Será que deficiências na educação são um obstáculo tão severo aos ganhos de produtividade?
O assunto me rondou no último feriadão. No sábado, 16/11, o correspondente do "Estado de S. Paulo" Gustavo Chacra destacou no Twitter que universidades europeias estão sendo chamadas de fábricas de desempregados, o que me fez comentar que ainda há quem acredite que os problemas na educação sejam a causa definitiva do subdesenvolvimento brasileiro. Como não notar que a geração mais bem preparada da história da Espanha está desempregada?
A repercussão foi grande para o padrão de meu Twitter (@mtmiterhof). No dia seguinte, na Folha, o ex-presidente do BC Henrique Meirelles involuntariamente sumarizou os argumentos levantados contra meu comentário.
Seu objetivo era discutir como o Brasil pode elevar a produtividade para superar as restrições ao crescimento. A partir de um estudo do Banco Mundial, sua conclusão é que há uma relação direta do nível de educação com a produtividade e a renda de um país.
A correlação é inequívoca. O problema é que a simples verificação estatística de que duas ou mais variáveis aparecem simultaneamente na realidade é um campo fértil para mal-entendidos acerca da causalidade entre elas.
É difícil negar que a educação influencia a produtividade. Para Meirelles, um nível maior de aprendizado, medido em testes internacionais, é o que efetivamente eleva a produtividade. A cadeia de causalidade se completa com o entendimento de que elevar produtividade é condição para permitir acelerar o crescimento.
De fato, uma boa escola prepara trabalhadores mais capazes para tudo. Cursos técnicos formam mão de obra para setores complexos. Ter universidades de alto nível é crucial para o desenvolvimento tecnológico. Aliás, ter uma boa educação é desejável independentemente de seus efeitos econômicos.
Contudo, será que deficiências na educação são um obstáculo tão severo aos ganhos de produtividade? Afinal, um mexicano, ao cruzar a fronteira para trabalhar numa fábrica nos EUA, tem sua produtividade elevada algumas vezes.
No capitalismo, o principal mecanismo de aumento da produtividade é incorporar novas máquinas e obras civis, como em infraestrutura.
Em geral o progresso técnico ocorre de forma que os novos bens produzidos, de capital ou consumo, possam ser manejados por pessoas comuns. Alguns podem exigir treinamento, mas as empresas costumam ter sucesso nisso. No século 20, numa enorme mudança produtiva estrutural, a instalação da indústria de bens duráveis no Brasil empregou trabalhadores recém-emigrados de áreas rurais.
Hoje, a incorporação de tecnologias de informação e comunicação tem um amplo caminho para aumentar a produtividade da indústria e dos serviços. Por que jovens acostumados a usar tablets e telefones inteligentes não se adaptariam?
A falta de profissionais especializados pode em alguns casos ser restrição relevante, porém isso pode ser em parte contornado pela imigração.
Decisivo para a elevação do investimento e da produtividade é a demanda. Não à toa, apesar de sua volatilidade por natureza maior, desde 2005 o investimento cresceu acima do consumo, fazendo a taxa de investimento subir de um patamar de 16% do PIB para cerca de 19%.
A evolução da produtividade acompanha o crescimento (lei de Kaldor-Verdoorn). No Brasil, isso é ainda mais sensível porque a estrutura produtiva é grande, diversificada e heterogênea. Um crescimento baixo protege as firmas arcaicas. Mas uma demanda crescente é facilmente atendida pela atualização produtiva dessas empresas ou pelo deslocamento de trabalhadores para setores mais modernos.
A cadeia de causalidade se completa porque o crescimento também amplia a disponibilidade de recursos para melhorar os serviços públicos, como a educação.
De qualquer maneira, a relação é complexa. O aumento dos gastos para melhorar os serviços públicos é uma forma de distribuir renda e alavancar o crescimento.
Ademais, a atuação indutora do Estado na formação de empresas industriais bem-sucedidas, como discutido nas colunas anteriores, é chave para que o crescimento não seja limitado pela escassez de divisa externa, caso emblemático da Embraer, que, entre outras coisas, envolve o conhecimento produzido no ITA.
Se não é uma restrição absoluta ao crescimento, como indica a ortodoxia, a longo prazo a educação o influencia. O mais razoável parece ser que ter uma boa educação é mais resultado do que causa do desenvolvimento.
28 de novembro de 2013
Marcelo Miterhof, Folha de São Paulo
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