"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A CULPA É DAS NUVENS

Sou partidário de não chorar no cinema.

Não choro, não adianta vir com lupa em meus cílios.

É muito mais emocionante não chorar do que chorar. Transbordar e não se esvair. Acumular a chuva nas calhas e não infiltrar as paredes do rosto.

É um dom masculino – não nos tire essa característica ancestral. É um longo treino militar.

Faço questão de assistir a filmes românticos, extremamente açucarados, somente para exercitar a firmeza das pálpebras. Se no roteiro tem um par jovem, se tem uma doença incurável, se tem morte trágica de um deles, estou dentro, aceito o convite na hora.

Choro com as mãos, choro com os pés, choro com a cabeça, não com os olhos.

Eu fracassei na infância com o filme O Campeão. Eu me perdoei, pois não apresentava antecedentes, estava com sete anos e ninguém me explicou a importância do truque. Desde lá, levei a sério o compromisso com a sétima arte. Nunca mais passei nenhum constrangimento e nem fui obrigado a simular gripe.

Aprendi a segurar o choro pela boca, que é o volante do desabafo. Domino as terminações nervosas dos lábios. A tática é fazer careta, esticar a face, para conter a primeira lágrima.

Além de viril, o exercício nos poupa rugas e pés de galinha. Evitará o vexame de plásticas no futuro.

Tampouco teria graça chorar com a mesma intensidade que sua mulher, acabaria com o espetáculo solo. Ela veio preparada para se desmanchar, veio de batom, de rímel e de sombras – não tem comparação com a nossa pobreza de efeitos especiais, é desmerecer o trabalho de uma profissional.

Começaria também uma disputa, uma gincana de suspiro, soluço e lenços entre o casal. Acho que você não gostaria de transmitir a impressão de gato no cio no escuro da sala – é terminar a sessão e todos os espectadores tentarão identificá-lo (para descobrir quem é aquele sujeito que atrapalhou o silêncio da obra).

Você deve respeitar sua companhia. Se chorar, não poderá oferecer o ombro e o colo, perderá o direito de ampará-la na saída. Interromperá o processo natural feminino. Ela ficará assustada e engolirá metade de suas lágrimas. Comprovado cientificamente que não é saudável engolir as lágrimas.

Deixe a mulher chorar sozinha, para de sentir ciúme e inveja, para de querer aparecer mais do que ela, para de demonstrar que é sensível e compreensível. Não seja abusado.

Não tem sensação mais agradável do que não chorar e ela questionar o motivo da imobilidade sentimental diante de uma história emocionante; é despertar seu interesse, ganhar atenção de fortaleza intransponível, produzir mistérios simpáticos para a atração física.

Não tem sensação mais desagradável do que chorar loucamente e seguir ao estacionamento enquanto sua mulher recomenda que experimente reposição hormonal.

A Culpa é das Estrelas é uma prova perfeita para construir o dique imaginário. Necessita ser macho para não se transformar nas cataratas de Foz do Iguaçu.

Vá lá, acredito em você. Por precaução, leve óculos escuros.

 
04 de agosto de 2014
Fabrício Carpinejar, Zero Hora

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