Em março de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim a uma longa batalha judicial a respeito da demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima. A mais alta Corte do País determinou que a demarcação da reserva deveria ser contínua e que os não índios deveriam desocupar imediatamente o local. Quase seis anos depois, os efeitos da decisão do STF no Estado de Roraima são notórios. Conforme reportagem do Estado, a produção agrícola caiu, aumentou o funcionalismo público e cresceram os repasses federais. Ou seja, a região enfraqueceu-se economicamente e está mais dependente da União, trilhando o caminho inverso do que era de esperar.
Alvo de disputa desde os anos 70, a terra indígena Raposa-Serra do Sol foi declarada em 1998 de posse permanente indígena por meio de portaria do Ministério da Justiça, o que desencadeou diversos processos judiciais questionando a decisão. Em 2005, o presidente Lula homologou novamente a reserva, mas a contenda jurídica não cessou. Seria finalizada pelo STF apenas em 2009, quando se estabeleceu que a reserva deveria ser contínua, determinando a saída imediata dos agricultores não indígenas. Ficava assim definido que a população indígena da área - em torno de 20 mil pessoas, na época - teria direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes na reserva, uma área com aproximadamente 1,7 milhão de hectares e perímetro de mil km.
Como era previsível, o Estado de Roraima, que atualmente tem metade da sua área destinada a reservas indígenas, vem sofrendo as consequências da demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol. Com a expulsão dos agricultores, a exportação agrícola do Estado caiu pela metade. Em 2006, a produção agrícola totalizava US$ 16,4 milhões. Em 2013, o valor já não ultrapassava US$ 8 milhões. Essa queda não deixa de ser um reflexo da diminuição da área dedicada à agricultura. Por exemplo, em 2009, 22 mil hectares de terra eram utilizados para a plantação de arroz. Em 2010, eram apenas 9 mil hectares.
Com a diminuição da sua capacidade produtiva, o Estado de Roraima ficou ainda mais dependente do governo federal, necessitando de maiores repasses. Em 2009, os repasses da União foram de R$ 1,8 bilhão. Em 2013, totalizaram R$ 2,4 bilhões.
Com a demarcação, a situação econômica e social de muitas pessoas - índias e não índias - se tornou precária. Não poucos índios se tornaram mendigos. Para alguns comerciantes, a solução foi migrar para a Guiana, como forma de escapar de entraves burocráticos em Roraima. Segundo comerciantes brasileiros instalados na Guiana, ouvidos pela reportagem do Estado, a demarcação da reserva aumentou as exigências burocráticas; por exemplo, a apresentação de documentos de posse de terras para obter crédito e empréstimos no banco. Um servidor público relata também que, "com a saída dos arrozeiros, a cidade perdeu economia. E o contrabando (de gasolina, oriunda da Venezuela) virou meio de vida aqui".
Algumas ONGs internacionais, que tiveram participação expressiva no processo judicial da demarcação de terras contínuas da Raposa-Serra do Sol, continuam atuantes na área e batalhando pela não integração dos índios, já que entendem ser a integração um processo radicalmente desigual. No entanto, para o antropólogo Edward Luz, ex-consultor da Funai, a proposta de muitas das ONGs é um retorno ao passado e, com isso, "povos indígenas brasileiros são impedidos de produzir, explorar as riquezas de suas terras, e passam a viver na miséria. (...) Isso sem falarmos das mulheres, que são submetidas a abusos de toda ordem sem que os homens sejam punidos".
Os desafios da reserva indígena Raposa-Serra do Sol são inúmeros. E levantam sérias dúvidas a respeito da capacidade do Estado, seja em qual esfera for, para resolvê-los. O respeito aos índios vai muito além da demarcação de terras exclusivas, e não necessariamente passa por demarcá-las sempre. Casos complexos dificilmente são resolvidos com soluções únicas predefinidas.
18 de fevereiro de 2015
Editorial O Estadão
Alvo de disputa desde os anos 70, a terra indígena Raposa-Serra do Sol foi declarada em 1998 de posse permanente indígena por meio de portaria do Ministério da Justiça, o que desencadeou diversos processos judiciais questionando a decisão. Em 2005, o presidente Lula homologou novamente a reserva, mas a contenda jurídica não cessou. Seria finalizada pelo STF apenas em 2009, quando se estabeleceu que a reserva deveria ser contínua, determinando a saída imediata dos agricultores não indígenas. Ficava assim definido que a população indígena da área - em torno de 20 mil pessoas, na época - teria direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes na reserva, uma área com aproximadamente 1,7 milhão de hectares e perímetro de mil km.
Como era previsível, o Estado de Roraima, que atualmente tem metade da sua área destinada a reservas indígenas, vem sofrendo as consequências da demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol. Com a expulsão dos agricultores, a exportação agrícola do Estado caiu pela metade. Em 2006, a produção agrícola totalizava US$ 16,4 milhões. Em 2013, o valor já não ultrapassava US$ 8 milhões. Essa queda não deixa de ser um reflexo da diminuição da área dedicada à agricultura. Por exemplo, em 2009, 22 mil hectares de terra eram utilizados para a plantação de arroz. Em 2010, eram apenas 9 mil hectares.
Com a diminuição da sua capacidade produtiva, o Estado de Roraima ficou ainda mais dependente do governo federal, necessitando de maiores repasses. Em 2009, os repasses da União foram de R$ 1,8 bilhão. Em 2013, totalizaram R$ 2,4 bilhões.
Com a demarcação, a situação econômica e social de muitas pessoas - índias e não índias - se tornou precária. Não poucos índios se tornaram mendigos. Para alguns comerciantes, a solução foi migrar para a Guiana, como forma de escapar de entraves burocráticos em Roraima. Segundo comerciantes brasileiros instalados na Guiana, ouvidos pela reportagem do Estado, a demarcação da reserva aumentou as exigências burocráticas; por exemplo, a apresentação de documentos de posse de terras para obter crédito e empréstimos no banco. Um servidor público relata também que, "com a saída dos arrozeiros, a cidade perdeu economia. E o contrabando (de gasolina, oriunda da Venezuela) virou meio de vida aqui".
Algumas ONGs internacionais, que tiveram participação expressiva no processo judicial da demarcação de terras contínuas da Raposa-Serra do Sol, continuam atuantes na área e batalhando pela não integração dos índios, já que entendem ser a integração um processo radicalmente desigual. No entanto, para o antropólogo Edward Luz, ex-consultor da Funai, a proposta de muitas das ONGs é um retorno ao passado e, com isso, "povos indígenas brasileiros são impedidos de produzir, explorar as riquezas de suas terras, e passam a viver na miséria. (...) Isso sem falarmos das mulheres, que são submetidas a abusos de toda ordem sem que os homens sejam punidos".
Os desafios da reserva indígena Raposa-Serra do Sol são inúmeros. E levantam sérias dúvidas a respeito da capacidade do Estado, seja em qual esfera for, para resolvê-los. O respeito aos índios vai muito além da demarcação de terras exclusivas, e não necessariamente passa por demarcá-las sempre. Casos complexos dificilmente são resolvidos com soluções únicas predefinidas.
18 de fevereiro de 2015
Editorial O Estadão
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