A Lei da Anistia foi promulgada em 1979, fruto de um pacto da sociedade brasileira. Foi um ato de perdões recíprocos, avalizado pelo Congresso após negociações entre militares que ainda tutelavam o sistema e legítimos representantes da sociedade civil. Visou-se, à época, a contribuir com a reconstrução democrática do país, ainda não consolidada. Também era seu propósito pacificar a nação, a ela reintegrando brasileiros excluídos do processo político, via cassação, prisão e/ou exílio, e oferecendo alternativas constitucionais para desmobilizar o aparato coercitivo que operava nos porões do Estado, contemplando agentes públicos com o benefício do perdão, assim como a esquerda armada.
Mesmo assim pactuada, e a despeito de ter sido integrada à Constituição, a anistia vem sendo alvo de tentativas de revisão no que diz respeito à sua reciprocidade — neste caso sempre numa única direção: destituir de seu alcance militares, policiais e outros agentes públicos de órgãos de segurança, de modo a puni-los ao arrepio das garantias que um instrumento legal lhes concede.
Trinta e cinco anos depois de aprovada a lei, a decisão do ministro do STF Teori Zavascki de suspender uma ação que pedia a punição de militares ligados ao desaparecimento do deputado Rubens Paiva amplia o debate sobre a anistia de 79. Como das vezes anteriores em que se tentou dar um perigoso dito pelo não dito a um contrato institucional, também a este propósito falta consistência política e técnica.
No primeiro caso, porque não faz sentido, mais de três décadas depois, reabrir uma ferida cicatrizada pela força de lei. A anistia ampla e recíproca foi carro-chefe da redemocratização brasileira, um exemplo de transição sem rupturas traumáticas. No segundo, a falta de substância se dá por uma série de atos legais que corroboram os termos da lei. O principal deles, o veredito do Supremo, de 2010, que reafirmou a constitucionalidade da Lei da Anistia.
Alega-se ainda que a lei se confronta com o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema, mas esta instância — criada após a anistia e, portanto, pelo princípio da irretroatividade — não tem competência sobre fatos anteriores à sua instituição. Também não se sustenta a ideia de que crimes “de sangue” e “continuados” (sequestro e desaparecimento de corpos) estariam fora do alcance da anista. Afinal, todos são qualificados pelo STF como “crimes políticos”, portanto, anistiados.
A anistia é parte do arcabouço de um processo de redemocratização que legou ao país seu mais longo período de estabilidade política. Isso e o fato de ter sido aplicada com base numa lei avalizada pela legitimidade das forças que a pactuaram são argumentos definitivos para desestimular tentativas espúrias de subvertê-la.
Mesmo assim pactuada, e a despeito de ter sido integrada à Constituição, a anistia vem sendo alvo de tentativas de revisão no que diz respeito à sua reciprocidade — neste caso sempre numa única direção: destituir de seu alcance militares, policiais e outros agentes públicos de órgãos de segurança, de modo a puni-los ao arrepio das garantias que um instrumento legal lhes concede.
Trinta e cinco anos depois de aprovada a lei, a decisão do ministro do STF Teori Zavascki de suspender uma ação que pedia a punição de militares ligados ao desaparecimento do deputado Rubens Paiva amplia o debate sobre a anistia de 79. Como das vezes anteriores em que se tentou dar um perigoso dito pelo não dito a um contrato institucional, também a este propósito falta consistência política e técnica.
No primeiro caso, porque não faz sentido, mais de três décadas depois, reabrir uma ferida cicatrizada pela força de lei. A anistia ampla e recíproca foi carro-chefe da redemocratização brasileira, um exemplo de transição sem rupturas traumáticas. No segundo, a falta de substância se dá por uma série de atos legais que corroboram os termos da lei. O principal deles, o veredito do Supremo, de 2010, que reafirmou a constitucionalidade da Lei da Anistia.
Alega-se ainda que a lei se confronta com o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema, mas esta instância — criada após a anistia e, portanto, pelo princípio da irretroatividade — não tem competência sobre fatos anteriores à sua instituição. Também não se sustenta a ideia de que crimes “de sangue” e “continuados” (sequestro e desaparecimento de corpos) estariam fora do alcance da anista. Afinal, todos são qualificados pelo STF como “crimes políticos”, portanto, anistiados.
A anistia é parte do arcabouço de um processo de redemocratização que legou ao país seu mais longo período de estabilidade política. Isso e o fato de ter sido aplicada com base numa lei avalizada pela legitimidade das forças que a pactuaram são argumentos definitivos para desestimular tentativas espúrias de subvertê-la.
14 de outubro de 2014
Editorial O Globo
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