Desde a criação do Banco Central, em 1935, a Argentina já destruiu cinco símbolos monetários corroídos pela inflação
O calote não é inédito para a economia argentina. Desde a Segunda Guerra Mundial, o país interrompeu pagamentos mais de 50% do tempo em quatro períodos diferentes. Mas, ao mesmo tempo, desde que foi criado o banco central (BCRA), em 1935, a Argentina destruiu cinco signos monetários. O peso moeda nacional, o peso lei 18.188, o peso argentino, o austral e este que está agonizando.
A pergunta é: por que tantos calotes e destruições monetárias? A resposta é muito simples: o gasto público não parou de crescer durante todo o século XX e no XXI até agora, e por isso o aumento da pressão fiscal a níveis de confisco é insuficiente para financiá-lo. Dito de outra maneira, o populismo imperante na Argentina há décadas fez disparar o gasto público a tal ponto que o déficit fiscal requereu o endividamento público externo (por isso a dívida pública e os frequentes calotes) para financiar o desequilíbrio das contas públicas.
E por que a dívida em moeda estrangeira? Porque as diferentes moedas que tivemos nunca o foram no sentido estrito da palavra, já que não foram reserva de valor. A inflação as assemelha a barras de gelo que se derretem. Mas, o mais importante, os ataques persistentes à propriedade privada, fundamentalmente via sistema impositivo, fizeram com que a poupança dos argentinos fugisse para o exterior em busca de segurança jurídica, razão pela qual o mercado interno de capitais sempre foi muito reduzido.
Há pouca oferta de poupança interna porque os que poupam preferem fazê-lo no exterior, em busca de segurança jurídica. Recordemos que a poupança é a contrapartida do crédito: sem aquela, que é a renda não consumida, não existe crédito. De forma que um país como a Argentina, submetida a décadas de populismo, gerou escassa riqueza, isto é, renda. Como esta é reduzida, a poupança também, e boa parte foge para o exterior.
Portanto, a oferta de poupança interna é tão reduzida que, se o Estado entrar no mercado para tomar créditos para financiar o gasto público, deslocará rapidamente o setor privado, elevará os juros e vai gerar recessão. Um exemplo simples pode nos dar ideia de quão diminuto é o mercado de capitais interno. Muito se fala das reservas de gás não convencional de Vaca Morta. O tempo dirá se são tão importantes como se diz ou se é outra fantasia que inventamos nós, os argentinos.
O certo é que, para além do verdadeiro potencial da jazida, ninguém pensa que os investimentos necessários para explorá-la podem ser feitos com a poupança interna. Todos pensam em investidores de fora do país, com acesso fácil ao mercado externo de capitais. Bem, se a poupança interna não é suficiente para financiar os investimentos em Vaca Morta, muito menos para financiar o gigantesco déficit fiscal em que incorremos em cada uma das festas populistas que elevam o gasto público a níveis exorbitantes.
Não é por casualidade, então, que os argentinos vivemos destruindo nossos signos monetários e dando calote. É o alto nível de gasto público que requer financiamento extra, emissão monetária e endividamento externo, até chegar a um ponto em que a inflação dispara, destruindo por completo a moeda e tornando a dívida impagável.
Nosso problema não é o juiz Thomas Griesa, nem a cláusula Rufo, nem o stay (liminar) nem os holdouts (os que não aceitaram os termos da renegociação). Nosso problema é o gasto público, que requer níveis de financiamento que, chegando a determinado ponto, nos levam ao calote e à inflação, megainflação e hiperinflação, porque nessa matéria também tivemos de tudo.
Obviamente, o gasto cresce porque boa parte da liderança política nos vendeu que ela tem o monopólio da bondade e solidariedade, e assim deve elevar o gasto para redistribuir, fazer planos que chamam de sociais e contratar legiões de burocratas que nada fazem de produtivo. Mas se dedicam a entorpecer os que produzem. Entre os funcionários públicos nacionais, estaduais e municipais e os que vivem dos chamados planos sociais são cada vez mais os que consomem sem produzir e cada vez menos os que produzem para sustentar o aparato estatal.
Quem leu “Rebelión de Atlas”, de Ayn Rand, pode chegar a pensar se o livro não foi escrito para a Argentina atual. Porque, como ocorre com ele, finalmente as pessoas produtivas se cansam de ser exploradas por burocratas e param de produzir ou buscam outros países para o fazer.
Nosso problema é que temos um Estado que não só gasta fortunas de forma ineficiente, mas também se encarrega de complicar a vida dos que produzem e pagam impostos. Com isto, o gasto público termina sendo não financiável e, de tempos em tempos, fazemos alguma labareda inflacionária para baixá-lo em termos reais e/ou caloteamos a dívida. Na realidade, nos encanta fazer uma combinação de ambas.
Já estamos em níveis brutais de carga tributária. Não há poupança interna que possa financiar este nível de gasto. Cada vez se torna mais difícil cobrar do povo o imposto inflacionário e não temos acesso ao mercado de crédito externo. Tudo isto quer dizer que, com Griesa ou sem ele, com ou sem Rufo, o nível do gasto público chegou a um ponto que já não se pode financiar e que as atuais regras do jogo são insustentáveis.
04 de agosto de 2014
Roberto Cachanosky, O Globo
O calote não é inédito para a economia argentina. Desde a Segunda Guerra Mundial, o país interrompeu pagamentos mais de 50% do tempo em quatro períodos diferentes. Mas, ao mesmo tempo, desde que foi criado o banco central (BCRA), em 1935, a Argentina destruiu cinco signos monetários. O peso moeda nacional, o peso lei 18.188, o peso argentino, o austral e este que está agonizando.
A pergunta é: por que tantos calotes e destruições monetárias? A resposta é muito simples: o gasto público não parou de crescer durante todo o século XX e no XXI até agora, e por isso o aumento da pressão fiscal a níveis de confisco é insuficiente para financiá-lo. Dito de outra maneira, o populismo imperante na Argentina há décadas fez disparar o gasto público a tal ponto que o déficit fiscal requereu o endividamento público externo (por isso a dívida pública e os frequentes calotes) para financiar o desequilíbrio das contas públicas.
E por que a dívida em moeda estrangeira? Porque as diferentes moedas que tivemos nunca o foram no sentido estrito da palavra, já que não foram reserva de valor. A inflação as assemelha a barras de gelo que se derretem. Mas, o mais importante, os ataques persistentes à propriedade privada, fundamentalmente via sistema impositivo, fizeram com que a poupança dos argentinos fugisse para o exterior em busca de segurança jurídica, razão pela qual o mercado interno de capitais sempre foi muito reduzido.
Há pouca oferta de poupança interna porque os que poupam preferem fazê-lo no exterior, em busca de segurança jurídica. Recordemos que a poupança é a contrapartida do crédito: sem aquela, que é a renda não consumida, não existe crédito. De forma que um país como a Argentina, submetida a décadas de populismo, gerou escassa riqueza, isto é, renda. Como esta é reduzida, a poupança também, e boa parte foge para o exterior.
Portanto, a oferta de poupança interna é tão reduzida que, se o Estado entrar no mercado para tomar créditos para financiar o gasto público, deslocará rapidamente o setor privado, elevará os juros e vai gerar recessão. Um exemplo simples pode nos dar ideia de quão diminuto é o mercado de capitais interno. Muito se fala das reservas de gás não convencional de Vaca Morta. O tempo dirá se são tão importantes como se diz ou se é outra fantasia que inventamos nós, os argentinos.
O certo é que, para além do verdadeiro potencial da jazida, ninguém pensa que os investimentos necessários para explorá-la podem ser feitos com a poupança interna. Todos pensam em investidores de fora do país, com acesso fácil ao mercado externo de capitais. Bem, se a poupança interna não é suficiente para financiar os investimentos em Vaca Morta, muito menos para financiar o gigantesco déficit fiscal em que incorremos em cada uma das festas populistas que elevam o gasto público a níveis exorbitantes.
Não é por casualidade, então, que os argentinos vivemos destruindo nossos signos monetários e dando calote. É o alto nível de gasto público que requer financiamento extra, emissão monetária e endividamento externo, até chegar a um ponto em que a inflação dispara, destruindo por completo a moeda e tornando a dívida impagável.
Nosso problema não é o juiz Thomas Griesa, nem a cláusula Rufo, nem o stay (liminar) nem os holdouts (os que não aceitaram os termos da renegociação). Nosso problema é o gasto público, que requer níveis de financiamento que, chegando a determinado ponto, nos levam ao calote e à inflação, megainflação e hiperinflação, porque nessa matéria também tivemos de tudo.
Obviamente, o gasto cresce porque boa parte da liderança política nos vendeu que ela tem o monopólio da bondade e solidariedade, e assim deve elevar o gasto para redistribuir, fazer planos que chamam de sociais e contratar legiões de burocratas que nada fazem de produtivo. Mas se dedicam a entorpecer os que produzem. Entre os funcionários públicos nacionais, estaduais e municipais e os que vivem dos chamados planos sociais são cada vez mais os que consomem sem produzir e cada vez menos os que produzem para sustentar o aparato estatal.
Quem leu “Rebelión de Atlas”, de Ayn Rand, pode chegar a pensar se o livro não foi escrito para a Argentina atual. Porque, como ocorre com ele, finalmente as pessoas produtivas se cansam de ser exploradas por burocratas e param de produzir ou buscam outros países para o fazer.
Nosso problema é que temos um Estado que não só gasta fortunas de forma ineficiente, mas também se encarrega de complicar a vida dos que produzem e pagam impostos. Com isto, o gasto público termina sendo não financiável e, de tempos em tempos, fazemos alguma labareda inflacionária para baixá-lo em termos reais e/ou caloteamos a dívida. Na realidade, nos encanta fazer uma combinação de ambas.
Já estamos em níveis brutais de carga tributária. Não há poupança interna que possa financiar este nível de gasto. Cada vez se torna mais difícil cobrar do povo o imposto inflacionário e não temos acesso ao mercado de crédito externo. Tudo isto quer dizer que, com Griesa ou sem ele, com ou sem Rufo, o nível do gasto público chegou a um ponto que já não se pode financiar e que as atuais regras do jogo são insustentáveis.
04 de agosto de 2014
Roberto Cachanosky, O Globo
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