Se já não bastassem problemas que nos causamos, país terá de enfrentar ano difícil de fora
OS EUROPEUS estão preocupados com o efeito da mudança da política econômica dos EUA. O Banco Central Europeu teme os efeitos da mudança da política de seu colega, o Fed, como afirmou ontem em relatório.
Não soa bem, nem para eles, nem para o mundo, menos ainda para nós, Brasil, ainda pequenos e periféricos.
Trocando em miúdos, o BCE está preocupado com a hipótese de alguém grande levar um tombo enorme com o revertério da política monetária americana.
Grosso modo, o Fed tende a fechar um pouco da torneira de dinheiro que despeja na economia faz anos. Isso deve ocorrer até algum momento de 2014. No fim das contas, a mudança deve provocar algum aumento de juros --isto é, desvalorização de papéis da dívida pública e privada. Quem não estiver protegido contra essa desvalorização perde dinheiro, bidu. A depender do tamanho da perda, os estilhaços podem voar para vários lados.
Pode não acontecer nada disso, pode ser que esteja todo mundo de calças compridas, galochas e guarda-chuvas.
Afinal, os meteorologistas financeiros vêm prevendo chuvas e trovoadas faz tempo. Ao menos desde maio, está todo mundo avisado de que a política do Fed vai mudar.
Sim, a gente não deve subestimar a capacidade da finança mundial de fazer besteira, dadas as crises recorrentes e estrambóticas que vêm ocorrendo pelo menos desde 1997 (1997, 1998, 2000-01, 2007-08). O próprio BCE acaba de lançar um aviso aos navegantes.
E daí? Daí que, a princípio, teremos mais um ano difícil no front externo, já não bastassem as bobagens que fazemos aqui mesmo, no Brasil.
Durante parte deste ano, a gente ouviu a conversa de que a "Europa estava melhorando". Bem, de certo modo, estava. Está sempre melhor quem foi retirado do mar antes de morrer afogado.
A previsão de crescimento do PIB per capita para a eurozona no ano que vem é de 0,8%. Mal recupera a recessão de 0,7% deste ano de 2013. Se tudo ocorrer dentro do ora previsto, sem acidentes, a renda da eurozona voltará ao que era em 2007 apenas em algum momento lá de 2015. Na média. Mas essa média é deformada pela boa situação alemã.
A França, segunda maior economia do bloco, volta a 2007 também em 2015. Mas a Itália ainda será uns 10% menor (em termos per capita); a espanhola, uns 5% (os EUA passaram desse estágio em 2012).
A economia da eurozona anda tão fraca que a inflação anual é menor que 1%. O risco de deflação (anorexia econômica causada por falta de consumo e investimento) é grande o suficiente para autoridades monetárias (exceto as alemãs) prometerem políticas exóticas (assemelhadas às americanas) a fim de conter o problema.
O crescimento mundial talvez seja um tico maior em 2014, mas sujeito a tempestades. A mudança americana vai balançar o nosso coreto (dólar mais caro, menos crédito externo ou crédito mais caro) mesmo que seu impacto seja suave no resto do mundo. Ainda há o risco de uma bolha desconhecida estourar ou de, pelo menos, tombos grandes em mercados financeiros.
Nós ainda teremos os tremeliques causados pela incerteza do resultado da eleição presidencial, afora todas as sequelas de anos de má política econômica. Mas o governo acha que está tudo bem.
28 de novembro de 2013
Vinicius Torres Freire, Folha de São Paulo
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