"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

QUANDO O HUMOR DESENHA A REALIDADE...

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18 de fevereiro de 2015

GOLPE JUDICIÁRIO DO PT, NA CALADA DO CARNAVAL



Enquanto a população adormecida brinca o carnaval, o PT manobra, de dentro do gabinete do ministro da justiça, para blindar Lula e Dilma (para livrá-la do impeachment)





DIA 15 MARÇO VAMOS ÀS RUAS PEDIR O IMPEACHMENT DA DILMA!

18 de fevereiro de 2015












PETROLÃO: "A QUADRA DO PT DEVERIA TER CONHECIMENTO" , DIZ MINISTRO

A REFORMA POLÍTICA

Estudiosos condenam dois fatores existentes em nosso sistema político: o "presidencialismo de coalizão", em que dezenas de partidos se coligam, tanto nas eleições (subsistema eleitoral), quanto depois delas. No poder, as agremiações formam as "bases de sustentação", no Legislativo, dos chefes do Poder Executivo (presidentes, governadores e prefeitos). O segundo fator seria a infidelidade partidária ou, quando nada, os períodos em que a lei permite aos políticos mudar de partido ou aderir a novas agremiações.

Dizem alguns, além disso, que a reforma política não se materializa porque os próprios parlamentares tiram proveito do atual sistema. Penso o contrário. É do interesse dos grandes partidos sustar a proliferação de novas siglas que os levam à fragmentação, além de enfraquecer os atributos com os quais reivindicam fatias de poder no aparato do Estado.

Há uma proposta com chances de aprovação patrocinada pelo professor de direito constitucional Michel Temer, atualmente vice-presidente, e do quadro histórico do PMDB desde a fundação como MDB.

Sou a favor de três providências básicas antes de discutir, para apoiar, as ideias de Michel Temer, cuja reputação jurídica é nacionalmente reconhecida: a) diminuição do tamanho do Estado (quanto mais Estado, maior a corrupção); b) profissionalização das "carreiras de Estado", de tal modo que a alteração dos mandatários políticos implicasse apenas na substituição dos "cargos de recrutamento amplo" ou "de confiança", de resto três vezes mais que nos EUA com 330 milhões de habitantes e maiores atribuições - é preciso acabar com os "cabides de emprego" -; c) fim da reeleição para o Executivo - obriga o mandatário e estimula a boa gestão, em prol do partido.

Temer quer eliminar o voto proporcional para as casas legislativas, exceto o Senado, cuja eleição é majoritária, sem adotar o distrital misto (PSDB). Cada estado seria como que um "distritão". Acabaria o quociente eleitoral, elegendo-se os candidatos mais votados, independentemente dos partidos. Ficariam automaticamente inviáveis as coligações para os legislativos. Assim, diminui-se o número de partidos com assento nessas casas. Os partidos não mais teriam interesse em lançar centenas de candidatos para aproveitar as "caudas" (somatório dos votos dos candidatos que não alcançaram o quociente eleitoral), nem arregimentar "puxadores de votos" caricatos. A cláusula "de desempenho" ou "de barreira" nem precisaria existir. Haveria reflexos no horário gratuito. Temer exemplifica com São Paulo, com 30 candidatos em vez de 105, em seu partido. Teriam tempo para dizer a que vieram. Eduardo Cunha, entretanto, ainda quer coligação e cláusula de desempenho. Sua liderança é forte.

Quanto ao financiamento de campanha, propõe que seja individual e por empresas, mas com limites e sanções severas. É hipocrisia afastar as empresas e pior ainda colocar nas costas dos contribuintes o custo das campanhas (financiamento público defendido pelo estatista PT), vedado o patrocínio duplo ou múltiplo, este sim cínico! Ademais, a proibição pura e simples seria facilmente burlada em prejuízo do controle sobre as empresas. É o que prevalece nos EUA.

Temer postula eleições gerais para os Executivos, o Senado e as Casas Legislativas. Eleições de 2 em 2 anos tornam-se onerosas, acrescenta. Defendo que seja como nos EUA. Uma eleição para o Executivo, outra para o Legislativo, alternadas. É salutar. São propostas diferentes e se contrabalaçam.

São tantos os poderes do Poder Executivo que não vejo razão para medidas provisórias com força de lei. Para isso, existe o regime de votação das leis em caráter de urgência urgentíssima. É preciso fortalecer o Poder Legislativo. Mas Temer e Cunha não cuidaram disso.

Temer almeja que a reforma seja votada ainda em 2014 para vigorar em 2022, de modo a evitar a resistência dos interesses imediatistas. Em 2016 teremos eleições para prefeitos e vereadores. Nisso discordo. Penso que dá para vigorar em 2018. Teremos tempo de sobra para nos adaptar. Fora dos esquadros previstos por Temer, nada é factível. Com o apoio do PSDB, do DEM, do PDT, do PTB e do PSD em torno do PMDB, teremos dado o primeiro passo para uma reforma mais ampla no futuro.

No tangente à corrupção, insisto na criação de tribunais específicos nos Estados e na União, com recursos diretos para o STJ (o STF julgaria apenas os presidentes do Poder Legislativo, os ministros, os senadores e o presidente da República). Os ditos tribunais julgariam ações de improbidade administrativa e os crimes, inclusive conexos, dos particulares e funcionários contra as administrações públicas. As penas devem ser decuplicadas. No Brasil - isso precisa acabar - a corrupção compensa.

A proposta de reforma política do PT (lista fechada, financiamento público e plebiscito) foi para a lata de lixo.

18 de fevereiro de 2015
Sacha Calmon, Correio Braziliense

POLÍTICA DO COTIDIANO DO JORNALISTA CLAUDIO HUMBERTO

DILMA ESTÁ INDECISA HÁ 7 MESES SOBRE VAGA NO STF

Apesar da reputação de “gestora” ou “gerentona”, que a propaganda política difunde, Dilma Rousseff já pode ser inscrita no anedotário de presidentes indecisos: até hoje, sete meses depois da aposentadoria de Joaquim Barbosa, não consegue escolher o ocupante da vaga no Supremo Tribunal Federal. A corte funciona com dez ministros desde julho de 2014. Será o quinto ministro indicado por Dilma, em onze.


PRESSÕES
A ideia era escolher quem ajudasse o governo e mensaleiros presos. Mas aí surgiu outro escândalo ainda mais repugnante, o “petrolão”.


PROPOSTA INDECENTE
A oposição acha que a “indecisão” de Dilma tem a ver com a recusa de indicados de assumir compromissos com a impunidade, no “petróleo”.


ELEITORES
Lula, Renan, Sarney, Eduardo Cunha, a cúpula do PT, o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça), enfim, todos têm candidatos ao STF.


OS QUATRO PRIMEIROS

A primeira escolha de Dilma, em 2011, início do governo, foi Luiz Fux. Seguiram-se Rosa Weber, Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso.


PRESIDENTE RECEBE APEX INEFICIENTE E COM MEDO

O ex-presidente da TAM David Barioni assume a presidência da Apex Brasil, agência de promoção das exportações e investimentos, em meio a fortes sintomas de ineficiência. A gestão de Maurício Borges, que Barioni substitui, além de não favorecer as exportações – como atesta o déficit comercial de US$ 4 bilhões em 2014 – ainda implantou um ambiente de medo: é acusado de perseguir e demitir não aliados.


TCU INVESTIGA

O Tribunal de Contas da União (TCU) apura supostas irregularidades que totalizariam R$ 40 milhões nos últimos dois anos na Apex.


TERRA ARRASADA

Borges fez dupla com o diretor de Negócios, Ricardo Santana, no enfraquecimento da Apex e na perda de confiança dos exportadores.


GESTOR

Em seu blog, Ricardo Santana confessa que faliu como empresário, mas se deu “muito bem na vida” após conseguir a boquinha na Apex. Clique aqui para ler.


MUY AMIGO

Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Lula, ex-vice-presidente da Caixa no governo Dilma e filiado ao PMDB, confirmou que no dia 15 de março vai para rua. Engrossará o coro que pede o impeachment de Dilma.


RISCO BAIXO

O ministro Eduardo Braga (Minas e Energia), que ao menos já aprendeu a trocar lâmpadas, desabafou com senadores acusando “consultores que propagam apagão” de prestar serviço ao PSDB e a banqueiros. Diz que o risco de racionamento hoje é de 1,2%.


NO PÁREO

Eleito suplente da Mesa Diretora, Ricardo Izar (PSD-SP) decidiu brigar para se manter no comando do Conselho de Ética. Estão no páreo Sérgio Brito (BA), José Araújo (BA) e Marcos Rogério (PDT-RO).


CABRAL COM MICHEL

Sérgio Cabral garante que não pretende disputar a presidência do PMDB. Acha que está bem entregue a Michel Temer e a Valdir Raupp, presidente interino. O ex-governador diz que o PMDB do Rio os apoia.


JUNTANDO OS CACOS

Leonardo Picciani (RJ) vai procurar Lúcio Vieira Lima (BA) para uma conversa. Após vencê-lo por um voto na briga para pela Liderança do PMDB na Câmara, Picciani quer juntar os cacos da bancada rachada.


BENGALA EM ALTA

Tem apoio da maioria do PMDB na Câmara a PEC da Bengala, que eleva de 70 a 75 anos a idade para aposentadoria de magistrados. A medida impede que Dilma indique quatro ministros para o Supremo Tribunal Federal, nas vagas que seriam abertas durante seu governo.


LADOS DA MOEDA

Enquanto PMDB tenta minar a criação do Partido Liberal, governadores ajudam, na baixa, o projeto de Gilberto Kassab na empreitada. É que o novo partido aumentaria a base aliada de governos estaduais.


JUNTOS NA CAUSA

O vice Michel Temer e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), aparecerão juntos nas inserções de TV do PMDB, que vão ao ar a partir desta terça (17). O conceito é “PMDB, o Brasil é a nossa escolha”


DESMORALIZOU GERAL

O esquema de propina na Petrobras, implantado no governo Lula, desmoralizou até os padrões de corrupção da britânica Rolls-Royce.

18 de fevereiro de 2015

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO

Mais do que nunca, a direção do Partido dos Trabalhadores (PT), acuada por sucessivos escândalos de corrupção, resolveu que o ataque é a melhor defesa - mesmo que isso signifique distribuir caneladas toscas. O partido decidiu atribuir suas agruras, agora oficialmente, a uma trama liderada por seus adversários da "direita". A teoria da conspiração consta da última resolução publicada pelo Diretório Nacional do PT.

Confundindo-se com o próprio Estado, o PT considera que todas as acusações contra o partido visam, na verdade, a desestabilizar o País - e os petistas então convocam a militância a "defender a democracia e as conquistas do povo". Para isso, conforme se lê na mesma frase da resolução, é preciso "denunciar as tentativas de desqualificar a atividade política e de criminalizar o PT".

Não é a primeira vez que o partido se diz vítima de uma campanha que, segundo seu discurso, tem como verdadeiro alvo a classe política em geral. Nem parece o mesmo partido cujo principal líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já se referiu ao Congresso, nos idos de 1993, como o abrigo de "300 picaretas". Mas aqueles eram tempos em que o PT era oposição - orgulhosamente raivosa e sem nenhuma dificuldade para boicotar as verdadeiras conquistas dos brasileiros, como o controle da inflação proporcionado pelo Plano Real.

Agora, após 12 anos na Presidência, o PT parece considerar que nenhuma forma de oposição é aceitável e que qualquer movimento que lhe soe como ameaça à sua permanência no poder só pode ser qualificado como "golpista". A resolução, não por coincidência, usa esse termo e, ato contínuo, propõe um movimento que forme "em torno da reforma política democrática uma vontade majoritária na sociedade".

Que a reforma política é necessária, não há dúvida. Quando proposta pelo PT, no entanto, a tal "reforma" deve ser entendida como uma manobra para facilitar a perpetuação do partido no poder - contra as "elites que não conseguem vencer e nem convencer pelas ideias", conforme diz a resolução.

O cardápio da reforma petista é conhecido. Em primeiro lugar, o partido quer o fim das doações de empresas para campanhas eleitorais. A proposta, em si, é correta, mas, na boca dos dirigentes petistas, ela se presta à mistificação segundo a qual foi esse tipo de financiamento que resultou nos escândalos do mensalão e do petrolão. Nessa lógica de botequim, os políticos (especialmente os do PT) seriam vítimas de um sistema que os corrompe. É uma forma de dizer que o malandro não delinquiu porque é desonesto, mas porque a isso foi levado pelas circunstâncias.

Embora desdenhe do mundo político, a resolução petista "conclama a militância" a articular "partidos, organizações e entidades" para criar "uma força política capaz de ampliar nossa governabilidade para além do Parlamento". Ou seja, como está enfrentando enormes dificuldades no Congresso, o PT quer apelar às ruas para garantir a "governabilidade" - eufemismo para o completo controle petista sobre o processo político e social.

Para conseguir esse objetivo, nada melhor do que inventar um complô da oposição contra a principal estatal e maior empresa do País. A resolução do PT denuncia "as tentativas daqueles que investem contra a Petrobrás" e diz que as seguidas acusações de corrupção envolvendo o partido são fruto da "instrumentalização" das investigações, feitas "de forma fraudulenta", com "objetivos partidários". As denúncias, afirmam os petistas, "pretendem, na verdade, revogar o regime de partilha no pré-sal, destruir a política de conteúdo nacional e, inclusive, privatizar a empresa". Botar em pratos limpos a roubalheira que dilapidou a Petrobrás equivale, portanto, a um crime de lesa-pátria.

Como se vê, é difícil de escolher, na resolução do PT, que parte simboliza melhor as imposturas do partido. Talvez a melhor passagem seja a que diz que o PT "reafirma a disposição firme e inabalável de apoiar o combate à corrupção" e que "qualquer filiado que tiver, de forma comprovada, participado de corrupção deve ser expulso". Os mensaleiros, ovacionados como "guerreiros do povo brasileiro" pela militância petista, que o digam.

18 de fevereiro de 2015
Editorial O EStadão

EFEITOS DA DEMARCAÇÃO

Em março de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim a uma longa batalha judicial a respeito da demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima. A mais alta Corte do País determinou que a demarcação da reserva deveria ser contínua e que os não índios deveriam desocupar imediatamente o local. Quase seis anos depois, os efeitos da decisão do STF no Estado de Roraima são notórios. Conforme reportagem do Estado, a produção agrícola caiu, aumentou o funcionalismo público e cresceram os repasses federais. Ou seja, a região enfraqueceu-se economicamente e está mais dependente da União, trilhando o caminho inverso do que era de esperar.

Alvo de disputa desde os anos 70, a terra indígena Raposa-Serra do Sol foi declarada em 1998 de posse permanente indígena por meio de portaria do Ministério da Justiça, o que desencadeou diversos processos judiciais questionando a decisão. Em 2005, o presidente Lula homologou novamente a reserva, mas a contenda jurídica não cessou. Seria finalizada pelo STF apenas em 2009, quando se estabeleceu que a reserva deveria ser contínua, determinando a saída imediata dos agricultores não indígenas. Ficava assim definido que a população indígena da área - em torno de 20 mil pessoas, na época - teria direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes na reserva, uma área com aproximadamente 1,7 milhão de hectares e perímetro de mil km.

Como era previsível, o Estado de Roraima, que atualmente tem metade da sua área destinada a reservas indígenas, vem sofrendo as consequências da demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol. Com a expulsão dos agricultores, a exportação agrícola do Estado caiu pela metade. Em 2006, a produção agrícola totalizava US$ 16,4 milhões. Em 2013, o valor já não ultrapassava US$ 8 milhões. Essa queda não deixa de ser um reflexo da diminuição da área dedicada à agricultura. Por exemplo, em 2009, 22 mil hectares de terra eram utilizados para a plantação de arroz. Em 2010, eram apenas 9 mil hectares.

Com a diminuição da sua capacidade produtiva, o Estado de Roraima ficou ainda mais dependente do governo federal, necessitando de maiores repasses. Em 2009, os repasses da União foram de R$ 1,8 bilhão. Em 2013, totalizaram R$ 2,4 bilhões.

Com a demarcação, a situação econômica e social de muitas pessoas - índias e não índias - se tornou precária. Não poucos índios se tornaram mendigos. Para alguns comerciantes, a solução foi migrar para a Guiana, como forma de escapar de entraves burocráticos em Roraima. Segundo comerciantes brasileiros instalados na Guiana, ouvidos pela reportagem do Estado, a demarcação da reserva aumentou as exigências burocráticas; por exemplo, a apresentação de documentos de posse de terras para obter crédito e empréstimos no banco. Um servidor público relata também que, "com a saída dos arrozeiros, a cidade perdeu economia. E o contrabando (de gasolina, oriunda da Venezuela) virou meio de vida aqui".

Algumas ONGs internacionais, que tiveram participação expressiva no processo judicial da demarcação de terras contínuas da Raposa-Serra do Sol, continuam atuantes na área e batalhando pela não integração dos índios, já que entendem ser a integração um processo radicalmente desigual. No entanto, para o antropólogo Edward Luz, ex-consultor da Funai, a proposta de muitas das ONGs é um retorno ao passado e, com isso, "povos indígenas brasileiros são impedidos de produzir, explorar as riquezas de suas terras, e passam a viver na miséria. (...) Isso sem falarmos das mulheres, que são submetidas a abusos de toda ordem sem que os homens sejam punidos".

Os desafios da reserva indígena Raposa-Serra do Sol são inúmeros. E levantam sérias dúvidas a respeito da capacidade do Estado, seja em qual esfera for, para resolvê-los. O respeito aos índios vai muito além da demarcação de terras exclusivas, e não necessariamente passa por demarcá-las sempre. Casos complexos dificilmente são resolvidos com soluções únicas predefinidas.

18 de fevereiro de 2015
Editorial O Estadão

50 RISOS PARA GREY

'Cinquenta Tons de Cinza' vale a pena. Mas somente se você, leitor, for a uma sala com adolescentes

Saio de casa para assistir a "Cinquenta Tons de Cinza", fenômeno na Inglaterra e, claro, no globo inteiro. E então imagino: uma sala lotada com centenas de senhoras de meia-idade, dispostas a conhecer o amado Grey que despertou nelas todos os sonhos esquecidos, reprimidos, adormecidos.

Primeiro choque: sábado à tarde e a sala está quase vazia. Segundo choque: o público presente é composto de adolescentes que vieram em grupo para provar a natureza transgressiva da história. Terceiro choque: eu sou provavelmente o espectador mais velho da sala.

A situação exige medidas drásticas. Sento-me junto a duas amigas, tiro o bloco de notas do bolso e depois, sorrindo, ofereço uma desculpa: "Trabalho". Elas sorriem de volta --e murmuram: "Pois, pois". Afundo na cadeira.

O filme vale a pena. Mas somente se você, leitor, for a uma sala com adolescentes. Eles são o coro perfeito para o que sucede na tela: por cada cena de sexo, por cada gemido, por cada açoite --e a gargalhada é geral.

Entendo. Essa é a geração que, na internet, encontra pornografia "hardcore" instantânea e grátis. As cenas "transgressivas" de "Cinquenta Tons de Cinza" são, para eles, brincadeira de crianças. Literalmente.

Uma das amigas, aliás, comentou com a outra: "Parece que estão brincando de médicos e pacientes". Anotei o comentário. O sadomasoquismo do filme é tão perverso que também eu descobri ter começado a praticá-lo ainda na infância. Quando a professora da escola primária usava a régua para corrigir os meus erros de matemática.

Mas de que trata "Cinquenta Tons de Cinza"? Não li o livro. Comprei-o. Dez páginas depois, reparei que passara as últimas cinco com pensamentos intrusivos ("cortar as unhas", "comprar leite", "marcar almoço com"¦"). Desisti.

De modo que: avancei para o filme no mesmo estado da protagonista Anastasia. Em estado virgem.

Esse é o primeiro momento surreal do filme: quando sabemos que Anastasia permanece ignorante em matéria de flores e abelhas. (O segundo momento é quando ela confessa uma paixão literária por Thomas Hardy.)

A inocência dura pouco: depois de conhecer Grey, o milionário propõe-lhe um contrato para que ela seja o seu brinquedo sexual. Não li o contrato, mas passei alguns minutos a fantasiar o que aconteceria se o dito cujo fosse parar no tribunal por não cumprir uma das partes.

Imaginei discussões legais ("segundo o artigo 2º da cláusula 5ª a sra. Anastasia comprometia-se a receber seis chibatadas, e não apenas quatro"¦"), tudo sob o olhar reprovador do juiz. Mas divago.

No fim, Anastasia está cansada das tareias porque ama Grey. E Grey, incapaz de amar, prefere continuar com as tareias. Um clássico: expectativas divergentes sempre foram um veneno nas relações.

De regresso a casa, consulto bibliografia secundária para compreender o apelo que "Cinquenta Tons de Cinza" teve na imaginação feminina. E descubro, em artigos que parecem cópias uns dos outros, que a história virou fenômeno porque incontáveis mulheres suspiravam por homens como Grey: alguém capaz de usar o cinto para muito mais do que simplesmente segurar as calças.

No fundo, a história seria uma denúncia dos machos "flácidos" (digamos assim) que a cultura feminista promoveu. "Dureza" e "firmeza", eis os quesitos básicos para as mulheres do século 21.

Nada a dizer, tudo a respeitar. Mas, se um pouco de violência é aquilo que falta em muitos lares, a única coisa que se lamenta é a falta de comunicação entre os casais. Se o livro contribuir para mais abertura e mais equimoses, substituindo pontos de ruptura por pontos de sutura, a autora E.L. James já terá dado seu contributo para o amor pós-moderno.

Infelizmente, o filme talvez não esteja à altura do livro. Porque olhando para a figura de Grey --para o seu patético embotamento afetivo-- é duvidoso acreditar que aquilo é príncipe que se apresente para qualquer donzela arfante.

Pelo contrário: as suas fragilidades são tão absolutamente efeminadas que nunca sabemos se ele vai entrar em cena de chicote --ou de fraldas.

Fosse eu o autor da história e teria salvado a relação entre Anastasia e Grey. Bastaria que a primeira conquistasse o coração do segundo oferecendo-lhe o conforto de uma chupeta -- mas não é a chupeta que você está pensando.

18 de fevereiro de 2015
João Pereira Coutinho, Folha de SP

O GIGANTE CAI NO SAMBA

Um país sério jamais deixaria passar impune esse escandaloso estelionato eleitoral em curso

Caro leitor, sei que hoje é terça de carnaval, e a última coisa que quero é azedar o seu clima de folião. Tampouco acho que a situação caótica de nossa economia deveria impedir sua diversão. O ser humano tem direito às fugas da dura realidade de vez em quando, e talvez elas fiquem mais prementes à medida que a situação piore. Mas gostaria de trocar dois dedos de prosa com você.

Só o fato de estar lendo esse texto num dia desses demonstra que faz parte da turma preocupada com os rumos de nosso país, buscando mais informação ou reflexão sobre política e economia. Infelizmente, sinto lhe informar que faz parte de uma minoria. Ao menos é o que percebo olhando em volta. A maioria parece estar tranquila, preocupada mais com a sua escola de samba do que com o futuro do Brasil.

Acha que exagero? Nem tanto, nem tanto. Senão, vejamos: nossa economia está prestes a entrar em recessão, a inflação passou de 7% ao ano e não deve cair tão cedo, corremos o risco de apagão mesmo com a conta de luz subindo sem parar, falta água, as empresas pararam de investir e começam a demitir, a gasolina sobe justo quando o petróleo desaba lá fora, os brasileiros estão muito endividados e a taxa de juros só sobe, o dólar se valorizou bastante e não há a menor perspectiva de melhora à frente. E isso foi apenas a parte econômica.

Peço sua vênia para passarmos para a política agora. O “petrolão” já fez o “mensalão” entrar para o rol de crimes de pequenas causas, com suas cifras bilionárias. Nunca antes na história deste país se viu tanta corrupção, e os militantes petistas ainda tentam nos convencer de que isso se deve ao governo que agora investiga mais, como se quem investigasse não fossem as instituições de estado, com o governo criando obstáculos (tentando impedir a CPI, por exemplo).

Uma quadrilha montou o maior esquema de desvio de recursos públicos de nossa história bem diante de nossos olhos, e o que a Operação Lava-Jato trouxe à tona até agora já seria o suficiente para derrubar o governo em qualquer país sério. Mas o PT diz que falar em impeachment é “golpismo”.

Aliás, parêntese: um país sério jamais deixaria passar impune esse escandaloso estelionato eleitoral em curso. Os americanos foram acusados de hipócritas quando quase derrubaram Clinton por conta de uma mentirinha sobre sexo oral, mas o que nossos “intelectuais” antiamericanos não entendem é que aquele povo não tolera a mentira escancarada dessa forma. Fecho o parêntese.

Volto ao “petrolão”: o PT, partido da presidente, está envolvido até o pescoço, e tudo que Dilma faz, quando não está sumida, é repetir que não vai transigir com os “malfeitores”. Enquanto isso, seu partido trata como herói seu tesoureiro, que teria desviado centenas de milhões para irrigar o caixa da campanha dos petistas.

Já o deprimi o bastante? Calma, estimado leitor. Tome um Prozac. Eu espero. Tomou? Então vamos lá: não são “apenas” a economia e a política que vão muito mal; a saúde, a educação, o transporte público e a segurança também. Ou seja, as funções precípuas do Estado, aquelas que supostamente estariam bem atendidas pelos 40% de impostos que pagamos. Que tal a prestação de serviço do governo?

A carga tributária não para de aumentar. O leitor percebeu alguma melhora nessas áreas? Nem eu. Aliás, as estatísticas mostram que pioraram mesmo. O Brasil caiu no ranking do Pisa por exemplo, que mede a qualidade do ensino. O governo importou como se fossem escravos milhares de “médicos” cubanos, mandando bilhões para o ditador Castro. Por acaso o leitor notou um salto de qualidade no SUS? De segurança é melhor nem falar. Começamos o ano com balas “perdidas” encontrando um alvo inocente por dia!

Agora que dei um panorama bem resumido do que vem acontecendo com nosso país nos últimos anos, pergunto: o povo está ou não está tranquilo, ignorando tudo isso? Afinal, milhares tomaram as ruas em junho de 2013, e o pretexto era o aumento de vinte centavos na passagem de ônibus. Hoje vemos a Petrobras dizer que uma firma independente encontrou mais de R$ 60 bilhões de excesso de valor lançado nos ativos da empresa, e fica por isso mesmo. Ou seja, o PT está destruindo a maior estatal do Brasil, e ninguém parece ligar muito. O petróleo é nosso?

Naquela época, antes de os vândalos mascarados dos “black blocs” destruírem as manifestações espontâneas da população, muitos acreditaram que o gigante havia acordado. Não fui tão otimista. E detesto dizer que estava certo em meu ceticismo. O gigante, meu caro, pode até ter acordado, mas resolveu é cair no samba!

18 de fevereiro de 2015
Rodrigo Constantino, o O Globo

DESIQUALDADE EXTREMA

SÃO PAULO - Projeção da ONG britânica Oxfam dá conta de que, em algum momento do ano que vem, a riqueza combinada do 1% mais próspero do mundo superará o patrimônio e a renda dos 99% restantes. É uma ótima estatística para citar, provocar indignação e até para motivar as pessoas a combater a pobreza, mas ela esconde um fenômeno ainda mais interessante, que raramente é destacado: o mundo está deixando de ser um lugar linear.

Até o século 19, por exemplo, um músico recebia pelo número de execuções que fosse capaz de fazer. Sua plateia era limitada ao número de assentos no local de exibição e, se quisesse uns cobres a mais, tinha de fazer apresentações extras. Esse mundo é o que o matemático, filósofo, investidor e polemista Nassim Taleb chama de Mediocristão. Nele as coisas são previsíveis, eventos nunca têm grande impacto e médias e a curva de Gauss são guias eficazes.

Só que o planeta não é mais assim. Vieram indústria fonográfica, computadores e entramos num universo exponencial, o Extremistão. Hoje, um músico pode ficar milionário gravando uma única peça de sucesso. A casa cheia do mundo exponencial já não se restringe à lotação do teatro, mas aos milhões de terrestres que se disponham a baixar a canção. A vida ficou mais difícil para o profissional que não tira a sorte grande. Se ele antes tinha uma reserva de mercado dada pela proximidade física com o ouvinte, agora concorre com todos os músicos do planeta.

No Extremistão, detalhes podem ter impacto gigantesco e a previsibilidade não passa de uma ilusão.

Essa mudança não está restrita à música, atingindo praticamente todas as atividades humanas, da produção cultural aos investimentos. O escritor que acerta na mosca ganha várias vezes mais que a soma de todos os escritores "normais".

Apesar de tudo, acho difícil que as pessoas queiram abandonar o Extremistão para voltar ao Mediocristão.

18 de fevereiro de 2015
Hélio Schwartsman, Folha de SP

A QUALIDADE DO GASTO PÚBLICO

Tomara que as medidas recentemente anunciadas pelo governo efetivamente eliminem parte das distorções

O perfil do gasto público vem se deteriorando acentuadamente. Crescem os gastos correntes (custeio mais transferências) às custas de investimentos. Nos gastos de custeio, que basicamente compreendem a manutenção da máquina pública, o quadro de servidores da União voltou a crescer após redução na década de 90. De 910 mil, em 2002, passamos para 1,2 milhão de funcionários ativos nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em 2014. E hoje o governo paga mais do que o mercado para os seus funcionários, 25% mais do que recebe alguém com a mesma qualificação no setor privado.

Entre as muitas outras distorções nas despesas públicas, estão os gastos excessivos com pensões por morte e o crescimento desenfreado do seguro desemprego, num momento em que se afirma estar o país em situação de pleno emprego. O Brasil gasta 3,2% do PIB com pensões, percentual mais de três vezes superior à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Se conseguirmos, eliminando distorções e privilégios, chegar em 1% como o Japão, isso liberaria recursos suficientes para dobrar o investimento público no país. Nada desprezível. Tomara que as medidas recentemente anunciadas pelo governo efetivamente eliminem parte dessa distorção.

No ano passado a agência de classificação de risco Moody’s revisou a perspectiva de nota do Brasil de estável para negativa. Em 2005, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, apresentou ao ex-presidente Lula a proposta de projeto que previa um crescimento do gasto corrente inferior ao do Produto Interno Bruto (PIB), para permitir aumento dos investimentos. A proposta foi rejeitada pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Recentemente a presidente manifestou a necessidade de se estabelecer um limite para o aumento do gasto público, compatível com o crescimento da economia. Mais ainda, defendeu o aumento do investimento e da produtividade do trabalho como requisitos para um crescimento mais rápido do PIB e dos salários reais, com estabilidade macroeconômica. Sem dúvida, uma esperança de dias melhores.

Na mesma linha, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou serem necessárias e urgentes medidas fiscais para reequilibrar a economia. Destacou a necessidade de “pensar na trajetória do gasto público para não sufocar a economia com dívida ou carga tributária excessiva (...) não adianta tentar criar uma porção de regimes especiais de imposto e fingir que a trajetória do gasto não tem impacto no crescimento da economia”.

Como vimos, o esforço fiscal para atingir a meta de superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 vai depender também de aumento da receita, isto é, de um avanço no bolso do consumidor, e provavelmente de corte nos investimentos. É a sociedade pagando a conta novamente. Recente boletim do Movimento Brasil Eficiente (MBE) afirmava: “A notícia de que a nova equipe pretende fazer o ajuste pelo aumento de impostos é mais do mesmo. Sem uma mudança na política fiscal e tributária, continuaremos perdendo espaço na economia mundial. A sinalização de responder de modo incisivo e direto ao enorme desafio de eficiência na gestão pública, controle de corrupção e desperdício ainda não aconteceu”.

A notícia de que o Tesouro Nacional pretende fazer mudanças importantes no Siafi, convergindo para os padrões das normas internacionais de contabilidade para o setor público, é alvissareira. Disponibiliza uma boa ferramenta para o controle da despesa pública.

Para melhorar efetivamente o gasto, voltamos a reforçar a importância da criação do Conselho de Gestão Fiscal, via regulamentação do artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal. A bancada do MBE no Senado está empenhada nisso. Como bem atesta Marcos Mendes, da Consultoria Legislativa do Senado, “isso permitiria não apenas melhorar a qualidade do gasto público, introduzindo no país uma cultura de avaliação dos gastos, como também permitiria conter a expansão do gasto agregado. Menor carga tributária seria necessária para dar conta de despesas em menor nível. As avaliações de custos e benefícios poderiam ser feitas, inclusive, antes de os projetos serem postos em prática, por meio de avaliação de impacto de proposições em tramitação no Congresso que visem instituir novos gastos, conceder isenções tributárias ou outros tratamentos preferenciais a grupos específicos”. O poder público voltaria a servir ao público.

18 de fevereiro de 2015
Carlos Rodolfo Schneider, O Globo

FORA DA REDE

Um mistério ronda o comércio externo brasileiro. Por que as exportações não vão elevar o PIB, se o real está mais fraco e o mundo vai crescer mais? O ceticismo sobre o impacto positivo do câmbio e do crescimento mundial no comércio vem do fato de o Brasil ter poucos acordos bilaterais, continuar amarrado ao Mercosul e não participar das grandes cadeias mundiais de produção.

O Brasil está fora da rede. Com o sétimo maior PIB nominal do Mundo - até o último ranking divulgado - o Brasil é só o 22º maior exportador. Nossas vendas para o exterior representam apenas 1,3% do total vendido no mundo. A corrente de comércio brasileira é 21% do nosso PIB, o mesmo nível de 10 anos atrás. O Brasil continua sendo um país fechado.

As projeções para 2015 são de estagnação do PIB, com risco de recessão. O consumo está perdendo força, as incertezas suspenderam projetos de investimento. Em pouco mais de três anos, o real perdeu 52% do valor em relação ao dólar. Em janeiro de 2012, a moeda americana valia R$ 1,86, segundo dados do Banco Central. No fechamento da última sexta-feira, foi cotado a R$ 2,83. Essa queda é boa para quem exporta porque torna o produto brasileiro mais barato no exterior. Apesar disso, ninguém espera um grande impulso nas exportações este ano.

- O Brasil tem apenas três acordos bilaterais de comércio firmados, e apenas um está em vigor, com Israel. Tem poucos acordos bilaterais de investimento e poucos tratados que evitam a bitributação entre países. Não faz parte da OCDE e não integra o Centro Internacional para Resolução de Disputas de Investimento. Tudo isso explica por que não vamos conseguir crescer pelo canal das exportações - diz Eduardo Felipe Matias, doutor em direito internacional pela USP e autor de livros sobre globalização, sustentabilidade e comércio internacional.

Os números mostram como o Brasil fez pouco para ampliar sua rede de parceiros comerciais. Ficou acomodado durante o período de alta dos preços das commodities, que agora entraram em fase de declínio. Enquanto tem apenas três acordos bilaterais de comércio, o Chile tem 21; o Peru, 16; México, 13; e a Colômbia, 12, segundo dados de 2013 da OMC.

Há ainda acordos mais amplos, como o firmado por México, Chile, Peru e Colômbia, na Aliança do Pacífico, uma zona de livre comércio entre eles. Em outras partes do mundo, EUA e Europa negociam a Parceria Transatlântica. Além disso, EUA, Japão, Canadá, Austrália, México e Chile, entre outros, negociam a Parceria Transpacífica.

De tratados que evitam a bitributação, reduzindo custos e estimulando a internacionalização de empresas, o Brasil tem 29 fechados. Nenhum deles assinado de 2009 para cá, segundo Eduardo Matias. Não temos tratados com EUA e Alemanha, duas das maiores potências comerciais do mundo. Já a China possui 98, e a Índia, 86. Quando o tema são os acordos bilaterais de investimento, que dão segurança ao investidor estrangeiro, o Brasil também tem ficado para trás. Há apenas 14 assinados, e nenhum ratificado. A China possui 130; a Rússia, 73; e a Índia, 84.

- Os acordos são muito amplos e vão estabelecendo uma rede jurídica que dá proteção e segurança a vários tipos de assuntos, como propriedade intelectual, governança corporativa, movimentação de capitais, sustentabilidade. Estabelecem órgão internacionais de arbitragem. O Brasil não está participando dessas discussões, que definem padrões. Para se inserir nas grandes cadeias mundiais de produção, é preciso estar dentro de certas normas - explicou Matias.

De 2011 a 2014, as exportações brasileiras caíram 12%, de US$ 256 bilhões para US$ 225 bi. O saldo comercial, que já foi de US$ 46 bilhões em 2006, virou déficit de US$ 4 bilhões no ano passado. O período de boom das matérias-primas ficou para trás, com preços menos favoráveis para o minério de ferro e a soja.

Não foi por falta de aviso. Inúmeros especialistas alertaram para a necessidade de negociação de acordos de comércio. O Brasil preferiu esperar pelo sucesso da Rodada Doha, que não veio, aceitar todas as limitações que a Argentina impôs às negociações brasileiras. Hoje, a Argentina está cada vez mais próxima da China, que passou o Brasil no comércio com o nosso vizinho.

É preciso repensar a estratégia comercial do país.

18 de fevereiro de 2015
Míriam Leitão, O Globo

POLÍTICA DO COTIDIANO DO JORNALISTA CLAUDIO HUMBERTO

DILMA NUNCA INVESTIU TÃO POUCO CONTRA CORRUPÇÃO

Dilma reservou apenas R$ 745 mil em “prevenção à corrupção” ao longo de 2014. O montante é o menor aplicado pelo governo federal durante a gestão da petista, e vai em contramão ao “pacto anticorrupção”, lorota que deve ser anunciada nos próximos dias. De acordo com o Portal da Transparência, em quatro anos Dilma destinou mais de R$ 10 milhões ao combate a bandalheiras como o Petrolão.


QUESTÃO DE PRIORIDADE

O valor investido contra corrupção em quatro anos é irrisório comparado aos R$ 65 milhões gastos por Dilma com cartões corporativos em 2014.


QUEDA LIVRE

Em 2012, ações anticorrupção receberam R$ 5,6 milhões. Foi o ano que a era Lula-Dilma mais investiu. O valor caiu pela metade em 2013.


MIGALHAS

Nos anos de 2004 e 2005 do governo Lula, quando começou o assalto à Petrobras, nenhum centavo foi investido na prevenção à corrupção.


ROUBALHEIRA

Dilma sabe que faz mal ao País não combater a corrupção. Segundo estudo da Fiesp, ações corruptas no Brasil consomem até 2,3% do PIB.


ESTATAL PAGA SALÁRIOS SUPERIORES AO TETO DO STF

A estatal EBC, criada no governo Lula, custa caro e entrega pouco. Ou entrega nada: a TV Brasil, “tevê do Lula”, é traço em audiência, mas, sem compromisso com custos ou resultados, a EBC avança no bolso do contribuinte para manter 2.446 pessoas com salários como os R$ 54.102,81 de um “chefe da assessoria” ou R$ 56.072,05 recebidos por superintendente, superiores ao teto de ministro do Supremo Tribunal. Se fosse uma empresa privada, a EBC teria quebrado há muito tempo.


NOVOS MARAJÁS

Na contabilidade da EBC, salários rondam R$ 30 mil e o chefe ganha 47.683,14. E há jornalista recebendo até R$ 51,5 mil mensais.


INCOMPETÊNCIA PREMIADA

Responsáveis pela programação que ninguém vê, segundo pesquisas de audiência, recebem salários que chegam a R$ 28.253,88.


GENEROSIDADE

A EBC tem ótimos locutores, mas os R$ 43.116,97 pagos a alguns nem de longe se veem em empresas líderes de audiência e faturamento.


NOVA CPMI

De plantão em Brasília durante o feriadão de Carnaval, o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), garante haver conseguido 23 assinaturas, das 27 necessárias, para a criação da CPMI da Petrobras.


ADAMS ABRE VANTAGEM

Dois ministros são considerados por Dilma para a vaga de Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal: Luís Inácio Adams (AGU) e José Eduardo Cardozo (Justiça), que perdeu força após a revelação de sua conversa com o advogado de um empreiteiro preso na Lava Jato.


CINCO DO STJ NO PÁREO

Cinco ministros do Superior Tribunal de Justiça estão no páreo para ocupar a vaga de Joaquim Barbosa no STF: Benedito Gonçalves, Luiz Felipe Salomão, Mauro Campbell, Herman Benjamin e Nancy Andrighi.


ABRINDO MÃO DE PRERROGATIVAS

Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e os seis senadores do PSB fazem corpo mole para a criação de nova CPMI da Petrobras. O pretexto é aguardar “manifestação” do Ministério Público Federal.


MAIS UM

Diante da ameaça de criação de oito novos partidos, um grupo de ambientalistas tem procurado parlamentares em busca de apoio para mais um: Partido Nacional dos Direitos dos Animais (Panda).


PROBLEMA DELES

O PSD está rachado sobre integrar a base governista. Para o deputado Índio da Costa (RJ), vice de José Serra em 2010, “pouco importa” se proibirem a fusão do PSD com Partido Liberal, como quer Dilma.


PRIMEIRAS ESCOLHAS

Maior bancada no Senado, o PMDB ficará com a presidência da sua comissão mais importante, a de Constituição e Justiça. Ao PT caberá a comissões de Assuntos Econômicos e de Diretos Humanos.


EM NOME DO PAI

Deputados apelam a tudo por uma Frente Parlamentar para chamar de sua. Dias atrás, um padre – de batina e tudo – abordava suas excelências pedindo assinaturas para criar a “Frente da Família”.


APOCALIPSE

A deputada Erika Kokay (PT-DF) anda muito preocupada com Eduardo Cunha (PMDB): “O País mergulhou nas trevas!”. Quanto ao assalto bilionário à Petrobras, nem uma palavra

18 de fevereiro de 2018

NOTAS POLÍTICAS DA JORNALISTA VERA MAGALHÃES

Ministro na mira

Além de questionar a Comissão de Ética da Presidência sobre os encontros de José Eduardo Cardozo (Justiça) com advogados de empresas investigadas na Operação Lava Jato, a oposição apresentará ainda nesta semana requerimento para que o ministro seja convocado a depor na nova CPI da Petrobras, quando ela for instalada. PSDB, DEM e PPS também querem ter acesso à relação de encontros e telefonemas de Cardozo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Prévia

A oposição quer apurar se Cardozo obteve informações privilegiadas do Ministério Público, em razão de declaração do ministro de que partidos de fora da base aparecerão quando Janot apresentar a lista de políticos envolvidos nos desvios.

Pente-fino
A força-tarefa da Operação Lava Jato pedirá que a Petrobras informe se os estaleiros de Cingapura Jurong e Kepell Fels foram incluídos em carta-convite para a construção de módulos de compressão de gás para seis plataformas do pré-sal.

Sigilo
A Petrobras não divulga quais foram as seis empresas estrangeiras que receberam a carta-convite, depois que as brasileiras investigadas foram impedidas de atuar em novas concorrências.

Sim ou não?
A força-tarefa se baseia em informações de mercado de que os estaleiros estrangeiros, citados na delação premiada de Pedro Barusco como tendo pago propina para obter contratos, receberam a carta-convite.

Para recordar 1
Na delação, o ex-gerente da Petrobras disse que o Kepell Fels pagou US$ 14 milhões em propina para ele e o ex-diretor Renato Duque para entrar em licitação de construção de sondas. Teria pago também US$ 4,3 milhões para o tesoureiro do PT, João Vaccari.

Para recordar 2
O Jurong teria pago, segundo Barusco, US$ 3,3 milhões aos operadores do esquema por outro contrato para fornecer sondas.

Última...
Advogados de empresas investigadas ainda têm esperança de anular a operação, como o STJ fez com a Castelo de Areia, em 2010.

... que morre
Uma tese em estudo seria questionar a extensão das prisões de investigados para obter delações. "A delação é instituto da defesa, não da acusação", sustenta um criminalista.

Blackout
O governo federal realiza nesta quinta-feira licitação para contratar agência de publicidade para produzir dois comerciais de TV para campanha de uso consciente de energia. O pacote, de R$ 1,2 milhão, inclui ainda cinco vídeos para a internet.

Boca fechada
A economia de gastos na Esplanada do Ministério atingiram o adoçante de saquinho, cortado, e o café, cujo volume foi reduzido. "É o governo Ravenna. Todo mundo de dieta", reclama um ministro.

Vai indo...
Vereadores da base de Fernando Haddad querem retardar a aprovação da multa para quem for pego lavando calçadas e carros com água limpa, que já passou pela primeira votação na Câmara Municipal.

... que eu não vou
O grupo pretende convocar audiências públicas antes da segunda votação. Uma ideia é jogar para a Sabesp a responsabilidade pela aplicação da multa e, assim, evitar desgaste para a prefeitura.

Femen
Deputados do PSDB na Assembleia paulista defendem a indicação uma das três mulheres da bancada para ocupar a primeira vice-presidência da Mesa.

Giro 1
O diretório municipal do PT em São Paulo fará, até o fim de março, uma série de encontros em seus diretórios regionais para discutir a renovação do partido.

Giro 2
A sigla quer engajar sua militância na campanha de Haddad à reeleição. O prefeito deve participar do encerramento, em abril.

com BRUNO BOGHOSSIAN e PAULO GAMA

TIROTEIO

"Com a honra e a humildade que tenho de ser senadora pelo meu Estado, lembro o provérbio bíblico: a soberba precede a ruína."

DE KÁTIA ABREU, ministra da Agricultura, sobre Joesley Batista (JBS) ter dito que não poderia se preocupar "com o que pensa uma senadora do Tocantins".

CONTRAPONTO

Deu quorum

A cantora Ivete Sangalo, que emprestou a melodia de "Festa" para a campanha presidencial de Aécio Neves no ano passado, atraiu uma legião de políticos para Votuporanga, interior de São Paulo, onde fez um show nesta terça-feira. Entre os convidados, havia secretários de Geraldo Alckmin, deputados estaduais e prefeitos da região.

Feliz com o grande público, Junior Marão (PSDB), que administra a cidade do noroeste paulista, calculou:

--Tem mais gente aqui hoje do que quando vem o governador ou a presidente...

Depois dos risos, completou:

--E dessa vez é para jogar confete de verdade!

18 de fevereiro de 2015
Vera Magalhães, Folha de SP

CINZAS

O Carnaval acabou e a presidente Dilma Rousseff sai do belo mar da Bahia para mergulhar em dois desafios urgentes que viraram prioridade na lista de problemas gigantescos que ela tem pela frente.

Um é a derrota na flexibilização das regras trabalhistas e previdenciárias no Congresso. Outro é o encontro apimentado entre o ministro da Justiça e o advogado de uma das empreiteiras usadas para financiar a eternização do PT no poder, via Petrobrás.

É próxima de zero a chance de Dilma e de seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, aprovarem na íntegra as mudanças nas pensões por morte, no auxílio-doença, no abono salarial, no seguro-desemprego e no seguro-defeso. E não porque a oposição tenha essa força toda, mas porque a própria base de Dilma - a começar pelo PT - trabalha contra o pacote.

O problema nem está efetivamente nas medidas, alinhavadas na surdina pela equipe econômica petista do primeiro mandato e apenas sendo "lavadas" por Levy, que não teve nenhum problema em assumi-las.

As medidas fazem sentido. Não se pode confundir alhos com bugalhos, nem democracia com democratice, nem direitos com privilégios absurdos. Se a oposição quiser fazer oposição séria e se a base aliada quiser mudanças responsáveis, têm de reconhecer que muita coisa no pacote é necessária.

É importante haver um colchão de proteção para os mais frágeis e para situações específicas, mas há evidentes exageros que favorecem espertalhões e oneram a maioria dos contribuintes. Exemplo caricato: o sujeito de 80 anos casa-se com uma moçoila de 20 e o povo brasileiro tem de pagar pensão eterna para a viúva alegre. Ótimo negócio às nossas custas.

Mas, além de a oposição viver atarantada, a base aliada estar às turras com o Planalto e o PT sacar do populismo em momentos hostis, há outros problemas efetivamente graves atravancando o caminho do pacote de Dilma, previsto para economizar R$ 18 bilhões por ano.

O maior obstáculo é exatamente Dilma: ela esbanjou no ano eleitoral e agora quem paga a conta? E aquele personagem da campanha que acusava a oposição de querer massacrar os pobres e jurava não mexer na legislação trabalhista nem que a vaca tossisse? A novela acabou, caiu a fantasia. Mas o público não esqueceu.

O segundo obstáculo é o PT. Com a imagem arranhada pelo mensalão, pela Petrobrás e pelo governo Dilma, quer salvar a própria pele. Com Lula e o partido fortes, eles aprovavam tudo no Congresso. Com Dilma e o partido ladeira abaixo, fica difícil convencer a opinião pública, a Câmara e o Senado da necessidade de reduzir direitos (mesmo mamatas) de trabalhadores e pensionistas. As perspectivas do pacote não são nada animadoras.

Em relação à conversa entre o ministro José Eduardo Cardozo e o advogado Sérgio Renault, que defende a UTC, empreiteira atolada nos escândalos da Petrobrás: quanto mais o governo e o ministro tentam explicar, pior fica.

Relatada pela Veja e intermediada pelo advogado e ex-deputado do PT Sigmaringa Seixas, a conversa não foi nada edificante para processos republicanos. Cardozo, chefe da Polícia Federal, teria "tranquilizado" os interlocutores, antecipando que tudo começaria a mudar na Operação Lava Jato. Aliviados, eles já tomaram providências. O homem da UTC na cadeia desistiu da delação premiada, que empurraria o PT ainda mais para o fundo do poço e poderia chegar sabe-se lá onde - ou em quem.

E agora? O que vai mudar? Como, onde, por que e para quem?

O carnaval passou e, na Quarta Feira de Cinzas, Dilma continua num mar revolto, cheio de tubarões. Os mais devoradores são justamente o PT, os "aliados" e Sua Excelência, o fato. Com tubarões assim, quem precisa de oposição de dentes afiados?

18 de fevereiro de 2015
Eliane Cantanhede, O Estado de S.Paulo

O GALINHEIRO DE OVOS FABERGÉ

A peça de Eike Batista era falsa, mas o governo vende ilusões, e o contribuinte paga as contas dos grão-duques

Numa de suas operações espetaculosas, a Polícia Federal apreendeu na casa de Eike Batista um ovo do joalheiro Fabergé, o queridinho dos czares russos. Valeria US$ 20 milhões e revelou-se uma cópia barata, daquelas que se compram no eBay por R$ 60. 
Cão danado, todos a ele. Essa seria mais um prova das mistificações megalomaníacas do empresário. 
Problema: não há registro de que Eike tenha dito que aquele ovo era verdadeiro. Era apenas um momento de sonho. Uma pessoa poderia acreditar que ele tinha um Fabergé e sua vida não pioraria. Ferraram-se aqueles que acreditaram no seu império de portos, minas e campos de petróleo. 
Os Fabergé de R$ 60, bem como os pinguins de geladeira e as reproduções da Mona Lisa, não fazem mal a ninguém. O problema é outro, quando se acredita em grandes lorotas empacotadas pela sabedoria de governantes e opiniões de sábios. Eike Batista foi uma delas, mas há outras.

Veja-se o caso do que se chama de polo da indústria naval. Nos últimos 60 anos, os contribuintes brasileiros patrocinaram outros dois. A ideia é banal. Assim como sucedeu com a indústria automobilística, o Brasil poderia produzir navios. Primeiro veio o polo de Juscelino Kubitschek. Quebrou. Depois veio o da ditadura. 
Também quebrou. Com uma diferença: nele, os maganos transformaram seus papéis micados em moedas da privataria. Assim, um banqueiro que poderia ter quebrado investindo em estaleiros trocou o papelório pelo valor de face e comprou a Embraer. Agora está aí o polo do Lula, com suas petrorroubalheiras. 
Nenhum dos três polos navais deu certo porque, ao contrário de projetos similares de Japão, Coreia e Cingapura, no Brasil não se respeitaram metas, prazos ou custos. Uma pessoa pode ter um Fabergé de R$ 60 em casa, mas jamais acreditará que pelo tempos afora se poderá produzir navios que custam mais caro que os do mercado internacional.

Tome-se outro exemplo, noutra área. O governo criou o programa Fundo de Financiamento Estudantil, o Fies. Grande ideia: financia jovens que entram para universidades privadas, como se faz pelo mundo. Mexe pra cá, mexe pra lá, os empréstimos passaram a ser tomados sem fiador, a juros de 3,4% ao ano e entra quem pede. A Viúva paga e os donos das escolas recebem o dinheiro na boca do caixa. 
Uma beleza, o comissariado petista estatizou o financiamento das universidades privadas. Uma faculdade de São Caetano do Sul tinha 27 alunos em 2010, todos pagando suas mensalidades. Hoje tem 1.272 e só quatro pagam do próprio bolso. Essa conta está hoje em R$ 13,4 bilhões. 
O governo propôs duas mudanças singelas: só terão acesso ao Fies os jovens que tiverem conseguido 450 pontos no exame do Enem e as faculdades com bom desempenho. Sucedeu-se uma gritaria. 
Os repórteres José Roberto de Toledo, Paulo Saldaña e Rodrigo Burgarelli informam que, entre 2012 e 2013, o número de estudantes diplomados do setor público cresceu 2%, enquanto no setor privado caiu 7%. Já a evasão dos estudantes beneficiados pelo Fies cresceu 88%. 
Pergunta óbvia: um garoto que abandonou a faculdade vai devolver o empréstimo que tomou sem fiador? Resposta, também óbvia: para o dono da escola, não faz diferença, pois ele já recebeu o dinheiro da Viúva e sabe mexer seus pauzinhos no governo, o grande galinheiro de ovos Fabergé.

18 de fevereiro de 2015
Elio Gaspari, O Globo

LONGA QUARESMA BRASILEIRA

Hoje, quarta-feira de cinzas, é começo da Quaresma, período de penitência, reflexão e jejum em preparação da redenção na Páscoa. A metáfora é útil, mas o Brasil, mergulhado na corrupção e na inépcia, vai precisar de um período mais longo do que 46 dias para pôr a casa em ordem. Será Quaresma talvez de um par de anos. Se tudo der certo.

Não deve caber dúvida de que esta é a maior crise enfrentada pelo Brasil republicano. Episódios precedentes - golpe/revolução de 1930; ameaça de golpe/suicídio de Getúlio Vargas, em 1954; golpe/revolução de 1964; e impeachment de Collor - têm sido mencionados, mas as comparações não são apropriadas. Em nenhum desses episódios a recrudescência e a disseminação de práticas corruptas podem ser comparadas ao petrolão, cuja magnitude, extensão e duração ainda estão sendo investigadas.

É claro que o pacto político pré-1930 era intrinsecamente corrupto, ao impedir automaticamente a alternância do controle político e depender de votos de cabresto e currais eleitorais. Mas apenas replicava a herança pré-republicana. A crise mundial matou o pacto oligárquico.

A desestabilização de Getúlio Vargas em 1954, agravada com o envolvimento palaciano no atentado da Rua Tonelero, baseou-se em acusações de "mar de lama" que nunca foram elucidadas, a menos do patrocínio pelo governo do jornal Última Hora, para fazer frente às críticas da imprensa de oposição.

Em 1964, embora a desestabilização, que levou ao golpe contra o governo João Goulart, tenha incluído acusações relacionadas à corrupção, os fatores dominantes foram o enfrentamento político e a deterioração do desempenho da economia.

Até a corrupção implementada por P.C. Farias e seus comparsas, que teve papel central no impeachment de Fernando Collor, em 1992, envolveu valores quase que ridículos, quando comparados aos mencionados nas confissões dos envolvidos no petrolão.

A constatação da gravidade da crise não deve dar ensejo a propostas intempestivas de correção de rumos. Em particular, as menções ao impeachment da presidente da República, a esta altura da partida, são inoportunas. A principal conquista das últimas décadas foi o retorno ao império da lei no terreno político, com a estabilização da democracia plena. Em eventual debate sobre impeachment, é essencial buscar preservar essa conquista, a despeito de flutuações em índices de popularidade e do descolamento entre discursos eleitorais e políticas de governo.

Argumentos de que a priori não deve haver impeachment porque, caso aprovado, "ateará fogo ao País" são desprezíveis. Se houver razões inequívocas para o impeachment, qual seria a alternativa? Ficarmos mergulhados em verdadeiro "mar de lama"?

Não se deve ter complacência com a apuração de responsabilidades dos vários escalões decisórios relevantes no caso do petrolão. A presidente da República ocupou os cargos de ministra de Minas e Energia, presidente do conselho de administração da Petrobrás, ministra-chefe da Casa Civil e presidente da República, o que torna implausível o seu desconhecimento da "articulação" entre os partidos que compõem a coalizão governista e diretores corruptos. O mesmo se aplica ao seu criador e predecessor, Lula da Silva, cujo envolvimento no processo decisório petista de financiamento de campanhas deve, afinal, ser esclarecido.

Em outra vertente, inépcia não deve ser base para impeachment. Pelo menos se for mantida sob controle. Mas muita inépcia pode requerer interdição. Ao compor sua equipe de governo, Dilma Rousseff reincidiu na seleção de mediocridades, à exceção da estrela solitária de Joaquim Levy. O que esperar de um ministério que reserva assuntos estratégicos para Mangabeira Unger? Será um duro quadriênio.

A tarefa crucial à frente é a reconstrução de coalizão partidária aglutinada em torno de programas, e não do império da propina.

18 de fevereiro de 2015
Marcelo de Paiva Abreu é doutor em economia pela Universidade de Cambridge e professor titular no departamento de Economia da PUC-Rio
O Estadão