e denunciar à sociedade

Inflação em alta, com metas de inflação descontroladas, é hora de banqueiros centrais — no cargo, ou fora dele — entoarem o seu mantra: o BC é uma vítima indefesa do desequilíbrio das contas públicas. Fossem estas equilibradas e a inflação estaria sempre no centro da meta. Falso.

Quem estabelece as metas, com inteira liberdade, é o BC que, ao estabelecê-las, está ciente do desequilíbrio fiscal, declarado no Orçamento elaborado pelo Executivo, e aprovado pelo Legislativo. No mínimo, errou, e continua errando, no cálculo da meta.

Além disso, quem disse que descontrole fiscal gera inflação? O déficit público é financiado pela emissão de dívida pública pelo Tesouro, que, ao colocar esta dívida no mercado, recebe reais dos investidores, e entrega os títulos. O meio circulante não se altera em um centavo sequer — onde está o efeito inflacionário? Nem poderia ser de outra maneira, posto que o Tesouro não emite moeda, que é função atribuída pelo governo, em caráter de monopólio, ao BC.

A inflação ocorre a partir do momento em que o BC compra (monetiza) esta dívida dos investidores. Aí o processo se inverte, com o BC recebendo os títulos e entregando reais — que ele emite. Está colocado em marcha um processo inflacionário, de exclusiva criação do BC.

Isto, por outro lado, revela o absoluto poder do BC de fazer cessar qualquer inflação, em curto prazo. Basta uma circular: “A partir desta data o BC manterá congelados os saldos de sua carteira de títulos públicos e privados, somente renovando os valores vencidos.” Foi com esta circular que Hjalmar Schacht, o lendário banqueiro central da Alemanha, em 1924 (sem computadores, nem sofisticados modelos macroeconômicos), derrubou um violento ataque cambial contra o marco, que retomou sua estabilidade em exatos 57 dias. E estamos sofrendo, há décadas, para estabilizar o real, sem sucesso!

E por que o BC não exerce o seu poder? Por duas simples razões. A primeira porque congelar a carteira de títulos públicos agride a missão estatutária do BC de garantir a liquidez da dívida pública. Seria negar a sua natureza, de agente do governo, portanto, necessariamente conivente.

A segunda porque congelar a carteira de títulos privados, apesar de mínima no Brasil, sinalizaria, de forma irreversível, a morte de programas demagógicos como o Minha Casa Minha Vida, cartões BNDES e financiamentos imobiliários em 30 anos, com uma moeda cujo futuro não se enxerga além dos próximos seis meses! Mas isso exporia a fragilidade dos banqueiros centrais no papel de fomentadores do PIB.

Em síntese, utilizar o crédito, e não o juro, como instrumento anti-inflacionário, liquidaria, junto com a inflação, a demagogia do crédito farto, construída pelo BC a partir de 2008, na vã tentativa de criar uma marolinha, destinada a mostrar que “nunca antes na história do mundo etc”.

Portanto, discursar sobre a culpa dos outros, sem jamais assumir a sua exclusiva responsabilidade, oculta o fundamental: o BC viabiliza a irresponsabilidade fiscal. Se não concorda, tem a obrigação de mudar o discurso, e denunciar à sociedade a irresponsabilidade de se emitir moeda lastreada em dívida pública, que é a expressão do descontrole fiscal. O BC, longe de ser a vítima, é o próprio agente da inflação.

 
04 de agosto de 2014
Silvio Figer, O Globo

A FORÇA DOS FATOS

A eclosão da crise global gerou análises em setores importantes no Brasil de que ela significava a falência do sistema de livre mercado e a vitória definitiva do intervencionismo governamental não só via regulação, que era necessária, mas, também, via ação direta na economia, com aumento do gasto público para impulsionar a atividade e intervenção no sistema de preços, entre outras medidas.

Essa visão, porém, não prevaleceu nos EUA e no Reino Unido, epicentros da crise, que, sintomaticamente, se recuperam melhor que os países intervencionistas.

Nos EUA, a nova regulação dos mercados reduziu o risco de crédito dos bancos e limitou a intervenção governamental ao apertar o controle das agências de crédito imobiliário paraestatais. O Congresso aprovou ainda dura contenção de gastos do governo, que não levou ao temido abismo fiscal, pelo contrário.

A economia dos EUA cresceu a taxa anualizada de 4% no segundo trimestre, uma recuperação consistente, fundamentada pela maior solidez fiscal, pelos ajustes nas empresas e pela liberdade para empreender e inovar.

Já o Reino Unido elegeu um governo conservador. Ele promoveu forte contenção fiscal, reduziu os riscos do mercado e, nas palavras de seu ministro da Fazenda, George Osborne, é desavergonhadamente pró-negócios. Resultado: o país cresceu a taxa anualizada de 3,1% no segundo trimestre.

Enquanto isso, países com tradição intervencionista, como a Itália e a França, têm economias estagnadas e dificuldades de conciliar a postura de Estado forte com a necessidade de promover investimentos privados e mais empreendedorismo.

O entendimento claro do cenário global é fundamental quando discutimos os caminhos para a retomada do crescimento no Brasil. Aqui na região, países com forte ação intervencionista enfrentam desafios ainda maiores que o resto do mundo. O exemplo mais claro é a Argentina, ameaçada de recessão e de mais crise após a controvérsia do calote técnico, que deve aumentar suas dificuldades cambiais. Já Colômbia, Chile e Peru, com economias mais abertas, crescem a taxas saudáveis.

Importante notar que o maior risco da economia global hoje vem de uma possível ação governamental do Fed (o banco central dos EUA) no mercado, com manutenção de juros muito baixos e excesso de liquidez. Esperemos que o Fed não repita os erros vistos anteriormente.

Em resumo: com o passar dos anos e dos fatos, o quadro da economia global deu uma resposta suficientemente enfática às conclusões precipitadas de alguns analistas depois da crise 2007-2008. Precisamos tomar cuidado para não seguir o caminho de alguns "hermanos".


04 de agosto de 2014
Henrique Meirelles, Folha de SP

FILME VELHO

O Brasil está vivendo nesta eleição o que já tínhamos superado em 2002: temores do mercado e oscilação de ativos em função das pesquisas. Em 2006 e 2010, as simpatias pelos candidatos se distribuíram de maneira natural, porque o primeiro governo Lula havia mitigado o temor de que a vitória de uma corrente política significasse risco econômico. O velho clima voltou.

Em 2002, o eleitorado queria mudança após dois mandatos com o mesmo partido, mas desde que isso não significasse a perda de conquistas, como a estabilização da moeda. O primeiro programa do então candidato Lula veio com as velhas e amalucadas ideias de auditoria na dívida interna e externa, revogação de privatização, centralização cambial. O Partido dos Trabalhadores pagava, na época, o preço de suas próprias atitudes ao ficar contra o Plano Real e todos os seus avanços, como a Lei de Responsabilidade Fiscal. Quanto mais Lula subia nas pesquisas, mais o dólar disparava.

A Carta aos Brasileiros, a atuação do ministro Palocci, o trabalho cooperativo na transição e a escolha dos nomes da primeira equipe econômica permitiram ao país dar um passo importante no seu amadurecimento institucional. Ficou claro que o mercado financeiro poderia gostar de qualquer um dos candidatos, mas a vitória do outro não representaria risco de adoção de uma política econômica que levasse à instabilidade.

O curioso é: por que voltou agora esse clima, se ele se concentra na continuidade e não na mudança para um governante novo? A atual administração acumulou uma série de erros na condução da política econômica e não esclareceu o que pretende fazer num segundo mandato para corrigir os desequilíbrios. Nas entrevistas, a presidente Dilma repete frases de efeito, faz afirmações que os fatos não confirmam, sustenta números discutíveis. Na quarta-feira, por exemplo, ela elogiou sua política industrial e, na sexta-feira, saíram dados de queda forte da indústria. Dilma deveria esclarecer seus projetos porque está na frente das pesquisas e seus métodos de governar são bem conhecidos.

O episódio da demissão de uma analista do Santander é patético. Primeiro porque ela fez uma análise binária. De fato a Bolsa tem oscilado na razão inversa da intenção de voto da presidente. Segundo, porque o governo tratou o fato de forma histriônica, como se fosse uma “inadmissível” interferência estrangeira. Terceiro, porque o banco se curvou, pediu desculpas, demitiu a analista.

É assim, de forma subserviente, que se comportam os chamados agentes econômicos. A presença do governo sempre foi grande na economia e isso aumentou no atual mandato. Os bancos ganham muito dinheiro, o setor elétrico está sendo socorrido, as indústrias têm redução de imposto e empréstimo subsidiado. Todos temem o governo porque dele dependem. Na preparação de mais uma rodada do empréstimo ao setor elétrico, alguns bancos disseram que não iriam participar. O governo os enquadrou e eles ficaram. Foi apenas atendido o pedido de jogar a maior parte do peso sobre os bancos públicos.

Esse empréstimo é obviamente uma insanidade que seria reprovada por qualquer modelo independente de risco bancário. O tomador não tem ativos, é uma câmara de empresários. Já recebeu a exorbitância de R$ 11,2 bilhões em créditos. O dinheiro foi todo entregue às distribuidoras. A garantia bancária é apenas um documento do órgão regulador autorizando a cobrança do empréstimo e juros na conta a ser enviada ao consumidor a partir do ano que vem. O dinheiro não foi suficiente e o governo pediu mais R$ 6,5 bilhões.

A ação da Petrobras sobe e desce conforme os ventos eleitorais. Isso acontece por que no mercado há mentes malévolas conspirando contra a empresa ou porque a atual administração impôs uma política de preços que dá prejuízo à estatal?

A lista é extensa, mas a matriz é a mesma e tem produzido efeitos negativos: o país não está crescendo, a inflação é alta, há preços represados, piora dos números fiscais, queda da corrente de comércio externo e uma confusão no setor elétrico. O ano de 2015 será de ajuste. A ansiedade maior recai sobre o que fará a presidente Dilma para corrigir o que foi feito em sua administração. Ela ainda não disse. Pelo contrário, tem defendido as escolhas que fez.

 
04 de agosto de 2014
Miriam Leitão, O Globo