Prefeitos de cidades litorâneas francesas estão proibindo o uso do burkini, um traje de banho que cobre praticamente todo o corpo e é bastante utilizado por muçulmanas mais observantes. Já são pelo menos três os alcaides que adotaram essa medida nos últimos dias.
A França é reincidente nessa matéria. Uma lei nacional já banira, em 2004, o uso de símbolos religiosos ostensivos em escolas públicas. Embora a norma não o explicite, o alvo da proibição eram os véus muçulmanos. Em 2010, uma nova lei vetou o uso, em todos os espaços públicos, de qualquer adereço que esconda o rosto da pessoa. Camuflada sob a preocupação com a segurança, estava a proscrição da burca e do niqab, trajes adotados pelas muçulmanas que seguem orientações mais rígidas.
Não tenho nenhuma simpatia por religiões em geral, muito menos pelas que oprimem as mulheres. Diria até que sou fã do zelo com o qual os franceses cultivam a laicidade do Estado, mas sua posição em relação os véus me parece despropositada.
Se é verdade que muitas mulheres se cobrem por imposição de seus pais, maridos e de uma cultura no geral misógina, é forçoso reconhecer que existem ao menos alguns casos em que elas o fazem de livre e espontânea vontade. Não são poucas as muçulmanas criadas na França, detentoras de títulos universitários, expostas ao liberalismo ocidental que optam por usar o véu. Proibi-las de fazê-lo lembra a posição dos conservadores que, nos anos 60, queriam banir a minissaia e o biquíni.
O que está em questão é a própria função do Estado. Se você acha que ele tem a missão de formar o melhor cidadão possível —o que quer que isso signifique—, pode simpatizar com a posição dos franceses. Se, por outro lado, pensa que o poder público deve limitar-se a criar um ambiente em que os cidadãos possam perseguir a vida que preferirem, deve, como eu, rejeitar o veto ao burkini.
19 de agosto de 2016
Hélio Schwartsman, Folha de SP
A França é reincidente nessa matéria. Uma lei nacional já banira, em 2004, o uso de símbolos religiosos ostensivos em escolas públicas. Embora a norma não o explicite, o alvo da proibição eram os véus muçulmanos. Em 2010, uma nova lei vetou o uso, em todos os espaços públicos, de qualquer adereço que esconda o rosto da pessoa. Camuflada sob a preocupação com a segurança, estava a proscrição da burca e do niqab, trajes adotados pelas muçulmanas que seguem orientações mais rígidas.
Não tenho nenhuma simpatia por religiões em geral, muito menos pelas que oprimem as mulheres. Diria até que sou fã do zelo com o qual os franceses cultivam a laicidade do Estado, mas sua posição em relação os véus me parece despropositada.
Se é verdade que muitas mulheres se cobrem por imposição de seus pais, maridos e de uma cultura no geral misógina, é forçoso reconhecer que existem ao menos alguns casos em que elas o fazem de livre e espontânea vontade. Não são poucas as muçulmanas criadas na França, detentoras de títulos universitários, expostas ao liberalismo ocidental que optam por usar o véu. Proibi-las de fazê-lo lembra a posição dos conservadores que, nos anos 60, queriam banir a minissaia e o biquíni.
O que está em questão é a própria função do Estado. Se você acha que ele tem a missão de formar o melhor cidadão possível —o que quer que isso signifique—, pode simpatizar com a posição dos franceses. Se, por outro lado, pensa que o poder público deve limitar-se a criar um ambiente em que os cidadãos possam perseguir a vida que preferirem, deve, como eu, rejeitar o veto ao burkini.
19 de agosto de 2016
Hélio Schwartsman, Folha de SP