"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 25 de maio de 2014

O REGIME MILITAR DE 64 É A MULETA MORAL DOS INTELECTUAIS

 
 Paulo Cumplice de Genocídio Freire
Eles o acusam de todos os crimes para melhor acobertarem os próprios - José Maria e Silva 

"A revolução é biófila, é criadora de vida, ainda que, para criá-la, seja obrigada a deter vidas que proíbem a vida.” - Paulo Freire, em Pedagogia do Oprimido, defendendo os fuzilamentos sumários comandados por Che Guevara e Fidel Castro
Com quantas vidas se faz uma ditadura? Na belíssima novela de John Boyne, O Menino do Pijama Listrado, essa pergunta é respondida pelo espanto de Bruno, um menino de nove anos. Sempre que ele se surpreende com o mundo do Fúria à sua volta, seus olhos se arregalam, sua boca faz o formato de um O e seus braços caem ao longo do corpo.
A obra, uma elegia à inocência da vida que não sabe da morte, deveria ser lida — e meditada — pelos 3.949 intelectuais que, até agora, assinaram um manifesto contra a Folha de S. Paulo, repudiando o editorial “Limites a Chávez”, publicado em 17 de fevereiro último, no qual a ditadura militar brasileira é indiretamente chamada de “ditabranda”. O Menino do Pijama Listrado (o livro, não vi o filme) demonstra, metaforicamente, a abissal diferença entre um regime autoritário (circunscrito à esfera política) e um regime totalitário (que permeia todas as instâncias sociais).
Texto completo
As primeiras reações ao editorial da Folha partiram da socióloga Maria Victória Benevides, professora da Faculdade de Educação da USP, e do advogado Fábio Konder Comparato, professor aposentado pela mesma instituição. Esquecendo-se que a universidade que representam arrasta até hoje um cadáver insepulto (o do estudante de medicina morto num trote em 1999), Benevides e Comparato encenaram uma indignação que jamais sentiram diante das quase 100 mil mortes perpetradas pela Trindade Cubana (Fidel, Guevara e Raúl Castro) — 17 mil na boca dos fuzis, em execuções sumárias, e 80 mil nos dentes dos tubarões, em fuga para os Estados Unidos. Como a Folha de S. Paulo chamou a atenção para essa dúbia moral de Benevides e Comparato, lembrando que eles jamais protestaram contra a ditadura cubana, os dois intocáveis uspianos se sentiram feridos e, em resposta, fizeram o que os intelectuais de esquerda mais sabem fazer quando são pegos sem argumentos — conclamaram o rebanho para um manifesto.

O inefável Antonio Candido, decano dos intelectuais de esquerda, encabeça o repúdio à Folha, que também conta com figuras como o indefectível Emir Sader, intelectual que, diante de Che Guevara, cai de joelhos por terra, parafraseando a missa: “Guevara, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e serei salvo”. Quem duvida que Emir Sader é capaz dessa oração diante do guerrilheiro argentino, leia o que ele escreveu num artigo publicado em Carta Maior: “Não vou gastar palavras inúteis para falar do Che. Basta reproduzir algumas das suas frases, que selecionei para o livro Sem Perder a Ternura”. Também diante de Marx e Fidel, Sader emudece: “O que falar de Marx que permaneça à sua altura? O que escrever sobre Fidel?”

Se o ensino superior no Brasil, público e privado, não fosse mero aparelho ideológico da esquerda, Emir Sader jamais teria virado doutor em ciência política pela USP e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de orientador de teses e dissertações. Sem dúvida, estaria até hoje tentando passar no vestibular e sendo reprovado sempre, por não ter argumentos para retratar personagens da história. Que universidade isenta aceitaria um aluno que, ao ouvir falar de Marx, Guevara e Fidel, não fosse capaz de articular uma só palavra e se comportasse feito os silvícolas do Anhangüera, embriagado pelo álcool incandescente da revolução? Já imaginaram se um intelectual de “direita” dissesse não ter palavras diante de Karl Popper? Seria acusado de ignorante e charlatão. Emir Sader é um paradigma da universidade brasileira. Ele é a prova cabal de que, por trás da cantilena de “produção do conhecimento”, o que há nos mestrados e doutorados do país é uma usina de produção de marxismo e derivados.

Estou plenamente convicto de que a universidade brasileira não é solução para nada — ela é parte essencial do problema. As principais mazelas do Brasil são fomentadas artificialmente pela universidade, que, desde a década de 50, na ânsia de criar um novo mundo, especializou-se em destruir o existente. Isso fica muito claro quando se estuda a origem social dos guerrilheiros que pegaram em armas contra o regime militar. Eles vieram, em sua maioria, das universidades. Não tinham o menor apoio popular. Como é que o povo podia apoiar um bando de tresloucados que, de arma em punho, pregavam a derrubada de uma ditadura imaginária? Porque até o final de 1968, com a edição do AI-5, só havia ditadura na imaginação dos universitários.

Foi exatamente durante os propalados “Anos de Chumbo” que o Brasil viveu uma das maiores efervescências culturais de sua história, com os festivais, a imprensa alternativa, a Tropicália, o Cinema Novo, Chico e Vandré, Caetano e Gil. Ao contrário de Cuba, onde Chico Buarque seria fuzilado ou condenado a 20 anos de prisão se falasse mal de Fidel Castro, no Brasil, o máximo que lhe aconteceu foi ser admoestado pelos militares, o que lhe garante até hoje uma conta bancária maior do que seu indiscutível talento. Num ambiente assim, existe alguma razão plausível para se pegar em arma ou até para se perpetrarem atentados terroristas, como fizeram muitos grupos guerrilheiros?
Obviamente, não. Em toda guerra, os primeiros sacrificados são os inocentes, portanto, a opção pela luta armada para derrubar um regime só se justifica quando esse regime é sanguinário e opressivo, incidindo sobre toda a vida social e não apenas sobre a esfera política. Era o que acontecia na terra do Menino do Pijama Listrado, daí o Levante do Beco de Varsóvia, em 1943, quando judeus desesperados — não tendo senão uma morte horrenda como alternativa — preferiram abreviar a vida numa luta suicida contra as tropas nazistas.

Mas esse não era o caso do Brasil dos militares. Aqui, os guerrilheiros eram homens e mulheres bem nascidos que, por puro espírito de aventura, jogavam fora o futuro como médicos, engenheiros e advogados e se arvoravam a libertadores da pátria, sem notar que a maioria esmagadora da população — provavelmente mais de 90 por cento — não se sentia oprimida nem pedia para ser libertada. Pelo contrário, o regime instalado em 1964 teve forte apoio popular e quando começou a ser repudiado nas urnas, em 1974, com a expressiva vitória do velho MDB, esse repúdio era mais de caráter econômico que político. A inflação estava recomeçando e os pobres votaram contra a “carestia”, que é como chamavam a inflação na época.

Já escrevi repetidas vezes, mas a ocasião me obriga a escrever de novo: quem acha que no Brasil houve uma ditadura sanguinária, totalitária, nos moldes nazistas (é essa a visão que se tem dos militares nas escolas) deve ler Pedagogia do Oprimido, o panfleto de auto-ajuda marxista do pedagogo Paulo Freire. Esse livro — que faz uma defesa explícita da luta armada e santifica Che Guevara, Fidel Castro e Mao Tsé-Tung — foi publicado em pleno ano de 1970, no Rio de Janeiro, pela Editora Paz e Terra, ligada aos padres da Teologia da Libertação. Em 1981, Pedagogia do Oprimido já estava na 10ª edição. Um verdadeiro best-seller, levando em conta que não é um livro comercial e o Brasil tinha muito menos estudantes universitários do que tem hoje. Ora, se o regime militar foi o período “mais sombrio da nossa história”, como dizem os intelectuais de esquerda, como se explica o sucesso editorial de uma obra que o combatia? Em Havana seria possível publicar um livro do gênero contra Fidel Castro, o santo fardado de Buarques e Sáderes?

Mas nem é preciso recorrer à ditadura cubana para demonstrar que os intelectuais brasileiros mentem descaradamente quando dizem que o regime militar de 64 foi uma ditadura sanguinária. A própria história recente do Brasil — contada mentirosamente por eles — mostra a contradição em que incorrem. É só comparar a “Revolução de 30” com a “Ditadura Militar” (ponho as expressões entre aspas para remeter ao modo como os dois períodos costumam ser chamados nos livros de história). Qual a diferença entre os dois períodos? A rigor, nenhuma. Salvo o fato de que Getúlio Vargas era um ditador civil, obviamente apoiado por militares, porque toda ditadura precisa de armas.
Sob o ponto de vista da repressão, Vargas foi muito pior do que os militares. O seu período, sim, foi literalmente “anos de chumbo”. Enquanto os militares procuraram preservar as instituições, garantindo eleições legislativas e a independência do Judiciário, Vargas centralizou todos os poderes em suas mãos, destituindo governadores e nomeando interventores em seu lugar. São Paulo se rebelou, na chamada Revolução Constitucionalista de 32, e Vargas bombardeou o Estado — o episódio mais sangrento da história brasileira no século passado, apesar de ofuscado pela preferência dos intelectuais pela Guerrilha do Araguaia. Todavia, mesmo quem não pegava em armas, não ficava ileso. O escritor Graciliano Ramos, individualista nato, incapaz de arregimentar qualquer movimento político, acabou sendo preso durante quase um ano, num presídio comum, sem julgamento. Seu único crime: escrever o romance São Bernardo, entre outros escritos tidos como comunistas. Bem que merecia, mas não teve indenização alguma pelo arbítrio de que foi vítima. Ao contrário dos fanfarrões que pegaram em armas contra os militares, o Velho Graça tinha vergonha na cara.

Se a sanguinária ditadura de Getúlio Vargas merece, nos livros de história, o epíteto de “Revolução de 30” (justificadamente, por sinal), por que os governos militares não podem ser chamados de “Revolução de 64”, levando em conta que também mudaram a face do Brasil? Vargas já era ditador desde o início de seu governo, antes mesmo da implantação do Estado Novo, em 1937, quando a tresloucada Intentona Comunista de 35 levou ao recrudescimento do regime. Já os militares só foram verdadeiramente ditadores a partir de 12 de dezembro de 1968, quando editaram o AI-5, obrigados pelos atos de terror da esquerda armada, treinada e financiada por Fidel Castro e abençoada por intelectuais como Paulo Freire. Mesmo assim, foi uma ditadura cirúrgica, circunscrita aos inimigos declarados do regime. Tanto que não chegou a matar nem 500 pessoas, como reconhecem os próprios autores de esquerda nos balanços que fizeram do período. As vítimas inocentes, em sua maioria, tombaram por terem sido usadas como escudo pelos adversários do regime.

Um dos argumentos de Maria Victoria Benevides para criticar o editorial da Folha é que não se mede ditadura com estatísticas: “Quando se trata de violação de direitos humanos, a medida é uma só: a dignidade de cada um e de todos, sem comparar ‘importâncias’ e estatísticas”. Em artigo publicado, na terça-feira, 24, o jornalista Fernando de Barros e Silva, editor de Brasil da Folha, corrobora a tese da socióloga: “Algumas matam mais, outras menos, mas toda ditadura é igualmente repugnante. Devemos agora contar cadáveres para medir níveis de afabilidade ou criar algum ranking entre regimes bárbaros?” Claro que devemos — respondo eu. Todo crime só se iguala em repugnância para aquele que é sua vítima, mas para quem o analisa de fora, especialmente se esse alguém for um historiador, há uma enorme diferença entre matar 100 pessoas ou matar 100 mil. Se Hitler tivesse matado apenas uma centena de judeus, o nazismo seria a encarnação do mal no imaginário do mundo contemporâneo?

Só não vê que ditadura também se mede com estatísticas aqueles que têm medo dos números. Ao ver que nenhuma ditadura capitalista até hoje conseguiu igualar os mais de 100 milhões de mortos do comunismo no mundo, a esquerda inventou esse argumento falacioso de que uma só morte perpetrada por uma ditadura diminui toda a humanidade, como se o homem-massa da revolução marxista tivesse lugar na poesia metafísica de John Donne. Justamente a esquerda, que não faz conta do individuo de carne e osso, só da massa de manobra da revolução. O regime militar não apenas matou muito menos gente do que outros regimes autoritários — também foi capaz de criar um modelo de ditadura que deveria ser exportado. Toda ditadura costuma ser encarnada por um homem só, que se torna escravo do poder que concentra, perdendo inclusive os freios morais. Daí a profusão de ditadores sádicos, pessoalmente sedentos de sangue humano.

No Brasil isso não ocorreu. Os militares criaram uma espécie de ditadura institucional, em que o poder não era encarnado por nenhum homem, mas pela instituição — as Forças Armadas. Nem o principio federativo foi quebrado num primeiro momento, como ocorreu de imediato com a ditadura de Getúlio Vargas. Antes do recrudescimento da luta armada, ainda houve eleição para governadores e, mesmo depois que elas foram suspensas, o legislativo continuou funcionando. Essa quase normalidade institucional propiciou até o surgimento e fortalecimento de uma oposição que jamais houvera em toda a história do Brasil — a oposição institucional, criada e mantida pelas próprias entranhas do Estado.

Boa parte do chamado movimento social — que hoje alimenta o PT e demais partidos de esquerda — começou a ser construído graças a esse processo de institucionalização do país gestado pelos militares. Começando pelas próprias universidades federais — cobras a quem os militares deram asas. A Reforma Universitária feita pelos militares em 1968 profissionalizou o ensino superior no país, instituindo antigas reivindicações da própria comunidade acadêmica, como dedicação exclusiva de docentes, introdução de vestibular unificado e implantação de mestrados e doutorados. Valendo-se dessa estrutura, os intelectuais de esquerda se infiltraram nas universidades e, a partir delas, forjaram em todo o país um movimento social de proveta, destinado não a resolver problemas, mas a fomentá-los.

Um exemplo são os quase 50 mil homicídios que ocorrem anualmente no país. Eles decorrem, em grande parte, da irresponsabilidade doentia dos intelectuais brasileiros, que, à força de pressionar o Congresso Nacional, levaram à completa lassidão das leis penais, hoje irreversível, já que a mentalidade pueril da esquerda parece ter contaminado até os ministros do Supremo. Não é a toa que o ministro Gilmar Mendes deixa entrever que, a qualquer momento, pode soltar nas ruas 189 mil dos cerca de 440 mil presos do país, muitos deles homicidas e estupradores. Aí, sim, teremos um verdadeiro genocídio da população indefesa, em parte porque a esquerda, com o objetivo de demonizar os militares, transformou o falacioso conceito de direitos humanos num dogma divino. Como se vê, a criminalização paranóica dos militares só atende a um objetivo — esconder que os intelectuais de esquerda forjaram um país muito pior que o deles.

Publicado no Jornal Opção, de Goiânia, em 1º de março de 2009.
 
25 de maio de 2014
in A verdade sufocada

O MOVIMENTO DE 31 DE MARÇO DE 1964: UMA VISÃO

  
“Profeta é aquele que revela o reverso da trama”

A intervenção militar no cenário político-institucional brasileiro, em 1964, foi mais do que oportuna. Foi necessária.
O País, no âmbito interno, deslizava rapidamente para aquelas condições objetivas que levam a uma guerra civil, provocada pelo choque entre setores de mentalidade conservadora e outros, populares, interessados em reformas sociais e políticas radicais – como a agrária, a urbana, a tributária, a do sistema financeiro, a político eleitoral - cuja concepção de fundo era a utopia marxista.


Externamente, o quadro tornava-se mais complexo a cada momento com a crescente desconfiança do governo americano face aos rumos da política no Brasil, aguçada após a regulamentação da lei de remessa de lucros e de algumas nacionalizações, realizadas ou prometidas. A deterioração institucional concomitante a tudo isto serviria ao objetivo da tomada do poder por uma coligação de forças de esquerda, cuja liderança estaria disputada ao Partido Comunista.  

Não seria uma situação inédita na História contemporânea, mas um drama pelo qual já tinham passado e ainda passariam outros países, como a memória faz lembrar a trágica escalada do Vietnam, a crise da República Dominicana, as 300.000 execuções na tentativa de tomada do poder pelos comunistas na Indonésia, as vítimas, aos milhões, das guerras insurrecionais no sudeste da Ásia, notadamente no Cambodja, sob o controle do Khmer Vermelho, liderado por Pol Pot [1925-1998], o que representou cerca de 3 milhões de execuções.

Indubitavelmente, no caso brasileiro, se os revolucionários dessa mesma inspiração lograssem vencer as primeiras escaramuças, haveria a participação de forças dos Estados Unidos, com o objetivo de estabilizar um regime capaz de conter a insurreição. Inútil imaginar filigranas jurídicas: o presidente Lyndon Johnson [1908-1973] não teria dificuldade em dar a ordem, de vez que, por mais de meio século após a II Guerra, nenhum presidente americano solicitou autorização ao Congresso para empregar tropas no exterior. Fizeram-no, sempre, com a prerrogativa de comandantes em chefe das Forças Armadas.
Os americanos estavam, de fato, determinados a interromper o progresso da estratégia soviética no Hemisfério, que era, a partir de um ponto – Cuba, alargar a sua zona de influência para o Sul. Havia da parte americana até mesmo um planejamento de cooperação que se revelaria durante o governo Castelo Branco [1897-1967], que foi de 1964 a 1967, dado o ambiente de grande intimidade entre conselheiros americanos e tecnocratas do governo. Sentiam a conveniência mais do que continental de estabelecer-se aqui uma vitoriosa experiência do regime das liberdades, renascido do caos e da ameaça comunista. Uma nova Coreia seria interessante.

Entretanto, uma das metas do complexo planejamento de operações dos chefes militares de 1964, certamente, era concluir o movimento de intervenção sem qualquer participação de forças estrangeiras, embora essas pudessem representar , no conjunto do cálculo estratégico, uma espécie de “ arma secreta” (um espectro a intimidar) , a ter presença no teatro na hipótese de dificuldades para o movimento militar e o correspondente sucesso inicial das forças da insurreição.

Naqueles dias, as esquerdas radicais tinham tudo pronto para empurrar o presidente João Goulart [1919-1976] para uma aventura de fechamento institucional , seguida de medidas de grande impacto social , reformas que fossem ou não, além de outras que alcançariam o segmento de praças das Forças Armadas ( direito de casar, de votar, de candidatar-se e tomar posse etc), tudo para garantir o engajamento na revolução de setores ainda reticentes.

O imaginário popular estava sendo cuidadosamente preparado por artistas, professores, estudantes, jornalistas, integrantes de sindicatos e das centrais sindicais da época - de trabalhadores urbanos e do campo, e por militantes profissionais de partidos revolucionários. A propaganda e a agitação faziam-se via programas diversos, como o de alfabetização popular, com 20 mil núcleos espalhados pelo país ( o método do professor Paulo Freire [1921-1997] pagou os pecados que não eram nem do método nem de seu autor, que não tratava da preparação insurrecional ), o de cultura popular, a enorme cópia de publicações, jornais populares - distribuídos e não vendidos, livretos muito bem elaborados pelos professores do ISEB ( Instituto Superior de Estudos Brasileiros – uma instituição do MEC que reunia intelectuais liberais, nacionalistas e marxistas) , fartamente distribuídos pelo próprio Ministério em todo o País.

Às vésperas do 31 de março, havia já grupos armados nas organizações radicais de base, mas era algo incipiente, gente sem preparo específico, tanto que houve acidentes com ao menos uma morte na instrução de manejo do armamento. Numa estatal, a fração radical tinha escondido um pequeno arsenal, num local de difícil acesso, que não foi utilizado porque dias antes o Exército lograra localizá-lo, e retirara as armas.

Ainda outro dia, num dos jornais do Rio, um articulista perguntava porque as esquerdas não tinham reagido ao golpe, valendo-se, por exemplo, segundo ele, da infiltração nas Forças Armadas. A resposta ao interessado é que a visibilidade do sucesso da tomada do poder no Brasil pelas esquerdas radicais era tão clara que não imaginavam que lhes surgiria pela frente o gigantesco dispositivo militar das três Forças, com o apoio praticamente total das polícias estaduais, civil e militar. Cabe acrescentar que a intervenção contou com o respaldo da opinião pública brasileira. A vitória do movimento foi saudada com enorme regozijo pela sociedade, que se reuniu em inéditas manifestações nas principais cidades.

Os jornais, nos editoriais e reportagens, comentavam, aliviados, o sucesso da intervenção militar, e do exterior vinham notas de solidariedade e simpatia.
Assim, a vitória do movimento militar, de início, deu-se em dois planos, em ambos afastando ameaças graves e iminentes: internamente, impediu a tomada do poder por forças políticas radicais que se colocavam fora do espaço democrático e, externamente, evitou a participação estrangeira na solução de um conflito social e político interno, com potencial de guerra civil de longa duração.
De tal sorte tinham sido surpreendidos os revolucionários de esquerda em 64, que não foram capazes de qualquer ação política mais significativa senão passados quatro anos, quando fizeram nova estreia da agitação e da propaganda com os movimentos de rua de 1968, embora durante este longo recesso involuntário tenha se ampliado muito a campanha de doutrinação e captação de quadros, sobretudo nos meios educacionais, formando ideologicamente os atores que, após a Conferência Tricontinental de Havana (1966 ) e a criação da OLAS – Organização Latino-americana de Solidariedade viriam a protagonizar as ações em força – assaltos, sequestros, execuções, expropriações , terrorismo etc. No fim da década e até 1974, alguns desses quadros, que se opunham à concepção cubana de “foco”, foram atraídos pela ideia de desenvolver no Brasil algo semelhante à grande marcha que Mao liderara na China, e instalaram “bases de guerrilhas na região de Xambioá-Marabá, ao norte de Goiás e sudeste do Pará”, conforme reza a mensagem do presidente Geisel ao Congresso, em 15 de março de 1975, abrangendo uma área de 7 mil quilômetros quadrados.

Impedia aos militares conter essas ameaças, e eles, sem dúvida, ganharam a guerra no seu elemento – a luta armada -, ao mesmo tempo em que aceleravam a derrota do regime porque, para as hostes revolucionárias, o esforço principal não era, no caso do Brasil, a luta armada, mas a conquista de corações e mentes para uma causa que, àquela altura, não podendo ser genuinamente a deles, fosse algo que lhes permitisse continuar a atuar, a prosseguir no lento trabalho de induzir a progressiva mudança cultural por transliteração de valores, condicionando paulatinamente alterações importantes nos modos de pensar, agir e sentir da sociedade brasileira. A convivência no mundo sócio-político estabelecido não poderia ser um grande problema, de vez que, já em 1960, o V Congresso do Partido Comunista contemplava a conveniência de uma aliança com setores democráticos da burguesia nacional numa frente política comum, que poderia chegar ao poder por via eleitoral, pacífica, com os comunistas integrando-a. Os documentos da época reconheciam o valor para as massas das liberdades garantidas pelo sistema constitucional ( ver o documento “ Balanço da Direção do Comitê Central ao V Congresso do PCB” , fevereiro de 1960 ), enquanto alguns intelectuais dessa corrente, como o filósofo Carlos Nelson Coutinho [1943-2012] , chegavam a afirmar que não era possível o socialismo sem a democracia, e a reconhecê-la como um valor universal compatível com o marxismo ( ver o ensaio “Democracia como um valor universal”, do autor citado, 1979) .

É possível que pensadores da ampla frente política que se formava, cuja motivação era enfrentar o regime militar, tenham compreendido que a oportunidade era valiosa para o desenvolvimento de uma estratégia de alcance mais abrangente, capaz de aprofundar as mudanças psicossociais. Não só restaurar as regras próprias da democracia representativa liberal, mas induzir um liberalismo maiúsculo como forma geral da cultura, um sistema de relativismo moral, capaz de formular objetivos mas não finalidades, via preferencial para uma expressiva pauta de transformações sociais e culturais, que, aliás, tem contribuído para o caráter assimétrico e intransitivo do quadro atual de distribuição de direitos na sociedade brasileira. Deste modo, a adoção da democracia representativa seria uma decorrência necessária e praticamente toda a intelligentzia da ampla frente política passou a sustentar publicamente essa posição. Seria o Estado democrático de direito a grande chave da transformação, com tal sucesso que contra essa bandeira nenhum cidadão se poderia colocar, sob pena de ser acoimado de antidemocrata, fascista ou coisa parecida. Demais, o dito Estado de direito democrático, com suas legitimidades meramente formais, era uma das metas, para países periféricos, dos que lideravam a transformação do mundo, sendo claramente inviável a manutenção de um regime militar de matiz positivista no contexto das mudanças neoliberais do mundo globalizado, então por chegar.

Naturalmente, os que foram às ruas pedir o Estado democrático de direito não sabiam que estavam ali em proveito do que se explicitaria mais tarde como mudanças radicais na ordem econômica, mediante a aplicação no Brasil das recomendações do Consenso de Washington (1989) para as reformas econômicas, aprovadas por organismos do governo americano (US Treasury Dept.) e pelas instituições financeiras internacionais ( Banco Mundial, FMI etc ), que visavam à estabilização monetária e à plenitude do funcionamento do mercado (market fundamentalism ou mercado não social), a saber: privatização de bancos públicos, de empresas estatais e de monopólios públicos produtores de itens de consumo forçado; reformas constitucionais para favorecer interesses econômicos e dar garantia legal à propriedade; liberação da remessa de lucros ao exterior; financiamento privado do déficit público – condição do enorme endividamento interno; liberação da taxa de juro; câmbio flutuante; liberdade aos capitais estrangeiros de qualquer natureza (investimento direto ou portfólio); controle da disciplina fiscal, desregulamentação da atividade econômica e liberação total do comércio, além de outras medidas que vieram no bojo do pacote de ajuste macroeconômico dos organismos multilaterais que aqui foi batizado de Plano Real. As consequências, boas e más, são hoje bem conhecidas, dentre elas, o enfraquecimento do ciclo completo da acumulação capitalista no país, duramente internalizado durante o século XX.

No plano político-institucional fora concebida a mudança possível, neste caso, de caráter liberal, e cabia aos políticos e seus seguidores apregoá-la nas ruas. No plano da cultura política, estavam em intensa atividade os ocupantes dos centros de irradiação de poder e prestígio cultural, como as titularidades das disciplinas acadêmicas, as posições nas redações de jornais e revistas, na produção da televisão , no teatro e no cinema, bem como nos organismos que os financiavam; as posições na rede pública e privada de ensino, nas instituições religiosas, enfim, em todo amplo leque de trabalhos revestidos de relativo prestígio na área cultural, o que possibilitava a distribuição de convencimento político-ideológico destinado a mudar os modos habituais de pensar, agir e sentir da população, começando, é claro, pelos mais jovens. Uma ampla gama de questões sofreu profunda revisão no país nesses últimos 30 anos.
Essa estratégia política revelou-se de um dinamismo extraordinário e a formidável legião de militantes multiplicou-se por toda parte. Nas universidades, nas empresas estatais, nas repartições dos três Poderes, no meio artístico, nas empresas jornalísticas, onde quer que houvesse uma organização política atuando, agora com a colaboração dos retornados do exterior ( nem sempre exilados verdadeiros ) , que traziam títulos de pós-graduação conferidos por seus correligionários instalados em universidades europeias e americanas. Alguns, que chegaram sem tais títulos, obtiveram rapidamente de Conselhos Universitários dóceis o reconhecimento do respectivo notório saber. Em várias universidades o domínio passaria a ser absoluto, cabendo aos discordantes e aos que tinham simpatia pelo regime militar, o silêncio ou o afastamento.

Assim, a campanha de convencimento da sociedade sobre uma série de temas foi empreendida com pertinácia e logrou obter uma relativa transformação intelectual e moral da sociedade pela mudança de valores culturais e das práticas sociais consequentes, introduzindo novos conceitos, novas emoções face à realidade das coisas, a necessidade de novas respostas, conjunto a que denominam alguns “um novo senso comum”. Deste modo, foi-se estabelecendo um desejo de mudança em direção a objetivos integrantes de uma agenda não publicada e nada democrática (porque não espontânea e jamais discutida), bem como foram ganhando o apoio geral certas iniciativas e críticas que, antes, seriam recebidas com estranheza e até repulsa pela população. Os setores desengajados ou discordantes ficaram na chamada “prisão sem grades”, calando-se, uma vez que a divergência teria alto preço em retaliação.

O que poderiam fazer os militares, à época, face a essa manobra? Como lhes seria possível neutralizar essas críticas que apontavam implacavelmente as vulnerabilidades do sistema? Mesmo tendo o controle do Estado, não seria fácil abarcar o vasto mundo da cultura, mormente porque não havia entre os chefes uma vocação transformadora determinante, revolucionária, como a de um Napoleão, que mudou a França e a Europa. Os chefes eram, tantas vezes, personalidades escrupulosas, com clara preferência pela legalidade e sua burocracia. Eram homens de bem que valorizavam o reconhecimento de seus pares, dos concidadãos e dos familiares.
Ninguém queria ser considerado um ditador, um inimigo da democracia, que lhe fosse atribuída pecha deste jaez. Afinal, toda a intervenção militar fora feita precisamente para preservar a democracia ou, ao menos, a sua possibilidade.

Naturalmente, um sistema com contradição tão fundamental não poderia manter- se por muito tempo, menos ainda produzir uma virada histórica eficaz para deter o avanço de propostas políticas formuladas com base na inspiração ideológica dominante na época. Caberia aos setores civis que apoiavam o movimento, e que atuavam nos mesmos meios, reagir à pregação ideológica. Mas a esses faltavam recursos, unidade, imaginação e tenacidade. E os militares, por sua formação e vida segregada, não colecionavam tantos amigos sinceros no grand-monde civil.

Muitos daqueles que se aproximavam, com ou sem sucesso no envolvimento, estavam interessados em negócios – concessões, isenções, licenças e permissões, financiamentos, cargos importantes - vantagens, enfim. Alguns enriqueceram.
O Movimento político-militar de 1964 salvou o Brasil da guerra civil e talvez de uma tragédia ainda maior, como um conflito internacionalizado em seu território.

O regime que se lhe seguiu, introduziu avanços importantes no campo material da sociedade, notadamente na infraestrutura e na administração pública, sonhou com o projeto de potência autárquica, tentou, de modo irresoluto, corrigir o fenômeno histórico da corrupção político-administrativa, mas não foi capaz de passar entusiasmo muito além dos muros dos quartéis.
A História fará justiça aos vários atores do episódio de 1964 e dos períodos seguintes, e constará de suas páginas que os militares brasileiros, apesar das deficiências próprias a toda ação humana, cumpriram com a obrigação que, entendiam eles e grande parte da sociedade, lhes incumbira a Nação brasileira.


Paulo Cesar Milani Guimarães
25 de maio de 2014

*O autor, 72, sociólogo, é Conferencista Emérito da Escola Superior de Guerra, cujo Corpo Permanente integrou por 26 anos.  Dirigiu o Centro de Estudos Estratégicos daquela Casa de Altos Estudos

O QUE PODEMOS ESPERAR DAS DENÚNCIAS CONTRA OS ASSASSINOS DE RUBENS PAIVA?





A impunidade eterna dos torturadores da ditadura militar e seus mandantes foi acordada em pleno regime de exceção.  De um lado estavam os algozes, utilizando a libertação dos presos políticos e a permissão de volta dos exilados como moeda de troca para munirem-se de uma espécie de habeas corpus preventivo, pois sabiam ter cometido os mais hediondos crimes contra a humanidade.  Do outro as vítimas, representadas por uma oposição intimidada e que, ansiosa por virar uma página terrível da nossa História, não mediu o alcance das concessões feitas à tirania. 
Selou-se o pacto num Congresso que várias vezes fora fechado e expurgado, tendo, ademais, a representação popular sido falseada por um verdadeiro arsenal de casuísmos.
É óbvio que um mostrengo político-jurídico desses violenta os preceitos legais das nações civilizadas e contraria as orientações da ONU para países que voltam à civilização depois de surtos de totalitarismo.
 
AUTOANISTIA
 
Revogar a autoanistia dos torturadores seria uma medida imprescindível e urgente em qualquer redemocratização digna deste nome, mas o que ocorreu no Brasil foi uma transição para enganar trouxa, tutelada pelas mesmas forças que moviam os cordéis da ditadura por trás da cortina. As chances de uma ruptura verdadeira acabaram no dia em que foi rejeitada a emenda das diretas-já.
 
Os presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. previsivelmente, não quiseram ou não ousaram mexer nesse vespeiro.
 
Só no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva a revogação da Lei de Anistia foi discutida numa reunião ministerial, mas a corrente dos que temiam espantalhos (encabeçada por Nelson Jobim) prevaleceu.
 
Para salvarem as próprias faces, os ministros vencidos (Paulo Vannuchi e Tarso Genro) apontaram aos cidadãos inconformados o caminho dos tribunais. Era o que restava, pois o Executivo optara pela omissão e o Legislativo se fingia de morto; mas, percebia-se, ilusório. Já naquele agosto de 2008 eu advertia que ficaríamos patinando sem sair do lugar.
 
NO SUPREMO
 
A batalha jurídica realmente terminou quando o Supremo Tribunal Federal, numa das decisões mais estapafúrdias e escabrosas de sua História, decidiu avalizar a anistia extorquida mediante chantagem em 1979. Enquanto viger tal decisão, serão infrutíferos os esforços dos santos guerreiros que, movendo uma espécie de guerrilha jurídica, buscam brechas e atalhos para condenar os dragões da maldade.
 
Quanto muito, conseguem levá-los aos bancos dos réus nas instâncias inferiores, mas eles invariavelmente são e serão inocentados acima, a menos que o STF mude seu entendimento sobre o fulcro da questão. E este, ao que tudo indica, só o fará se e quando a Lei da Anistia for revogada.
 
É, claro, louvável a iniciativa do Ministério Público Federal, de denunciar cinco militares envolvidos na tortura, assassinato e ocultação do cadáver do ex-deputado Rubens Paiva – com base, inclusive, em documentos encontrados no sítio do coronel Paulo Malhães, recentemente assassinado por bandidos comuns.
Mas, se o STF continuar zelando pelo sono dos injustos, a tentativa dará em nada, como das outras vezes.
 
RIOCENTRO
 
Também no Rio de Janeiro, o Grupo de Justiça de Transição do MPF denunciou seis envolvidos no atentado do Riocentro, ação terrorista que causaria um morticínio em larga escala se um dos petardos não  tivesse explodido antes do tempo.
 
A juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal, acertadamente acatou a denúncia, argumentando tratar-se, à luz do Direito Internacional, de um crime contra a humanidade -portanto, imprescritível.
 
Este caso tem uma especificidade que possibilita a abertura de uma exceção à regra da impunidade: os fardados e o civil (um ex-delegado) não estão cobertos pela anistia de agosto de 1979, pois brincaram com fogo em abril de 1981, ao tentarem inibir o processo de redemocratização e o desmonte da engrenagem repressiva dos anos de chumbo.
 
Se nem assim for feita justiça, é melhor darmos uso mais apropriado ao espaço físico dos tribunais – talvez disponibilizando-o para os grupos teatrais, que nele poderão representar suas farsas.

25 de maio de 2014
Celso Lungaretti
Jornal Grito Cidadão

NOTAS AO PÉ DO TEXTO

A esquerda, necessariamente vesga para enxergar os acontecimentos políticos da contra-revolução de 64, não passa pela ingenuidade na análise dos fatos, mas pela cegueira ideológica, pelo fanatismo, pela distorção dos acontecimentos, pela farsa intelectual, de modo a justificar a insurreição contra o Estado de Direito, que ocasionou a resposta militar, ao desafio de transformar o país numa Cuba.
Foca-se apenas a violência da reação à tentativa comuno-fascita de 'montar' uma ditadura de esquerda, agindo com parcialidade na interpretação histórica, ao ocultar a mesma violência que grupos clandestinos praticaram: assassinatos, ações terroristas em espaços públicos, sequestros, assaltos e outros atos criminosos infligidos à sociedade.
Não se trata de defender as atrocidades praticadas - note-se, de ambos os lados - mas de se cobrar coerência histórica, seriedade, honestidade, pressupostos básicos para que se estabeleça a verdade.
A grande farsa da Comissão da Verdade, da discussão da revogação da Anistia, atinge apenas os militares que participaram da contra-revolução em funções de comando, mas silencia e até mesmo gratifica-se os "revolucionários" que apenas queriam devolver a "democracia" ao país.
E todo esse teatro revanchista ocorre exatamente no governo Lula (ou melhor, no desgoverno), legando ao governo seguinte, indicado por ele, a continuação da farsa.
"Anos de chumbo", como denominou a esquerda o movimento contra-revolucionário, tem o respaldo da História, narrada pelos verdadeiros fatos que a desenham.
m.americo









 

UNIVERSIDADES INCITAM ADOLESCENTES A CONVIVER COM DROGADOS


A melhor forma de um jovem se precaver do uso de drogas ainda é seguir a velha receita de seus pais — evitar as más companhias. Mas, para os acadêmicos que defendem a política de redução de danos, o adolescente que se afasta de um drogado é preconceituoso.
Há muitos anos, desde o final da década de 80, o Estado brasileiro adotou, como estratégia de combate às drogas, a política de redução de danos — dogma defendido por boa parte dos intelectuais de todo o mundo, especialmente os que gravitam em torno das universidades francesas. Trata-se de uma estratégia defensável, desde que empreendida com responsabilidade — o que não vem ocorrendo no Brasil. Como afirmei no artigo "A Ciência Viciada", publicado na seção "Tendências/Debates" da Folha de S. Paulo, em 23 de março de 2009, a política de redução de danos adotada no país nada tem de científica e não passa de "entulho ideológico do Maio de 68".
Exemplo disso é cartilha Drogas Psicotrópicas, elaborada pelo Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), da Universidade Federal Paulista (antiga Escola Paulista de Medicina), e referendada pelo próprio Ministério da Saúde. A cartilha começou a ser produzida em 1987, em forma de folhetos. Até 2003, mais de 2 milhões de exemplares já tinham sido distribuídos no país, o que levou o Cebrid a editá-los num opúsculo de 64 páginas, disponível na Internet. Como informa o prefácio da obra, os folhetos têm um caráter "ao mesmo tempo informativo e de prevenção ao abuso das substâncias psicotrópicas" e são "dirigidos ao público em geral, principalmente a estudantes a partir dos 12 anos de idade".
Começa aí o problema. É possível fazer prevenção para crianças e adultos, sobre qualquer assunto, especialmente sobre drogas, valendo-se, para os dois grupos, da mesmíssima linguagem e dos mesmíssimos métodos? Não há nenhuma diferença cognitiva e emocional entre crianças de 12 anos e adultos de 20, 40 ou 60 anos? A experiência de vida de uma criança de 12 anos é a mesma de um adulto de 22, não havendo entre eles nenhuma mudança psicológica fundamental capaz de interferir em sua percepção sobre o mundo, em geral, e sobre as drogas, em particular?
Mesmo no interior de uma faixa etária específica, os diferentes contextos sociais precisam ser levados em conta em qualquer campanha de prevenção. Uma política de prevenção de doenças, por exemplo, jamais poderá ser a mesma em regiões distintas, ainda que os destinatários da campanha tenham a mesma idade. Entre executivos de 40 anos da Bolsa de Valores, o risco das doenças cardíacas fará das caminhadas uma estratégia de prevenção, enquanto entre catadores de caranguejo da mesma idade, a higiene será um dos enfoques principais, para evitar doenças infecciosas.
No caso de uma política de redução de danos, o seu próprio nome determina o que ela deve ser — reduzir danos implica em admitir que os danos já ocorreram. Logo, toda política de redução de danos deve restringir-se ao grupo prejudicado por alguma coisa a fim de que esse prejuízo seja reduzido. A campanha de prevenção do Ministério da Saúde — aberta a todas as pessoas, inclusive crianças da 6ª série do ensino fundamental — vale-se de uma linguagem comum para todos, como se fosse conveniente falar de merla para uma menina de 12 anos que brinca de boneca e tem a proteção dos pais do mesmo modo que se fala de droga para o menino de 12 anos que testemunha a mãe viciada em crack fazendo sexo na sua frente para adquirir a droga.
Só esse grave problema didático já seria mais do que suficiente para invalidar toda a política de redução de danos do Ministério da Saúde. Nos moldes em que é praticada, ela não passa de uma política de indução de danos, uma vez que leva a experiência do drogado — inclusive sua linguagem e seus modos — para pessoas que nunca viram drogas, como a maioria das crianças do ensino fundamental. Ela parte do pressuposto de que toda criança de 12 anos tem acesso a crack e precisa saber como ele funciona — não só os males que causa, mas o prazer que provoca. O que é uma temeridade.
"A campanha de prevenção do Ministério da Saúde vale-se de uma linguagem comum para todos, como se fosse conveniente falar de merla para uma menina de 12 anos que brinca de boneca e tem a proteção dos pais do mesmo modo que se fala de droga para o menino de 12 anos que testemunha a mãe viciada em crack fazendo sexo na sua frente para adquirir a droga"
Desde que o norte-americano David Elkind, discípulo de Piaget, publicou, em 1967, um clássico estudo sobre o egocentrismo na adolescência (retomado em 1978), tornou-se amplamente aceito na psicologia que o adolescente costuma ter um pensamento mágico em relação à vida, que faz com que se considere invulnerável, capaz de se expor a situações de risco sem ser atingido por elas. Daí, por exemplo, os casos de gravidez precoce, que continuam crescendo, por mais que o adolescente seja informado dos riscos de uma relação sexual desprotegida.
O mesmo vale para as drogas, lícitas e ilícitas. Todo aquele que toma sua primeira dose de álcool ou fuma seu primeiro cigarro — geralmente na adolescência, num momento mágico inaugural — jamais consegue se imaginar bêbado ou devastado pelo câncer. Por isso, é uma irresponsabilidade discutir abertamente todo tipo de drogas com crianças e adolescentes, porque não há nenhuma garantia de que a descrição das conseqüências devastadoras do vício será suficiente para sobrepujar a sedução dos efeitos prazerosos do uso. Até mesmo os males causados pelas drogas podem despertar a curiosidade do adolescente, que tende a se fantasiar de herói em situações de perigo e por isso almeja aventuras.
A cartilha Drogas Psicotrópicas não tem esse tipo de preocupação. Ela padece do mal congênito do intelectual moderno: a idéia de que tudo pode ser dito, de qualquer modo, para qualquer pessoa, inclusive crianças. Salvo se o ouvinte ou leitor integrar o rol oficial de excluídos. Nesse caso, é preciso medir palavras, para não ferir sua susceptibilidade. Partindo desse princípio, a cartilha beira a esquizofrenia: ora é vulgar, recorrendo à gíria das bocas-de-fumo; ora é acadêmica, enredando-se em digressões bizantinas. Um exemplo de vulgaridade é o trecho que define o termo psicotrópico:
"Mais complicada é a seguinte palavra: psicotrópico. Percebe-se claramente que é composta de duas outras: psico e trópico. Psico é fácil de se entender, pois é uma palavrinha grega que relaciona-se a nosso psiquismo (o que sentimos, fazemos e pensamos, enfim, o que cada um é). Mas trópico não é, como alguns podem pensar, referente a trópicos, clima tropical e, portanto, nada tem a ver com uso de drogas na praia! A palavra trópico, aqui, se relaciona com o termo tropismo, que significa ter atração por. Então, psicotrópico significa atração pelo psiquismo, e drogas psicotrópicas são aquelas que atuam sobre nosso cérebro, alterando de alguma maneira nosso psiquismo".
Notem o entusiasmo com que o texto se refere a usar droga na praia, chegando a recorrer ao ponto de exclamação, como se fizesse eco ao apitaço dos usuários de maconha em Ipanema. É inegável que a frase exclamativa naturaliza o uso de drogas na praia, o que não é raro nos textos acadêmicos. No artigo "Poder Indisciplina: Os Surpreendentes Rumos da Relação de Poder", publicado no livro Indisciplina na Escola: Alternativas Teóricas e Práticas (Summus Editorial, 1996), organizado por Julio Groppa Aquino, a psicóloga Marlene Guirado, doutora em psicologia escolar pela USP, onde leciona, também se refere aos apitaços dos usuários de maconha nas praias cariocas:
"Se a norma ou a normalização são o objetivo das práticas disciplinares, porque não supor a possibilidade de que se normatize também na resistência? Ilegalismos e ilegalidades até podem ser fruto da disciplinarização. Para exemplificar um desses 'tiros que saem pela culatra', cabe comentar um fato que tem sido noticiado pela imprensa do Brasil neste janeiro de 1996. Verão quente (em todos os sentidos) nas praias cariocas. A polícia (com certeza no discurso oficial) se vê às voltas com o combate às 'ondas de apito' que anunciam a aproximação de policiais, para que os usuários de maconha, sobretudo, possam se safar de serem pegos. Há uma organização difusa de colaboradores na distribuição de apitos na areia. Simpatizantes, usuários e militantes esforçam-se pela causa, pela liberdade de costumes, e, num curioso jogo de esconde-esconde, batalham, dão entrevistas a jornais e revistas e, com isso, naturalizam mais e mais práticas escusas por lei. Nesse clima, é cena quase insólita a entrevista do Chefe da Polícia do Rio de Janeiro à TV, dizendo nervosamente, em meio ao desalinho dos cabelos e da camisa branca, atravessada pelos cinturões pretos de balas: "nós vamos calar a boca desses apitos", ou coisa que o valha. Segmentos da população e polícia insurgem como dois grupos, numa espécie de desafio de viola, pondo no discurso e, portanto legitimando, tanto a ação repressiva quanto a abusiva. Há um acréscimo aí, da divulgação, na mídia, daquilo que sabemos acontece em relativo silencio. Muito mais, certamente, acontece no silêncio midiológico, como as implicações de policiais no trafico mesmo das drogas; não dos apitos."
O artigo de Marlene Guirado trata da indisciplina escolar e baseia-se nas idéias de Michel Foucault, autor, entre outras obras, de Vigiar e Punir. Próxima das pedagogas Áurea Guimarães e Sueli Itman Monteiro, ainda que mais moderada no culto à transgressão, Guirado afirma que "estigmatizar e reprimir", por meio de procedimentos institucionais, "incita as práticas que se quer eliminar ou combater". Recorrendo a Foucault, ela afirma, textualmente, que, em qualquer cenário institucional, "fica difícil caracterizar mocinhos e bandidos". Mas é desmentida por seu próprio texto. Como se percebe na descrição que faz dos "apitaços" em Ipanema, a turma do apito é constituída de idealistas (simpatizantes, usuários, militantes) que lutam pela "liberdade dos costumes", enquanto a polícia carioca é um valhacouto de traficantes de drogas, cujo chefe é um sujeito desalinhado, nervoso, que vocifera ameaças com um cinturão de balas pretas exposto na camisa branca. Releiam a citação de Marlene Guirado e me digam se há alguma dúvida sobre quem estrela o mocinho e quem protagoniza o bandido nessa história de uso de drogas em Ipanema. Por isso, nem é de se estranhar a naturalidade com que o Cebrid trata os que usam drogas nas praias. Pelo texto de Marlene Guirado, escrito em 1996, portanto há 13 anos, percebe-se que a simpatia pelos usuários de droga, especialmente a maconha, não é uma posição pontual deste ou daquele pesquisador — ela tem grande lastro acadêmico, como futuras análises deste blog hão de mostrar.
"A cartilha ensina às crianças a gíria dos usuários de crack. E descreve o prazer proporcionado pela droga por meio de uma analogia indevida: a comparação com o orgasmo. Por acaso, o orgasmo é comum na vida de uma criança de 12 anos para servir de referência para o prazer do crack? Isso é aguçar dupla e criminosamente a curiosidade das crianças"
Mesmo apostando na comunicação como estratégia de prevenção do uso de drogas, os autores da cartilha Drogas Psicotrópicas não são capazes de compreender a ética que marca compulsoriamente a palavra. Todo ato de enunciação é também um ato de escolha e adequação, logo, é um ato moral. "Palavra quando acesa não queima em vão" — ensina o grande poeta maranhense José Chagas (natural da Paraíba e autor de Maré/Memória). Cada contexto exige determinada linguagem, sendo a norma culta da língua — com o vocabulário mais referencial e menos afetivo de sua expressão formal — a que melhor se adéqua ao ambiente escolar. Mas os autores da cartilha não sabem disso, pois, ao mencionar os termos gregos e latinos usados pela medicina na nomenclatura das drogas, afirmam:
"Se alguém achar que palavras complicadas, de origem grega ou latina, tornam a coisa mais séria ou científica (o que é uma grande besteira!), a seguir estão algumas palavras sinônimas".
É como se fosse possível continuar sério, numa aula de educação sexual, substituindo vagina e pênis pelos seus sinônimos de banheiro público, que não ouso escrever aqui. A cartilha faz isso em relação à droga ao trazer para o universo das crianças toda a gíria dos usuários de crack, como "pipada" ou "fissura". O mesmo se dá com todas as outras drogas. Além disso, descreve o prazer proporcionado pelo crack por meio de uma analogia indevida — a comparação com o orgasmo, como se vê neste trecho:
"Além desse 'prazer' indescritível, que muitos comparam a um orgasmo, o crack e merla provocam também um estado de excitação, hiperatividade, insônia, perda de sensação do cansaço, falta de apetite."
Essa cartilha se diz adequada para crianças de 12 anos. Por acaso, nesta idade, o orgasmo já é comum na vida de uma criança para servir de referência para o prazer do crack e da merla? Isso não é aguçar dupla e criminosamente a curiosidade das crianças? Muitos intelectuais vão retrucar que há gravidez na adolescência, sinal de que as crianças estariam tendo orgasmo. Mas esses casos continuam sendo raros na infância, ainda que escabrosos, daí a grande dimensão que alcançam na mídia, dando a impressão de que toda menina de 12 anos namora e faz sexo, devendo trocar a boneca pela camisinha. Bem que o MEC tem feito um esforço nesse sentido, não apenas implantando máquinas automáticas de preservativos nas escolas, mas até mesmo colocando pênis de borracha na mão de meninas de 12 anos. Todavia, a atitude imoral e criminosa do Ministério da Educação — à luz do bom senso, da ética e das leis — não significa que o sexo se tornou o pão nosso de cada dia das crianças, tanto que as filhas das autoridades e dos acadêmicos não são obrigadas a manipular pênis de borracha nas caras e protegidas escolas particulares onde estudam. Essa pedagogia de sex shop só é imposta nas indefesas escolas públicas, que se tornaram aterro sanitário das faculdades de pedagogia.
Mas esse tema da educação sexual será abordado oportunamente. Voltemos à análise da cartilha do Cebrid. Ao afirmar que o consumo de álcool é um costume extremamente antigo, a cartilha frauda a história, como faz quase sempre que trata do passado das drogas:
"Registros arqueológicos revelam que os primeiros indícios sobre o consumo de álcool pelo ser humano datam de aproximadamente 6000 a.C., sendo, portanto, um costume extremamente antigo e que tem persistido por milhares de anos. A noção de álcool como uma substância divina, por exemplo, pode ser encontrada em inúmeros exemplos na mitologia, sendo talvez um dos fatores responsáveis pela manutenção do hábito de beber, ao longo do tempo."
Ora, se a noção de álcool como substância divina foi um dos fatores responsáveis pelo alcoolismo no tempo, então, a prostituição sobreviveu não pelo imperativo biológico que leva homens a desejarem mulheres, mas porque em muitas culturas da Antigüidade havia prostitutas sagradas, o que teria levado os deuses a advogarem em causa própria, impedindo que a chama divina do sexo se apagasse nas águas passadas da história. Parece haver um tom anti-religioso nessa desnecessária associação entre álcool e divindade, perfeitamente dispensável num texto destinado a crianças de 12 anos que, supostamente, tem o objetivo de combater as drogas. As salas de aula são heterogêneas e afirmações do gênero podem suscitar debates desnecessários, capazes de tirar o foco da questão das drogas.
Se um professor resolve trabalhar esse texto com seus alunos, como recomenda o MEC, ele corre o risco se ver enredado numa disputa entre doutrinas, que não conseguirá resolver. Para uma criança evangélica, por exemplo, o alcoolismo jamais pode ser associado a Deus, sendo obra direta da ação do Diabo entre os homens. Se for filha de pais recém-convertidos, fervorosos e de espírito missionário, a criança pode interpretar as antigas mitologias que cultuavam o álcool como religiões do Diabo, trazendo a discussão para o presente e investindo contra as religiões afro-brasileiras que fazem despacho utilizando cachaça. Pode até mesmo acusar os católicos de idolatria, por acreditarem que o vinho se torna sangue divino depois de consagrado pelo sacerdote. E mesmo a criança que não professa religião alguma achará estranha essa associação entre Deus e álcool. Antropologicamente, o homem só pode conceber Deus como perfeito ou esse ser superior não seria Deus. A sede de absoluto é uma sina do homem. Richard Dawkins, por exemplo, não cultua Deus, mas adora a Ciência, em quem deposita uma fé cega. O mesmo ocorre com os arautos da redução de danos, que acreditam até em milagre — a recuperação de todos os drogados, qualquer que seja o grau do seu vício.
"Não é adequado, num texto de prevenção às drogas para crianças, contar que o cientista que fez uma importante descoberta foi comemorá-la num bar. O politicamente correto só vale para o cinema, criticado pelos acadêmicos por mostrar belas atrizes fumando? Uma universidade que persegue até propaganda de leite em pó não pode ser tão desleixada num texto sobre drogas destinado a crianças"
A hipótese de que há um tom anti-religioso no texto — proposital e desnecessário — é corroborada pelo capítulo que trata dos barbitúricos, drogas capazes de reduzir a atividade de determinadas áreas do cérebro, sendo usadas como medicamentos, inclusive no controle da epilepsia. Segundo a tradição, o nome barbitúrico decorre de uma junção entre Bárbara e uréia, já que a substância teria sido descoberta num dia 4 de dezembro, dia de Santa Bárbara, padroeira dos mineiros e artilheiros, que, na Europa, tinham o hábito de comemorar seu dia em bares. O químico alemão Adolf Baeyer, logo depois de sua importante descoberta, foi a um bar e, vendo os mineiros em festa, bebeu com eles e homenageou sua padroeira. Mas a cartilha do Cebrid conta uma história bem diferente:
"Essas drogas foram descobertas no começo do século XX, e diz a história que o químico europeu que fez a síntese de uma delas pela primeira vez — grande descoberta — foi comemorar em um bar. E, lá, encantou-se com uma garçonete, linda moça que se chamava Bárbara. Em um acesso de entusiasmo, nosso cientista resolveu dar ao composto recém-descoberto o nome de barbitúrico".
O relato de que ele teria homenageado uma namorada chamada Bárbara também consta na tradição sobre a origem dos barbitúricos, mas é muito menos forte que a história de sua homenagem à santa. Porém, qualquer que seja a verdade sobre a origem da palavra barbitúrico, uma coisa é certa: um texto destinado a crianças e adolescentes tem de ser até mais cuidadoso do que uma tese de doutorado, porque, na tese, basta não errar cientificamente, já no texto para crianças também é necessário adequar-se à psicologia delas. Logo, não é adequado — num texto de prevenção às drogas para crianças — contar que o cientista que fez uma importante descoberta foi comemorá-la num bar. Ou o politicamente correto só vale para o cinema e a televisão, criticados pelos acadêmicos por mostrar belas atrizes fumando? Uma universidade que persegue até propaganda de leite em pó — a ponto de praticamente extingui-la dos meios de comunicação — não pode ser tão desleixada num texto sobre drogas destinado a crianças.
Como se vê, apenas num pequeno parágrafo da cartilha de redução danos os erros se somam. Os autores erram até a data de descoberta dos barbitúricos. Essas drogas não "foram descobertas no começo do século XX", como diz o texto, mas, como já se afirmou aqui, cerca de 40 anos antes, em 4 de dezembro de 1864, pelo cientista alemão Adolf Baeyer (1835-1917), Prêmio Nobel de Química de 1905. Ou seja, uma cartilha paradidática, patrocinada pelo Ministério da Saúde, com o apoio do Ministério da Educação, comete falhas primárias de informação, errando uma data importante com uma diferença de quase meio século. Se os pesquisadores do Cebrid não foram suficientemente criteriosos para consultar uma enciclopédia antes de escreverem uma cartilha para milhões de alunos do ensino básico, e oferecem informações históricas completamente erradas a respeito da origem de algumas drogas, é óbvio que também podem ter sido negligentes nas informações técnicas a respeito delas.
Os erros da cartilha chegam a ser irônicos. Ao falar dos solventes, o Cebrid conta que, em 1991, uma fábrica de cola do interior do Estado de São Paulo fez ampla campanha publicitária afirmando que finalmente havia fabricado uma cola de sapateiro "que não era tóxica e não produzia vício", porque não continha tolueno. Os autores da cartilha indignam-se: "Essa indústria teve um comportamento reprovável, além de criminoso, já que o produto anunciado ainda continha o solvente n-hexano, sabidamente bastante tóxico".
Ora, como classificar, então, a atitude do próprio Cebrid, que, ao longo da cartilha, fornece o nome de fantasia de todas as drogas vendidas no mercado, exibindo o selinho de copyright no alto de cada marca de cola de sapateiro, como se estivesse fazendo publicidade do produto? Nem o jornalismo revela o nome comercial de medicamento tarja-preta em suas reportagens, para não induzir a automedicação. Mas a cartilha do Cebrid fornece até o nome de fantasia do propoxifeno (substância utilizada como substituto da heroína pelos viciados). E ainda explica para as crianças de escola o modo mais freqüente de usá-lo — através de injeção na veia. E se o adolescente ficar desacorçoado, achando que não poderá comprar essas e outras drogas, por precisar de receita especial, o Cebrid informa: "Algumas farmácias desonestas, para ganhar mais dinheiro, vendem essas substâncias por baixo do pano". A cartilha antecipa até as tendências do mundo das drogas, num tom de quem recomenda aos retrógrados usuários brasileiros a modernidade de usuários de drogas ingleses e norte-americanos:
"Nos Estados Unidos, a metanfetamina (uma anfetamina) tem sido muito consumida na forma fumada em cachimbos, recebendo o nome de 'Ice' (gelo). Outra anfetamina, metilenodioximetanfetamina (MDMA), também conhecida pelo nome de 'êxtase', tem sido uma das drogas com maior aceitação pela juventude inglesa e agora, também, apresenta um consumo crescente nos Estados Unidos."
Notem que a palavra aceitação é completamente absurda ao se falar do consumo de drogas, especialmente numa cartilha destinada a crianças e adolescentes. Quando se fala da aceitação de um produto qualquer pelos consumidores, fala-se de uma relação de livre-arbítrio entre quem compra e quem vende. Por mais que a publicidade seja capaz de influenciar e até condicionar o consumidor, o ato de comprar um perfume, uma roupa, um sapato, é pautada por uma série de atos racionais, previamente acertados, entre comprador e vendedor. Mesmo que se trate de um consumidor impulsivo, ele compra o produto às claras, escolhendo, experimentando e pagando, o que pressupõe um mínimo de decisão da sua parte, mediada por uma série de relações sociais institucionalizadas, que vão desde a fonte de renda necessária para comprar o produto até o Código de Defesa do Consumidor, que lhe permite devolvê-lo, caso não fique satisfeito. Logo, se muitos consumidores, agindo dessa forma, levam para casa o perfume de marca X, pode-se falar que aquele perfume está tendo grande aceitação no mercado, pois ele não se impõe arbitrariamente ao consumidor, precisa ser aceito por eles. Mas não dá para falar de aceitação quando se trata de jovens consumindo drogas numa balada. Quase sempre o jovem experimenta a droga sob a influência de amigos, numa situação em que sua capacidade de refletir encontra-se fortemente inibida. A dança frenética, o som ensurdecedor, a sedução de quem oferece a droga e mais o álcool que costuma antecedê-la são fatores que transformam a droga de produto em fetiche. Logo, não dá para falar que ela é aceita pelo consumidor. Na verdade, é quase imposta já na primeira vez em que ele a consome.
A melhor forma de um jovem se precaver do uso de drogas ainda é seguir a velha receita de seus pais — evitar as más companhias. Mas a cartilha sobre drogas do Cebrid não faz, em nenhum momento, esse tipo de recomendação. É como se o jovem, uma vez dispondo do conhecimento técnico sobre drogas, estivesse apto a evitá-las em qualquer ambiente. Na verdade, usar ou não usar droga é uma decisão muito mais emocional do que racional, tornando o conhecimento ou desconhecimento sobre as substâncias psicotrópicas uma questão secundária. Prova disso é que o uso de drogas sempre foi proporcionalmente maior entre intelectuais do que no restante da população, como mostra qualquer pesquisa atual sobre o assunto. E mesmo o intelectual é levado a consumir drogas por influência do meio, não por decisão racional. Entretanto, afastar-se das más companhias não é mais conselho que se permita às escolas oferecer ao aluno. Pelo contrário, toda pedagogia contemporânea alicerça-se no principio de cabe aos cordeiros reeducar os lobos. Em reportagem da Agência Brasil sobre a epidemia de crack no país, a psicóloga e socióloga Sílvia Ramos, doutora em Saúde Pública pela Fiocruz e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, afirma:
"Os próprios jovens são muito preconceituosos e contribuem para isolar o adolescente que usa crack. Ele se descontrola e rapidamente se torna dependente. E isso não contribui para que ele peça ajuda, peça socorro" (grifo meu).
A que ponto chegamos. Em seu tempo, Durkheim já indagava profeticamente: "De que serviria uma educação que levasse à morte a sociedade que a praticasse?" Pois essa educação já chegou. A educação que se pratica hoje no Brasil está levando à morte a nossa sociedade. O pai que entrega seu filho para a escola pública não sabe que o está matriculando na escola do crime e que só o acaso poderá salvá-lo. Se uma criança ou adolescente afasta-se de um usuário de crack, a própria escola — ao invés de estimulá-lo a manter essa atitude — tacha a sua prudência como preconceito. E não só isso: culpa-o também pelo descontrole do viciado.
É isso que a psicóloga e socióloga Silvia Ramos entende por "segurança e cidadania", como diz o pomposo nome do núcleo que ela dirige numa universidade conceituada, com 105 anos de existência? Kant ensinava que o homem deve agir de tal maneira que a máxima que norteia sua ação possa se tornar uma regra universal, valendo para todos os homens. Mas é pouco provável que a doutora Sílvia Ramos e seus pares sigam a ética kantiana. Se um deles tiver uma filha de 15 anos e a menina resolver terminar um namoro ao descobrir que o namorado é viciado em crack, duvido que eles lhe digam: "Não seja preconceituosa, menina! Continue com ele para ajudar na sua recuperação". Obviamente, os doutores universitários não são loucos — eles jamais aplicam na escola privada onde estudam seus próprios filhos as teses que com desencaminham, na escola pública, os indefesos filhos dos pobres.
(Em breve, na próxima postagem, conheça a fraude cientifica — em defesa da cocaína — perpetrada pelo Ministério da Saúde.)
 
25 de maio de 2014
José Maria e Silva
 

SINTO VERGONHA DE MIM

 

Sinto vergonha de mim
por ter sido educadora de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.
 
Fonte: site da escritora
 
Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o “eu” feliz a qualquer custo,
buscando a tal “felicidade”
em caminhos eivados de desrespeito
para com o próximo.
Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos floreios para justificar
atos criminosos,

Bandeira chorando
 
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre “contestar”,
voltar atrás
e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer…
Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
 
Bye bye Brasil
 
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei minha Bandeira
para enxugar meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo brasileiro!
 
25 de maio de 2014
Cleide Canton é educadora, advogada, escritora e poeta

CRISE NA UCRÂNIA: REPÚBLICAS INDEPENDENTES SE UNEM PARA FORMAR A NOVOROSSIA



 
As autoproclamadas “repúblicas populares independentes” de Donetsk e Lugansk unificaram-se hoje sob o nome Novorossia (Nova Rússia), em ato que ocorre na véspera das eleições presidenciais ucranianas. A cerimônia de unificação foi em um hotel de Donetsk, na presença de representantes de outras regiões do sudeste ucraniano: Odessa, Kherson, Nikolayev, Dnipropetrovsk e Zaparozhie.

Os subscritores foram o primeiro-ministro da república popular de Donetsk, Alexander Borodai (cidadão russo, segundo Kiev) e o líder separatista de Lugansk, Alexei Kariakin, informou a imprensa local. A assinatura do documento foi a portas fechadas, sob medidas de segurança e apenas o canal de televisão russo Rossia-24 foi autorizado a estar presente.

Os rebeldes reconheceram que houve uma divisão entre os que apoiavam o ato de unificação de hoje e os que defendiam que a Novorossia deve incluir as oito regiões do sudeste, com grande número de russófonos.

BOICOTE ÀS ELEIÇÕES

Os secessionistas propõem-se a boicotar as eleições presidenciais deste domingo, em que são chamados às urnas 5 milhões de eleitores de Donetsk e Lugansk. As duas regiões representam 15% da população da Ucrânia.

As eleições presidenciais extraordinárias foram convocadas após o afastamento do Presidente Viktor Ianukóvitch, deposto no final de fevereiro após protestos diários de milhares de pessoas no centro da capital ucraniana, Kiev, ao longo de três meses.

A crise na Ucrânia começou em novembro de 2013, quando Ianukóvitch, considerado pró-russo, desistiu de assinar um acordo com a União Europeia e decidiu fortalecer os laços com a Rússia.

25 de maio de 2014
Da Agência Lusa

DILMA FICA "SURPRESA" COM AS CRÍTICAS DE RONALDO À COPA DO MUNDO




A presidente Dilma Rousseff ficou “chateada” e “surpresa” com as críticas do ex-jogador Ronaldo Fenômeno aos atrasos das obras para a Copa do Mundo que se inicia no próximo dia 12 de junho.

A pessoas próximas, Dilma demonstrou “contrariedade” com as declarações consideradas “despropositadas” do ex-atacante, que ocupa posto de destaque no Comitê Organizador da Copa (COL) desde 2011.

Mesmo com o mal estar causado, a ordem no Palácio do Planalto, neste primeiro momento, é não polemizar nem rebater publicamente as críticas de Ronaldo, considerado “fora de moda”, mas com uma história no universo do futebol.
“Ele que fale o que quiser”, disse um auxiliar presidencial.

As críticas de Ronaldo ocorrem após o ex-jogador ter postado, em abril, foto em uma rede social na qual chamou de “futuro presidente do Brasil” o candidato presidencial tucano e senador Aécio Neves (MG).

Na avaliação interna do governo, se fosse para ter alguma resposta, deveria partir do ministro do Esporte, Aldo Rebelo, considerado “pai da criatura” e apontado como padrinho da indicação do ex-atacante ao COL, à época comandado pelo então presidente da CBF, Ricardo Teixeira.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOGO ministro Rebelo já respondeu: “Disse que “Ronaldo chutou contra o próprio gol…” A declaração do ministro nada significa, porque Ronaldo apenas disse a verdade. E o ex-jogador tem direito de votar em quem bem entender.

(C.N.)

25 de maio de 2014
Deu no Estadão

QUEM SOMOS NÓS, BRASILEIROS?



Por que não conseguimos nos mobilizar e formar um grupo de milhões a lutar pelo país? Que tipo de sociedade é a nossa, que aceita com espantosa e inacreditável passividade toda a sorte de desmandos praticados há séculos pelos governantes mais inescrupulosos, corruptos e canalhas?
Foram muitos os cientistas que se debruçaram sobre esta tão rica questão, sem conseguir encontrar uma resposta objetiva. Será algo ligado ao estudo da Antropologia? Ou Sociologia? Filosofia, talvez?
Há quem debite tudo ao Ensino Básico, Educação e Cultura, que nunca tiveram lugar privilegiado nas prioridades. Outros lamentam que aqui estiveram franceses, holandeses, italianos, japoneses, alemães e outros imigrantes, com propósitos diferenciados: uns trouxeram a guerra, enquanto outros vieram para morar. Neste caso específico, podemos encontrá-los em São Paulo e em toda a região Sul, em cidades que tomaram os nomes de suas origens: Americana, Novo Hamburgo e muitas mais.
EUA E BRASIL
Nos Estados Unidos, início do século vinte, ocorreu o mesmo, talvez até com menor intensidade. O norte do país (New York e New Jersey, principalmente) foi ocupado por europeus fugidos da guerra. Mas logo puseram-se a trabalhar e… produzir. Encontraram um fértil campo para desenvolver o país; plantaram e colheram, organizaram-se e fundaram associações… As oportunidades brotavam como flores na primavera. Estava nascendo uma potência mundial. A maior de todas.
Por que no Brasil não aconteceu o mesmo, se nossas terras são generosas para o plantio e colheita, nosso povo é criativo e reconhecidamente receptivo, e o sol brilha quase que doze meses por ano? Por que nunca tivemos a capacidade de formatar uma Nação, com um projeto para viabilizar os sonhos de todo um povo, com leis adequadas e respeitadas?
Por que até hoje suportamos tantas e tamanhas canalhices praticadas em todos os segmentos empresariais e governamentais?
Verdade que lá, nos Estados Unidos, surgiram líderes populares. Gigantes como James Madison, Alexander Hamilton, John Adams, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e Franklin Roosevelt escreveram páginas espetaculares na História dos Povos. E George Washington, que deu o Grito contra os ingleses?
“Chega!”, bradou Washington para os Senhores da Inglaterra. “Os juros que nos cobram são por demais escorchantes, não temos como pagá-los. Vocês já lucraram demais, enriquecem cada vez mais com o suor do povo da América. Não devemos mais nada! Se quiserem receber mais dinheiro, que venham: iremos recebê-los à bala!”
O EXEMPLO DE JEFFERSON
E Thomas Jefferson? Era muito rico. Após deixar a Casa Branca, foi morar num lugar distante. Doou tantas coisas, ajudou tantos pobres que acabou sendo um deles. Até que num belo dia… alguém na Casa Branca leu no jornal: “Vendo biblioteca inteira. Milhares de títulos, em muitos idiomas”, etc.
Foram no local e… quem estava vendendo a biblioteca? Ele mesmo, Thomas Jefferson.
Foi quando tomaram ciência de que nada mais havia restado da sua fortuna, a não ser seus livros.
Hoje, emocionado, fico a pensar que Jefferson foi um dos três (com Franklin e Adams) que escreveram a Constituição dos Estados Unidos. “Todo homem tem o sagrado direito de buscar sua felicidade”. Frase de sua autoria, que lá permanece até hoje.
“Eu? Sou apenas o funcionário público número um, do meu país. Trabalho para que todos os cidadãos americanos se realizem, consigam conquistar seus sonhos e construir as famílias que dignifiquem nossa nação”, dizia ele.
Quando estive em Washington, visitando seu Memorial, ajoelhei-me diante de sua enorme estátua e… rezei um Pai Nosso para ele. Os turistas ignoravam o porquê de eu estar fazendo aquilo.
E NÃO TEMOS ESTADISTAS?
Por que prosseguimos vendendo nossa Pátria por quaisquer trinta dinheiros? O que nos sufoca o grito de uma verdadeira independência? Por que nossos legisladores são historicamente tão sórdidos e canalhas??? Por que a falta de respeito para com as leis e com a cidadania constitui o pilar maior de uma democracia que nunca tivemos?
“Hei de fazer deste um governo do povo, pelo povo e para o povo”, disse Lincoln. No Brasil, os governantes afirmam: “Hei de fazer deste um governo para que eu e meus amigos enriqueçamos cada vez mais, às custas do suor do povo, cujo destino inexorável é trabalhar sem ter perspectivas”. Eis a diferença.
24 de maio de 2014
Almério Nunes