Ex-ministro da Justiça entre 2000 e 2001, José Gregori foi um dos responsáveis por desvendar a falsidade nas denúncias do chamado Dossiê Cayman, produzido em 1998 para atacar políticos do PSDB nas eleições daquele ano. Segundo Gregori, o mesmo método de falsificação documental utilizado naquele esquema está sendo reeditado agora nas investigações do Cade sobre um suposto cartel de empresas em licitações do trem e metrô. Ele citou como exemplo a tradução incorreta de um documento, no qual aparecem ataques ao PSDB que não constam no original.
“É próprio desse tipo de estelionato eleitoral o advento de falsificação, de pegar um documento crível e falsificar informações. Esse estelionato visto até o momento compromete totalmente a investigação (do Cade), vai na raiz da questão anulando-a. O que estamos vendo é o caso Cayman sendo reeditado”, avaliou.
Para Gregori, que também preside a Comissão de Direitos Humanos da USP, o ministro da Justiça corre o risco de estar sendo feito de “joguete” nas mãos de “fanáticos de um partido” ao expor denúncias anônimas que chegam em suas mãos antes de checa-las. “O ministro, que é um homem sério, precisa ter muita convicção ética e saber que antes de tudo é uma coluna da república e não um galho de partido político”, concluiu.
Confira a entrevista:
O exercício de um cargo como ministro da Justiça envolve uma série de limitações éticas e técnicas. Quando ministro, o senhor chegou a receber alguma pressão para que transgredisse a ética vinda da presidência da república ou de algum partido? É comum esse tipo de pressão?
José Gregori: Em qualquer cargo público, especialmente em um cargo central como ministro da Justiça, o seu dia a dia está sujeito ao recebimento de muitas denúncias e queixas. Isso traz ao ministro a necessidade de muita prudência e responsabilidade senão ele passa a ser a caixa de ressonância da casa da sogra, onde tudo é admitido. O ministro precisa ter muita convicção ética e saber que antes de tudo é um ente da república e não um galho de partido político.
Na minha época, no entanto, nunca tive pressões vindas da presidência da república ou do meu partido. Recebi denúncias falsas com inconsistência nos elementos de vários lados. Um exemplo foi o falso dossiê das Ilhas Cayman, que uma série de supostas provas falsas chegaram com documentos falsificados que, se fossem distribuídos antes de terem a sua falsidade comprovada, poderiam ter denegrido muitas imagens. No final, ficou comprovado que houve fraudes e os falsificadores foram presos.
No caso do ministro Cardozo, ele rompeu com os limites da ética ao encaminhar diretamente à Polícia Federal papéis com uma denúncia apócrifa recebida em sua casa?
Gregori: Tenho respeito pelo ministro, acho que esses acontecimentos recentes podem ser explicados pela sua juventude, mas isso não justifica o que está acontecendo, que é o açodamento. Cardozo falou sobre prevaricação, acho que não prevaricar é tomar esse cuidado de não estar sendo feito de joguete nas mãos de falsários e fanáticos de partidos. Conduzir o cargo como um guardião. Ao receber um documento sobre pessoas que ele conhece, tem que ter o maior cuidado de não jogar na fogueira antes de você pessoalmente formar sua convicção.
Qual seria o procedimento correto neste caso?
Gregori: Se ele recebeu um documento com denúncias como essas que vieram a público, ele próprio, com uma assessoria da maior confiança, deveria buscar saber se tinha de fato procedência ou não, e não sair jogando a denúncia no ar para atacar adversários.
Dá para dizer que o procedimento foi politizado, tendo em vistas a eleição do ano que vem?
Gregori: O processo está sendo politizado desde a primeira notícia sobre o caso, que já vinha com endereço certo, citando fulano, beltrano e ciclano. Nunca se falou tanto dessas administrações estaduais passadas como no atual noticiário. Houve, até mesmo, um desrespeito à memória de alguns que não estão mais aqui para se defender. Todas essas denúncias nasceram absolutamente, de A a Z, com uma preocupação político-eleitoral tendo em vista o ano que vem. Isso aumenta nas autoridades que representam a república, incluindo o ministro Cardozo, a necessidade de prudência ao tratar desses assuntos para que eles não virem mais um joguete.
Ontem, membros do PSDB revelaram que houve fraude em uma tradução de documentos que compõe a investigação do Cade, nos quais foi incluído o nome do PSDB que não compunha o documento original. Essa fraude compromete parte da investigação?
Gregori: Na minha visão, esse estelionato visto até o momento compromete totalmente a investigação, vai na raiz da questão e anula ela. O que estamos vendo é um caso Cayman sendo reeditado. No processo Cayman, foram forjados nomes, valores foram alterados, datas, etc. Quer dizer, é próprio desse tipo de estelionato eleitoral o advento desse tipo de falsificação, de pegar um documento crível e falsificar dados. Esse tipo de crime não tem origem em informações verbais, mas geralmente em papéis adulterados. Pensa no caso dos trens, quando você compra um trem, um trilho, tem que assinar uns 20 papéis, e é justamente nesses papéis que o estelionatário vai buscar a falsidade. E as autoridades devem ter o maior cuidado com os papéis para não serem enganados pela pressa.
28 de novembro de 2013
Welbi Maia Brito
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